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Barracos quebrados.

Barracos quebrados.

| Desfavor | | 14 comentários em Barracos quebrados.

Uma internauta polemizou com um registro feito dentro de um avião, onde ela aparecia brigando com uma passageira que se recusou a trocar de lugar com seu filho. A mãe da criança se indignou com a recusa da outra mulher, mesmo após ela explicar que o menino estava chorando. LINK


Uma discussão acalorada entre um motorista de aplicativo e um passageiro em Belém está gerando grande repercussão nas redes sociais. No vídeo gravado pelo próprio motorista, o passageiro grita insistentemente, afirmando estar sendo “agredido” e pedindo por “socorro”. No entanto, em nenhum momento a gravação mostra qualquer evidência de agressão física por parte do motorista. LINK


Muita discussão sobre quem estava certo, mas quase nada sobre como o brasileiro precisa parar de dar chilique. Desfavor da Semana.

SALLY

Dois casos pequenos nos chamaram e serão o pano de fundo para o Desfavor da Semana. Não é sobre eles, e sim sobre o que eles representam.

No primeiro caso, uma mãe constrange a passageira de um avião que está na janela a trocar de assento com ela, pois seu filho queria se sentar na janela. No outro, um rapaz acusa falsamente um motorista de Uber de agressão, sem saber que estava sendo filmado. Os dois vídeos podem ser encontrados nos links das respectivas notícias, na introdução deste texto.

Ambos os casos ilustram muito bem uma triste realidade brasileira: a permissividade social com barraco, baixaria e comportamento mal-educado. Esse foi um dos motivos que mais pesou para que eu me foda toda, me arrisque além do aceitável e saia do Brasil mesmo estando nas piores condições possíveis quando o fiz.

Eu não vou falar das pessoas que protagonizaram estas cenas. Eu não sei com quais demônios internos elas estão lutando, eu não sei em que realidade elas forma criadas, eu não sei qual conceito de educação lhes foi ensinado. Eu quero falar sobre a sociedade, pois quando surgem situações como essas, todo mundo foca em criticar apenas os protagonistas. E todos vocês têm algum grau de responsabilidade.

A sociedade tem um papel importante para traçar a linha do que é tolerado e do que não é tolerado. Claro que, em última instância, a responsabilidade é destes dois queridos que protagonizaram as cenas lamentáveis, mas… não podemos mudar o outro. Mas podemos mudar a sociedade, mudando a nós mesmos, para começo de conversa. E ninguém acha que tem nada a mudar, o barraqueiro é sempre o outro. E todo mundo tolera barraco, por preguiça, comodismo ou até conveniência.

Uma sociedade que tolera gritos, baixaria, barraco, ameaça, agressão verbal, chantagem emocional, manipulação e incitação ao linchamento moral está doente. Isso deveria ser repudiado, inclusive quando a pessoa que o faz tem razão. Barraco e baixaria nunca devem ser uma via aceita para solução de problemas e conflitos. Em hipótese alguma tem que ser tolerado.

Mas no Brasil, não só é aceito, como muitas vezes é encorajada: a pessoa que “não leva desaforo para casa” e ainda se gaba disso é vista como proativa, fodona, respeitada. Isso ensina a todos, desde cedo, que espernear, fazer escândalo, fazer barraco é uma via válida. E torna o convívio social um verdadeiro inferno.

Existe algum ganho secundário em manter essa dinâmica, caso contrário, ela não sobreviveria até hoje. Eu sinceramente não sei qual é, mas vocês deveriam refletir e tentar entender, para, quem sabe, tentar começar a mudar. Ou ao menos entender que isso não é normal, nem comum, nem aceitável. Em qualquer país que não seja um tremendo shithole, se você se comportar assim, mesmo tendo razão, a situação vai ficar muito feia para o seu lado.

O que vemos nesses vídeos são um misto de adultinho incapaz de se frustrar e convicto de que se o outro não atende suas expectativas, é um escroto. Não importa que a pessoa tenha desembolsado mais dinheiro para sentar na janela, se seu filho quer sentar na janela, a pessoa é obrigada a ceder o lugar, se não é falta de empatia. Não importa que o motorista não tenha te agredido, se ele se recusou a mudar a rota só pode ser racismo.

Em uma sociedade normal, eu diria “a vida vai dar uma lição de realidade a essas pessoas”. E durante muito tempo eu acreditei que isso seria possível no Brasil. Pois bem, não é.

No Brasil isso é tolerado, quiçá encorajado. Essas pessoas não encontram limites, apenas ganhos secundários. Nas suas bolhas, que, ultimamente, acaba sendo o mundo no qual as pessoas passam mais tempo, elas recebem muitos aplausos. Se sentem bem consigo mesmas por terem feito aquilo. E desacreditam quem as critica com cartadas como racismo, criançofobia e falta de empatia.

Como não existe um freio, como a sociedade não repudia com força, continuam fazendo. Assim, o brasileiro vive em um grande “Ei, Você”, no qual os idiotas dominam na base do berro, pois os que não são idiotas se deixam intimidar ou simplesmente não querem se dar ao trabalho de confrontar para construir um ambiente melhor. Pois, adivinha só? Construir uma sociedade decente dá trabalho.

Uma das coisas que mais me espanta nesse show de horrores é que não seja insalubre para os brasileiros viver em um ambiente desse, cheio de gritos, de ameaças, de mentiras, de barraco e baixaria. Isso detonava minha saúde mental. Era um inferno. Uma sociedade que tem esse modo de funcionar é um inferno. Uma coisa é não se deixar abalar pelo que o outro diz de você, outra é viver em um ambiente no qual o mecanismo de funcionamento é insalubre.

Será que as pessoas se acostumam com isso? Eu nunca consegui. E não acho saudável conseguir se acostumar. Por outro lado, quem não pode sair do país faz o quê? Vive sofrendo? Complicado. As duas soluções são péssimas: se brutalizar, se acostumar com o comportamento baixo nível ou diariamente sentir as consequências dele. Sinceramente, nem sei o que é pior. Só posso recomendar uma visita à nossa coluna “O Brasil Tem Saída”.

Talvez o pior seja que a maioria dos brasileiros é assim, mas não percebe que é assim. Só vê os comportamentos inadequados dos outros, mas quando ele é contrariado, quando se frustra ou quando de alguma forma surge uma situação que demande equilíbrio emocional, vem o faniquito.

Pode não ser um piti agressivo, mas vem o descontrole, a baixaria, o barraco. Pode ser gritando com um namorado, com um familiar ou ameaçando processar alguém. Pode ser tendo uma crise de choro, pode ser tendo uma crise de riso, pode ser fazendo birra e ficando em silêncio. Mas acaba vindo. São raras as exceções de pessoas com algum controle ou equilíbrio, mas todo mundo acha que tem. E, ao achar que tem, não se corrigem.

Quando a barra é tão baixa, todo mundo se sente virtuoso. Se sentir virtuoso quando você se compara com a escória é fácil. Gostaria que todo brasileiro passasse um mês na Suíça e medisse sua barra de comportamento por ali, em vez de se comparar com os maiores barraqueiros. Como isso não é possível, deixo apenas a sugestão de que todos revisem seus comportamentos e observem se não tem nada que possa ser um pouco mais civilizado.

A situação é tão bizarra que até a reação foi bizarra. Todo mundo espantado em ver que a passageira do avião apenas ignorou. Celebrações chamando de musa, deusa, fada sensata. Eu sei que no padrão Brasil a moça realmente merece um troféu, mas no padrão não-Brasil ela só teve uma atitude que qualquer pessoa civilizada e com saúde mental teria.

E não estou falando mal dela, palmas para ela. Estou falando mal da sociedade. Quando alguém que se comportou apenas como uma pessoa educada vira musa, é sinal de que a sociedade está muito mal. Como pode uma pessoa minimamente civilizada causar tanto espanto, aplausos e celebração?

Para mim, para o meu país, isso seria o mesmo que postar um vídeo de uma pessoa cagando na privada e todos os comentário celebrarem o mestre da higiene que não cagou no chão da sua casa. Pelo amor de Deus, é o mínimo que se espera de uma pessoa! Que tipo de povo celebra que alguém cagou no vaso em vez de cagar no chão? Vocês estão fora da realidade! O primeiro passo é admitir a crise civilizatória que é o Brasil. Parem de botar panos quentes, parem de normalizar: o brasileiro é mal-educado, barraqueiro e sem noção.

Depois tem que quebrar a inércia e começar a trabalhar uma mudança. Eu sei que quando a coisa é tão enraizada, tão massificada, tão entranhada, dá um desânimo extra, pois fica a sensação de que nada ou ninguém conseguirão promover uma mudança em tempo algum.

Não foque em mudar o mundo, pois isso não está nas suas mãos. Foque em mudar a você, e, se houver disponibilidade da outra parte, em levar um pouco de consciência para as pessoas que estão perto de você. Se todo mundo fizer isso, ajuda bastante. E por fim, não aceitem mais esse comportamento, como sociedade. Tem que ser duramente repreendido, não por lei, mas pela reação das pessoas.

Parem de achar que circunstâncias autorizam barraco. Parem de engolir as piores cagadas constrangidos pela cartada do racismo (quem acusa não ser racismo acaba sendo chamado de racista). Parem de normalizar baixaria. Viver em uma sociedade assim adoece.

Para dizer que o combo Milei + Postagens sobre Argentinos está gerando uma tentação de mudar de país, para dizer que tem que baixar a porrada sem barraco, em silêncio ou ainda para dizer que o mundo todo se rege assim e eu é que sou fresca: comente.

SOMIR

Foi engraçado como a moça do avião acabou se tornando uma celebridade, é quase como se a sociedade estivesse criando anticorpos contra o vírus do cancelamento… mas falar disso passa do ponto onde queremos ficar. Sally e eu concordamos que esse povo precisa mesmo é combater o problema na raiz: o descontrole emocional.

Novamente, adorei como os escrotos que tentaram transformar a internet em seu exército pessoal quebraram a cara nesses casos, mas o resultado não pode ser isolado do juízo de valor sobre quem estava certo nas discussões. Depois de “julgar” os casos, o brasileiro médio tomou o lado de quem considerou inocente.

E pouco se falou sobre como é horrível que tanta gente parta para esse tipo de confrontação raivosa no primeiro sinal de frustração. Quem não entra na disputa de arremessar merda do símio médio brasileiro é considerado uma pessoa com controle acima da média sobre seu estado emocional.

Não é. Pelo menos não deveria ser. Esse é o padrão de autocontrole de uma pessoa minimamente razoável. Eu entendo a necessidade atual de celebrar quem se porta assim, mas é sinal de que tem algo errado. Estamos numa sociedade que falhou em se autorregular nessas questões.

É normal dar chilique. É normal argumentar falando cada vez mais alto, como se o volume da voz alterasse o conteúdo do que se fala. O brasileiro não se choca, nem sequer torce o nariz. Começar um show toda vez que ouve um não é coisa de criança pequena, comportamento que deveria estar suficientemente controlado em adultos. Claro, todo mundo pode ter seus dias ruins, é normal falhar no autocontrole, mas desde que você esteja seguindo uma linha de comportamento decente e eventualmente falhe.

Se é o seu padrão para lidar com os outros, não é falha, é… padrão. E é achar que barraco e chilique são padrões que cria uma falsa escolha para as pessoas: agressão ou submissão. Ou você está atropelando o outro com tudo o que tem, ou está sendo esmagado, levando desaforo para casa.

Que fique claro: quem se controla melhor em situações de confronto não leva desaforo para casa. Porque uma mente bem cuidada processa e resolve o problema. Às vezes as coisas saem do jeito que você quer, às vezes você tem que negociar e às vezes você simplesmente perde a disputa. Essas coisas acontecem, e não tem nada para levar para o travesseiro de noite, ou mesmo para ficar se remoendo depois.

E digo mais, muitas vezes você perde em disputas de forma injusta. Você tem certeza de que sua visão estava correta e mesmo assim as coisas se desenrolam de um jeito que vai contra a sua vontade. É sim possível ser sacaneado e lidar com isso dignamente. O brasileiro fica tão traumatizado com a ideia de ser o otário da situação que perde seu tempo em batalhas perdidas.

Tempo que poderia ser utilizado para mexer na sua estratégia ou mesmo seguir em frente e tocar a vida sem tanto sofrimento. Eu também quero que o mundo me pareça perfeitamente justo, absolutamente normal ter seus sentimentos em relação ao que acontece ao seu redor, mas essa forma agressiva e paranoica do brasileiro médio lidar com dificuldades só cria mais sofrimento.

Sociedades têm embutidas regras de como se portar em público. E não é à toa que as mais restritivas sobre demonstrações de descontrole emocional costumam ser as mais evoluídas. E sim, eu sei que nos shitholes fundamentalistas islâmicos existem mil regras de como se portar, mas são focadas em valores religiosos específicos contra bebida e mulher, homens ainda podem ser macacos selvagens.

E eu argumento que a repressão sobre arroubos emocionais em público gera uma visão mais saudável sobre a vida. Essas regras, muitas delas não escritas, são para fazer com que as pessoas convivam de forma mais pacífica, para aumentar o grau de confiança e segurança nas interações entre as pessoas.

Quando você vive num país de barris de pólvora, é difícil se coordenar para construir algo melhor. É até esperado do brasileiro dar chilique, muitas vezes eu nem sei por onde começar a explicar para alguém por que eu lidei com tal situação de forma tão calma e controlada… porque eu não fiz nada além do mínimo lógico da coisa. Resolver coisas na conversa é mais eficiente que resolver no grito. Ser consistente e voltar atrás quando percebe algo errado não é prova de grande evolução, é só o jeito mais simples de viver em sociedade. Ao não entrar em confusão e gritaria, eu gasto menos energia mental.

Se você bota na cabeça que está cercado de monstros, fica sempre nervoso e não consegue usar sua energia de forma produtiva. Não dar chilique é econômico, e eu garanto: você não é passado para trás com facilidade. Não precisa ser gênio, não precisa nem ser mais inteligente que a média, é só não ficar usando uma bazuca para matar cada pernilongo na sua frente. O enrolador/golpista médio do Brasil é tão burro e transparente nos seus esquemas que basta não estar uma pilha de nervos para perceber.

Uma sociedade que reprime esse tipo de barraco independentemente de achar que você está certo ou errado é uma sociedade que incentiva a melhor forma de resolver problemas. Será que o brasileiro médio ao ser impactado por esses casos está percebendo que mesmo se concordasse com a causa dos barraqueiros, eles ainda mereceriam críticas?

Entre coincidência e consciência, eu voto na primeira. Por isso esses temas estão aqui. É o relógio quebrado estando certo duas vezes por dia.

Para dizer que gostava mais quando a gente era briguento, para dizer que odeia todos por igual, ou mesmo para dizer que o único ponto de vista correto é mais vantajoso para você: comente.


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