Skip to main content

Colunas

Bíblia Pilhada: Levítico

Mês passado saímos do livro Êxodo e hoje entramos no livro Levítico.

Levítico consiste, basicamente, em 27 capítulos de cagação de regra, de Deus dizendo o que pode e o que não pode fazer. Só tem um tio apredrejado até a morte no meio do rolê por falar mal de Deus e dois infelizes trucidados por uma oferenda de incenso feita da forma errada, mas são irrelevantes, o ponto alto são as regrinhas mesmo.

Como vocês podem imaginar, é chato e extenso, é repetitivo. Mas, felizmente, tem a Tia Sally para fazer uma boa curadoria de conteúdo e separar apenas as partes toscas, engraçadas e/ou baixo nível.

Deus chamou Moisés e o informou das regras de conduta que desejava que o povo seguisse. O povo tinha duas escolhas: viver respeitando essas regras, ou morrer de forma agonizante e horrorosa.

A premissa das regras não é uma sociedade justa ou manter a paz. Não. As regras são feitas para agradar Deus, o Senhor. Se você agrada o Senhor sobrevive, se você não agrada o Senhor, é morto, aniquilado, muitas vezes de forma dolorosa. E uma das principais formas de agradar o Senhor é através de oferendas, mais precisamente, sacrifício de animais.

O sacrifício de animais para Deus é basicamente um coringa para conseguir perdão por qualquer cagada, para conseguir ajuda, para celebrar datas importantes. É uma das principais formas de louvar a Deus e mantê-lo um pouco menos furioso. Não julgo, eu também fico irritada quando estou com fome. O problema é a complexidade do troço. Qual animal cabe em cada ocasião e com qual ritual.

Todas as instruções estão na Bíblia, neste capítulo longo e chato, sobre as quais não vale à pena entrar em detalhes, mas eu queria apontar uma questão que está me afligindo: na maior parte dos rituais, antes de queimar o bicho que foi morto para o Senhor, é preciso borrifar seu sangue pelos quatro cantos da tenda ou do altar sagrado.

Percebem o que esse detalhe pode gerar? Ainda mais no calor. A quantidade de bichos, o fedor, a sujeira constante. Adorar seu Deus em um ambiente esguichado com sangue de bicho morto me soa extremamente anti-higiênico. Se isso for verdade, eu vou tirar crédito de todos os milagres e aparições que envolveram levitação, pois com certeza absoluta eram as moscas atuando.

“Mas Sally, era outra época”. Certo. Não tinha moscas nessa outra época? Porque se tinha, é bastante nojento isso. Sangue não fedia quando exposto ao sol e ao calor? Criar um ambiente mais sujo do que lanchonete de beira de estrada era mérito? Faça-me o favor, trocentas regrinhas sobre limpeza, sobre não poder comer bicho impuro, sobre não poder encostar nisso e naquilo, quando diariamente frequentam um local esguichado de sangue???

Não é curioso que esse povo tenha uma preocupação excessiva, quase um TOC eu diria, com limpeza? Qualquer coisinha te deixa “impuro” se você encostar. Encostou em qualquer parte do corpo de uma mulher menstruada? Está impuro, não pode fazer porra nenhuma nem estar perto de ninguém enquanto não se lavar. Mas esguichar sangue de bicho morto como se fosse um sprinkler de hemácias na área mais nobre do local tudo bem.

Outro ponto que merece um desabafo: já sabemos que carne de bicho queimada “tem um cheiro agradável a Deus, o Senhor”, isso já foi dito várias vezes na Bíblia. não precisa ficar repetindo isso a cada parágrafo. Mas repetem. Começo a pensar que Deus é argentino, para ter essa tara constante por churrasco.

E por falar em repetição, já entendemos que o pão tem que ser sem fermento, pão com fermento é pior do que matar, é pior do que roubar, é pior do que estuprar. Pão com fermento deveria ser o primeiro mandamento de tanto que falam disso na Bíblia: “não colocarás fermento no pão”. Só depois um “amarás a Deus acima de todas as coisas”.

E, ainda sobre sacrifício de animais, eu pesquei alguns trechos da Bíblia que dizem que os sacerdotes podem comer a carne dos animais dados em sacrifício a Deus. Por exemplo:

Levítico 6:26 – “O sacerdote que oferecer o animal comerá a carne num lugar sagrado, no pátio da Tenda Sagrada. Mas acontecerá uma desgraça a qualquer outra pessoa que tocar na carne do animal, pois a oferta é sagrada”

Levítico 22:10 – “Somente o sacerdote e as pessoas da sua família poderão comer das ofertas sagradas. Os hóspedes e os empregados do sacerdote não poderão comer dessas ofertas.”

Vejamos… se eu dissesse aos meus vizinhos que tem um Deus que exige sacrifício de animais para não matá-los, se e eles me trouxessem carne sempre, se eu pudesse assar na minha churrasqueira e comer, minha vida certamente seria mais fácil. Veja que adianto para a vida dos sacerdotes: todos os dias alguém levando uma carninha, de forma gratuita, que eles poderão comer.

Não é conveniente? Ganhar alimentação gratuita até o fim da sua vida sem precisar pagar por carne? Por sinal, pelo preço da carne, seria bom até retomar essa doação raiz hoje em dia, com certeza vale mais do que o dízimo. O pobre não vai comer picanha nem por um milagre, mas o sacerdote esperto pode conseguir.

Além deste bônus de fazer o povo pagar por sua comida, o sacerdote ainda poderia ficar com o couro do animal para ele (Levítico 7:7), algo que não parece muito hoje, mas na época era fundamental. Muita coisa era feita de couro, desde roupas até utensílios para a casa. E a criação de gado era bem rudimentar e lenta, não chegava nem perto da fartura que temos hoje. Era bom ser sacerdote, né?

Mas, não bastava sacrificar animal. Todos os sacrifícios, oferendas, louvores ou sei lá como queiram chamar deveriam obedecer a ritos detalhados. Não basta dar o que Deus quer, tem que dar como ele quer.

Em diversos trechos vemos pessoas com boa vontade (como Nadabe e Abiú) que vão oferecer coisas de coração aberto e acabam instantaneamente mortos por errarem na forma. Cada passo mínimo do ritual tem que ser obedecido: era para fazer com a mão direita e fez com a mão esquerda? Cai um raio na sua cabeça e te desintegra.

Isso é especialmente cruel se pensarmos que, à época, a maioria não conseguia ler nem escrever com facilidade, seja pelo acesso à alfabetização, seja pela matéria prima necessária para isso. Ou você decorava esse um milhão de regrinhas e rituais, ou Deus te fulminava ao primeiro erro.

Para vocês terem uma ideia, tinha regra até sobre como proceder se aparecesse uma mancha na sua pele. Dependendo da cor e da textura, as condutas indicadas mudavam. Tem regras complexas para furúnculos, queimaduras e até para mofo (na roupa ou na casa).

E nem ao menos são regras que façam sentido. Se fosse uma quarentena, passar uma erva, lavar o local… mas não, vai muito além. Por exemplo: “Uma pessoa que sofrer de uma doença contagiosa da pele deverá vestir roupas rasgadas, deixar os cabelos sem pentear, cobrir o rosto da boca para baixo e gritar: “Impuro, impuro!”. Outro exemplo: ao achar mofo em uma casa, é preciso chamar o sacerdote e o sacerdote vai fechar essa casa por sete dias. Adivinha se o fungo não vai proliferar mais ainda depois disso?

Mas tudo sempre pode piorar. E essa piora se chama Levítico 15, um tratado sobre assuntos que ninguém quer saber, como corrimento masculino, “perda de esperma” e outros.

Desde já peço perdão: “Quando um homem tiver um corrimento no membro, ele ficará impuro, tanto se o corrimento vazar do membro como se o corrimento parar nele.”. Não tem jeito, né? É piroca toda hora. Não conseguem ficar muito tempo sem falar no assunto.

O mais engraçado é que, se o homem se curar, ele deve agradecer ao Senhor levando uma ROLINHA ao altar para que seja sacrificada e queimada. Nem na Praça é Nossa uma coisa dessas seria cogitada. E sim, me agradeça, pois eu quase fiz disso a imagem da postagem de hoje. Deus tocou meu coração e eu mudei a ilustração.

Acabou? Claro que não. Levítico 18, um tratado sobre relações sexuais proibidas. Tirando proibições óbvias como incesto e zoofilia, algumas regrinhas chamaram a atenção. A primeira é que não pode homem com homem. Confesso que fiquei surpresa. Eu sempre escutei que a Bíblia não proibia, que era moralismo do Catolicismo. Amigos gays, quando questionados por mim por qual motivo seguiam uma religião que não os aceita, me falavam “não tem nada na Bíblia que proíba, isso é invenção dos homens”. A Bíblia também, mas não vem ao caso.

Fato é que a Bíblia proíbe sim. Inclusive, proíbe pra caralho (sem trocadilhos). Vamos citar apenas dois trechinhos como ilustração.

Levítico 18:22 – “Nenhum homem deverá ter relações com outro homem; Deus detesta isso” e Levítico 20:13 – “Se um homem tiver relações com outro homem, os dois deverão ser mortos por causa desse ato nojento”.

Então, meus queridos, “Deus detesta isso” e “ato nojento” não são mensagens ambíguas. Proíbe com força. Proíbe e ainda esculacha. Proíbe e ameaça de morte. Esclarecida a questão, sugiro que repensem se querem fazer parte de uma religião que prega isso.

Depois, temos uma miscelânia de recomendações aleatórias. Pinçamos as mais curiosas:

  • “Não amaldiçoe um surdo, nem ponha na frente de um cego alguma coisa que o faça tropeçar”
  • “Não vistam roupas feitas de tipos diferentes de tecidos”
  • “Não cortem o cabelo dos lados da cabeça, nem aparem a barba”
  • “Quando chorarem a morte de alguém, não se cortem, nem façam marcas no corpo”
  • “Ninguém que tenha algum defeito físico poderá apresentar as ofertas de alimento. Essa lei valerá para sempre. Nenhum homem com defeito físico poderá apresentar as ofertas: seja cego, aleijado, com defeito no rosto ou com o corpo deformado…” (continua uma longa lista que envolve, inclusive, corcundas e anões)
  • “Não ofereçam ao Senhor qualquer animal que tiver os testículos machucados, esmagados, arrancados ou cortados. Isso não é permitido.”

Eu não sei o que é mais fascinante: um povo que precisa dessas regras ou um povo que se vê obrigado a seguir essas regras.

Menção honrosa para Levítico 26:14, no qual Deus passa vários parágrafos esmiuçando que vai fazer com quem não seguir suas regras. Do versículo 14 ao 40 é apenas uma progressão de ameaças. O mais bacana é o grau de agressão e crueldade vai escalando.

Deus começa dizendo que vai fazer tal coisa com quem não obedecer às regras e, se isso não matar a pessoa, vai fazer aquilo. Não me lembro de ter visto uma sequência tão curiosa de ameaças em toda a minha vida. Pensar que eu demorei tanto a ler este livro maravilhoso e tinha uma birra boba, quase infantil, com esse Deus superdivertido. Vença seus preconceitos, leitor. Às vezes a vida te recompensa com uma grata surpresa!

Serve como religião? Nem a pau! Medo, vingança, horror, preconceito – que tem resquícios até hoje na dinâmica do troço. Mas como entretenimento? Sensacional. Encerramos Levítico por aqui, mês que vem vamos para Números, que consegue ser ainda mais chato do que Levítico.

Mas, uma pergunta ficou sem resposta: por qual motivo sacrifício de animais? Se está explicado na Bíblia, eu não tive a capacidade de compreender. Consultando pessoas que tem mais conhecimento do que eu (vulgo: qualquer um), me foi explicado que é uma troca: se você fez merda, Deus está puto e quer morte, quer sangue. Você mata e dá o sangue do bicho para saciar a ira de Deus, assim ele não mata você. Adorável. Se alguém tiver outra explicação mais correta, por favor deixe nos comentários.

Nomes citados neste trecho, a serem usados para animais de estimação: Nadabe, Abiú, Arão, Misael, Elzafã, Uziel, Eleazar, Selomite e Dibri. Por motivos óbvios, escolhemos Dibri, de preferência para um cão que tenha habilidade com bolinhas.

Para dizer que se Deus detestasse isso não tinha prepúcio o tempo todo na Bíblia, para dizer que hoje é dia de passar dos limites ou ainda para dizer que você também desconhecia o patamar de entretenimento da Bíblia: comente.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Bíblia, Bíblia Pilhada, cristianismo, religião

Comentários (14)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: