Skip to main content

Colunas

Arquivos

Bíblia Pilhada: Deuteronômio

Bíblia Pilhada: Deuteronômio

| Sally | | 10 comentários em Bíblia Pilhada: Deuteronômio

Por algum motivo que eu desconheço, no livro Deuteronômio Moisés decide recapitular todos os acontecimentos, contando-os ao povo. Talvez pela chatice extrema do livro Números os autores da Bíblia tenham achado prudente relembrar em que pé a história estava, tipo seriado ou novela que mostra uns pedacinhos do capítulo anterior para situar a audiência.

Tempo de leitura: 5 horas

Resumo da B.A.: Deus gosta de você mas Deus quer que você faça as coisa direito porque Deus gosta de você mas Deus não vai te perdoar Deus

POWERED BY B.A.

Moisés relembra ao povo quase toda sua história, desde que saíram do Egito. Como finalmente estavam chegando na terra prometida, para dar contexto e encerrar essa história com coesão, teve esse (longo) momento de recapitular. Não vou aborrecê-los com o que já foi dito, já basta que eu tenha sido exposta a essa leitura chatíssima novamente.

O que você precisa saber em meio a muito blá blá blá e alegorias: se você seguir as regras de Deus tudo vai dar certo, se não seguir, as coisas vão dar errado num ponto cruel, sádico e pirotécnico. É toda uma construção para seguir a Deus não por amor a ele e sim por medo.

Depois da recapitulação exaustiva, Moisés trouxe algumas novidades também. Agora que o povo entraria na terra prometida, as regras ficariam mais rígidas, Deus, o Senhor, exigiria mais deles. O grau de exigência é surreal, cada situação, cada detalhe, tem sua regra.

Não vou sujeitar vocês a esse compilado de idiotices, ninguém quer saber que se um israelita passar por dentro da plantação de uva de outro israelita pode comer quantas uvas quiser, mas, se pegar alguma uva e sair com ela nas mãos ou em cestos será morto. Vamos filtrar e falar apenas das regrinhas mais fascinantes, para que vocês, mais uma vez, tenham uma ideia do naipe desse Deus.

Moisés repete por diversas vezes que não é apenas sobre fidelidade pessoal ao Deus. Não. Também é necessário invadir a liberdade religiosa dos outros. Não basta você adorar apenas o seu Deus, tem que destruir os altares dos outros Deuses para que o seu Deus fique feliz com você.

Só para citar um exemplo: “Portanto, derrubem os altares desses povos, quebrem as colunas do deus Baal, cortem os postes da deusa Aserá e queimem todas as imagens.” (D 7.6).

Intolerância religiosa deixa Deus orgulhoso. Expressões como “detestem e odeiem de todo coração” se repetem várias vezes. Veja bem, são expressões que eu gostei e pretendo começar a usar. Um Deus que usa expressões que eu gostei é, no mínimo, um Deus questionável.

Nesses 34 longos e sofridos capítulos, Deus não perde uma oportunidade de jogar os erros, falhas e defeitos na cara do povo. É esculacho diariamente. É impressionante o relacionamento tóxico desse Deus com seu povo. O tempo todo ameaçando, o tempo todo minando a autoestima. Por exemplo, quando eles finalmente chegam na terra prometida e precisam enfrentar uma última batalha para expulsar as pessoas que moravam lá, este é o recado que Deus transmite:

“Mas, depois que o Senhor, nosso Deus, tiver expulsado esses povos da presença de vocês, não fiquem pensando assim: “Deus nos trouxe aqui e nos deu esta terra porque somos bons.” Não é por isso; mas Deus vai expulsar esses povos da presença de vocês porque eles são maus. Vocês não vão tomar posse da terra porque são bons e honestos. É por causa da maldade desses povos que Deus vai expulsá-los e também porque o Senhor, nosso Deus, quer cumprir o que prometeu aos nossos antepassados Abraão, Isaque e Jacó. Portanto, fiquem certos de que Deus lhes está dando esta boa terra não porque vocês sejam bons; pelo contrário, vocês são gente teimosa.”

A premissa é clara: me amem, me adorem, mas saibam que vocês não são grandes merda. Relacionamento tóxico. Certeza.

O pequeno detalhe sobre a terra prometida é que ela estava ocupada (inclusive por gigantes) e, os israelitas teriam que cair na porrada com essas pessoas e expulsá-las de lá para entrar na terra prometida. Ninguém disse que seria fácil.

O povo ficou apreensivo, afinal, tinha um pessoal grande do outro lado. Moisés assegurou que Deus os ajudaria a vencer. Mas, é claro, nada é de graça na Bíblia.

Se quisessem a ajuda de Deus para vencer, deveriam atender a uma série de exigências. E foi nesse contexto que Moisés explicou quais seriam as regras para adoração do Senhor na nova terra, regras ainda mais complexas e inexequíveis do que as regras que já existiam. A vitória deles estava atrelada à promessa de seguir essas infinitas regrinhas sem sentido.

Para vocês terem uma ideia do grau de detalhismo e absurdo, diz até o que fazer caso encontre um ninho de passarinho caído (como proceder com a mamãe passarinho e como proceder com os filhotes). Impossível de lembrar, impossível de executar.

Tenho para mim que o Senhor meio que já queria dar um pau nos israelitas e por isso criou regras impossíveis de seguir, para justificar as agressões que faria com eles.

Entre as regras e ensinamento que Moisés transmitiu ao povo, podemos observar, em diversos momentos, as clássicas lições de amor, tolerância e harmonia. Um exemplo, só a título de ilustração:

“Talvez chegue perto de você o seu irmão, ou o seu filho, ou a sua filha, ou a sua querida esposa, ou o seu melhor amigo, procurando em segredo levá-lo a adorar outros deuses que nem você nem os seus antepassados adoravam. Essa pessoa pode procurar levá-lo a adorar os deuses de povos vizinhos ou de povos que vivem longe, em lugares distantes. Não deixe que essa pessoa o convença, nem escute o que ela disser. Não tenha dó nem piedade dela e não procure protegê-la. Mate essa pessoa a pedradas; atire a primeira pedra, e, depois, que todos os outros atirem pedras também.” (D. 13 6-9)

Temos também as regras machistas, tipo matar a pedrada mulher que não casa virgem ou, pior, que não consegue provar que era virgem quando casou, caso o marido faça tal acusação.

Tem regra até sobre como ser chicoteado, no caso, deitando no chão, sendo permitidas, no máximo, 40 chicotadas pois “mais do que isso seria humilhar um israelita em público”. Menos de 40 é tranquilo, né? Não humilha ninguém não.

Outra regra curiosa é “Quando dois homens estiverem lutando, a esposa de um deles não deve chegar e agarrar o membro do outro, a fim de ajudar o marido. Não tenham dó nem piedade; cortem a mão da mulher que fizer isso”. Fascinada com a ideia de apartar uma briga pelos genitais. Ainda bem que esse hábito se perdeu com o decurso do tempo.

Meus queridos, tem regra até sobre como cagar e enterrar o cocô, literalmente. Eu não sei como essas pessoas faziam para decorar tanta coisa. Certamente nem todos sabiam ler e escrever, portanto, boa parte deles deveria memorizar. O tanto que Deus deve ter castigado essa gente não é brincadeira.

Temos também a parte das maldições, que descrevem pessoas ou atos que eram amaldiçoados pelos sacerdotes. Tem algumas bastante curiosas, como por exemplo, será amaldiçoado aquele que fizer um cego errar o caminha. Nem eu faço uma coisa dessas. É basicamente um compilado de absurdos, que a pessoa não deveria fazer por sensatez, como por exemplo, sexo com a sogra.

Também tem todo um setor específico sobre desobediência, destinado a aqueles que amam a Deus mas que, por algum descuido, não seguem as regras. Nesse caso, Deus mandará muito calor, ventos quentes, doenças infecciosas e caos. Outros homens comerão a mulher da pessoa, a pessoa será roubada de diversas formas e por mais que trabalhe, sempre terá recursos insuficientes. Sem querer suscitar polêmica, mas bate perfeitamente com o Rio de Janeiro. Em algum momento o carioca fez cagada com esse Deus aí.

Em resumo, Deus passou a exigir um grau de “comprometimento” maior dos israelitas, pois ele estava fazendo a parte dele e entregando a terra prometida. Estava cheia de gente, com um exército armado e com gigantes? Sim. Mas o Senhor os ajudaria a vencer a batalha, desde que, dali para frente, seguissem todas as regras que vinham seguindo até então mais as um milhão de regras novas que Moisés estava transmitindo.

Por exemplo, se depois de tomarem a terra prometida e se estabelecerem lá, descobrissem que um israelita estava adorando um novo Deus em qualquer cidade, a punição correta seria matar todos os moradores da cidade com golpes de espada, matar todos os animais, pegar todos os objetos de valor que encontrassem na cidade, amontoar em uma praça e queimar.

Depois deveriam tacar fogo na cidade até que fique arrasada, deixar as ruínas e nunca mais construir nada no local. Seria a única forma de Deus não ficar puto e matar todo mundo. Deve ser a ajuda mais cara de todos os tempos.

Quando a cagação de regra finalmente acabou e todas as condições e novas regras foram informadas, Moisés reuniu o povo e avisou que ele não conseguiria entrar na terra prometida (não sei se vocês se lembram, mas por causa de uma malcriação que os israelitas fizeram com o Senhor durante a peregrinação no deserto, essa punição ficou estipulada). Moisés informou que Josué ficaria no seu lugar e lideraria o povo dali para frente.

Deus chamou Moisés e, além de comunicar que ele morreria em breve, ainda disse que sabia que o povo não respeitaria as regras impostas e por isso ele, Deus, mandaria todo tipo de desgraça, sofrimento e danação para esse povo. Um clima ótimo. Depois Deus mandou Moisés subir um monte, avisando que ele morreria lá no alto. O clima cada vez melhor.

Moisés deu bênçãos a todas as tribos de israelitas e subiu o monte. Morreu lá no alto. Consta que Deus o sepultou, mas ninguém soube muito bem onde muito menos como. Diz a Bíblia que os israelitas nunca mais tiveram um profeta que falasse “cara a cara” com Deus como foi Moisés.

É isso. São basicamente 279 páginas de ameaças para que os israelitas cumpram todas as exigências ilógicas de um Deus terrorista e sádico. Nada aconteceu. Só vão entrar na terra prometida no próximo livro, Josué 1.

Sim, eu sei, eu também estou puta, acreditem. Inclusive pelo fato de que eu tive que ler a 279 malditas páginas de regras sem sentido. Mas tudo indica que daqui para frente, a história melhora. Nos vemos no mês que vem.


Comments (10)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: