
O meta político.
| Somir | Des Global | 12 comentários em O meta político.
Acho que já expliquei antes, mas como é um termo mais nerd, alguns de vocês podem não conhecer: “meta” é o nome que se dá para as estratégias que os melhores jogadores usam num jogo. Funciona como um substantivo: o meta é o “jeito certo” de jogar, por assim dizer. Depois que você internaliza esse conceito, começa a enxergar em vários lugares, inclusive na política.
Tempo de leitura: 1 minuto, só o primeiro parágrafo
Resumo da B.A.: Lendo só o primeiro parágrafo, o autor parece que vai falar sobre a Groenlândia.
Donald Trump já tinha ganhado a eleição e tomado conta do ciclo de notícias. Enquanto esperavam pela sua posse, muitos apoiadores pensaram em tirar umas férias e curtir a vitória. Porém, muito antes do próximo momento garantido de atenção, Trump resolve trazer de volta o tema de anexar a Groenlândia (território dinamarquês) e ainda adicionar o Canadá na brincadeira, querendo transformar o país em um novo estado.
E pronto, base ativada novamente. Jornalistas partem para cima, tirando da gaveta artigos sobre a gigantesca ilha congelada do Atlântico Norte, que já tinham preparado da última vez que Trump falou disso. O povo nas redes sociais começa a discutir, políticos americanos, canadenses e europeus dão seus pitacos, muitas pessoas fazem cenários mentais sobre a possibilidade disso acontecer… e antes das pessoas enjoarem, Trump resolve colocar o Canal do Panamá no pacote e dizer que não nega a possibilidade de usar a força para conseguir novas posses.
Quando você acha que o assunto acabou, ele joga mais uma bomba. E não importa o grau de realismo das ideias de Trump. O Canadá não quer ser um estado americano, a Dinamarca já está trabalhando para deixar a Groenlândia independente há décadas, e o Panamá tem zero incentivos para abrir mão da sua maior fonte de renda. São todos devaneios laranjas que dificilmente saem do papel sem destruir a imagem americana no mundo.
Minha teoria é que Trump joga essas coisas para o universo e vê se ganha alguma coisa no processo. Quando você diz publicamente que quer alguma coisa, quem tem instintivamente começa a pensar no seu preço. Podem nem querer agir, mas é uma tática de negócios que Trump e quase todo mundo com alguma experiência no mercado conhecem. Faça eles pensarem num preço e o impossível pode virar uma negociação.
Mas cá estou eu caindo no truque também… o texto não é sobre a possibilidade de Trump anexar esses territórios, é sobre como a melhor forma de comunicação política no Século XXI é a saturação. Não deixe as pessoas ficarem com tempo mental livre, porque elas podem começar a pensar sobre suas motivações. Enquanto o povo discute Groenlândia, não está pensando em outras coisas que podem incomodar Trump.
Já que o povo vai ficar falando sem parar sobre cada notícia que aparece em seus feeds, que você tenha alguma influência para onde elas vão estar olhando. Estamos vendo muitos políticos de esquerda afundando por não entender ou mesmo conseguir agir de forma parecida. Não é sobre qualidade, é sobre quantidade.
Se você falar uma maluquice por dia, nenhuma das suas maluquices fica tão importante assim. Bolsonaro se virou bem assim, Trump também. Ambos pagaram pesado pela pandemia e não foram reeleitos, mas nunca ficaram tão longe assim da metade. No caso do Brasil foi extremamente apertado. A tática de uma bomba a cada dia resolve muitos problemas de comunicação.
O governo Lula e o governo Biden sofreram muito com notícias falsas e presunções do povão sobre suas ações. Zero julgamento aqui: independe o mérito da informação, e sim como todas as notícias negativas para eles foram cultivadas por vários dias, tomando o ciclo de notícias. As suas contrapartes também lidaram com esses problemas, mas nada grudava por tempo suficiente.
Falou algo racista na segunda? Diga algo sexista na terça! Ainda está com um clima estranho? Homofobia, negação científica, ideia ridícula… qualquer coisa que faça com que o ciclo de notícias se sinta obrigado a se adaptar. E quando a semana acabar, ou o público seguiu o assunto que você foi propondo ou está dividido discutindo as últimas dez asneiras que disse.
Seja como for, funciona. É volume. Eu vejo muita gente falando que o “pessoal da direita” entendeu como funciona a comunicação digital, e apesar de concordar, parecem sempre tentar explicar como se fosse uma questão de descontração, mentiras, material chocante… e não é isso que é comunicação digital. Porque isso não é novo.
Ninguém inventou agora a ideia de que uma mentira fantástica chama mais atenção que uma verdade chata. Nem que as pessoas gostam de bagunça e exagero. O ser humano não descobriu que gosta de bundas e piadas há duas décadas, esse é o padrão histórico. O que define a comunicação digital que funciona hoje no “meta político” não é o conteúdo, é o volume.
O streamer gera mais engajamento com o espectador que o apresentador de TV porque ele está lendo os comentários em tempo real. Ele está se comunicando com a pessoa centenas de vezes por transmissão. Ele pode até ser meio escroto, falar bobagem, fazer coisa errada, que ainda compensa para muita gente. Comunicação digital é estar em cima do seu público feito um carrapato, é pular pela janela se a porta está fechada.
Quando você já tinha dado de ombros para a histeria trumpista, o arrombado cai no seu colo de novo com esse papo estrambólico de anexar a Groenlândia, Canadá e Canal do Panamá. Não dá nem para ficar com saudades. E quando esse assunto ficar chato, ele vai soltar outra, e outra, e outra. Não porque Trump está seguindo a cartilha de algum marketeiro genial, mas porque ele é assim, a internet só deu mais palco para ele.
É uma era de influencers que falam mais do que ouvem, gente que só quer aparecer e fica forçando a barra para se manter na sua memória de curto prazo. Isso é comunicação digital. É a parte feia e muitas vezes irritante do meta da comunicação para a massa. Se você fala com um nicho, tudo bem ser mais educado, mas se quer falar com todo mundo ao mesmo tempo, tem que ser uma criança hiperativa desesperada por atenção.
Muitas vezes o meta estraga o jogo. Descobrem um jeito muito eficiente de jogar que ganha, mas que deixa os outros jogadores putos da vida. Matam diversidade e reduzem a diversão de quem não tem saco ou habilidade para jogar daquele jeito específico. O meta político está selecionando narcisistas e pessoas com todo tipo de problema mental que não se aguentam e ficam pentelhando o mundo todo por atenção.
Funciona porque dilui a crítica em tantas instâncias que nenhuma cola de verdade, e funciona porque o mote da publicidade clássica ainda vale: quem é visto é lembrado. Se a sua noção de política for muito rasa para escolher uma ideia e seguir com ela, você vai ser impactado pelo Trump mais Trump do grupo. O Bolsonaro mais Bolsonaro, o Marçal mais Marçal. Quem for mais demente de ficar te bombardeando com “assuntos de momento” vai desequilibrar o jogo na hora do voto.
O jeito mais eficiente de jogar política é o jeito trumpista de impactos constantes sem se apegar de verdade a nenhuma fala passada. As partidas desse jogo são muito mais curtas e frequentes. E a sua atenção é o campo de batalha. Aqui no Desfavor a gente ignora o jogo porque não temos fins lucrativos ou políticos, mas ele está claramente disposto para quem quer estar na ponta da língua e dos bolsos das pessoas.
Nos jogos o meta muda de tempos em tempos porque os donos do jogo vão fazendo modificações para enfraquecer as estratégias boas demais e fortalecer as muito ruins. Na vida real eu não sei quem faz esse papel, provavelmente ninguém. Isso quer dizer que salvo alguém achar outro jeito ainda mais eficiente de entrar na sua cabeça e ficar por lá, vamos continuar vendo a política seguir na mesma direção do mercado de influencers.
Não porque as pessoas querem sofrer, mas porque elas recompensam quem joga dessa forma. Existe um ganho secundário em morder todas essas iscas e ficar trocando de assunto compulsivamente junto com os Trumps da vida. Talvez seja um alívio ser “forçado” a não olhar para dentro, que nem aquela meme do cidadão que não quer ir dormir com a mulher porque alguém está errado na internet.
No Desfavor eu sei que ganho temas quando entretenho as besteiras de políticos bostejadores compulsivos, mas na vida fora do blog… zero recompensas. Eles falam essas coisas, a gente morde a isca, discute algo que provavelmente nem precisava discutir, e espera pela próxima dose, mesmo que não faça nada.
Tenho uma solução para isso? Não. Não sei se existe solução para o meta, porque o meta é descoberto, não criado. O ser humano é assim. Trump funciona. Provavelmente a única coisa para se tirar dessa reflexão é por que Trump funciona especificamente com você. Entenda isso e no mínimo você aprende o meta, se vai jogar desse jeito ou não, são outros quinhentos…
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Essa estratégia de comunicação saturada pode até funcionar, mas não dá pra negar que a Internet se torna um saco, um lugar inóspito, porque chega uma hora que a gente cansa de tanta polêmica o tempo todo.
Realmente, Ge. Eu mesmo me sinto exaurido com tanta polêmica inútil e desnecessária e coisas jogadas na nossa cara, gritando pela nossa atenção o tempo todo… Não tem quem aguente…
Meta já é um substantivo feminino em bom português, que significa objetivo ou alvo. Incorporação desnecessária de significado, portanto.
Só que em inglês o significado é outro:
adjective: meta
(of a creative work) referring to itself or to the conventions of its genre; self-referential.
“the enterprise is inherently “meta,” since it doesn’t review movies, for example, it reviews the reviewers who review movies”
Meta nesse contexto se usa como autorreferência.
Como nas palavras “METAlinguagem” e “METAfísica”?
Metalinguagem sim, porque significa analisar a própria linguagem, então “meta” é sobre ser autorreferencial; mas metafísica não, porque pelo menos do jeito mais comum de definir, o prefixo meta significa “ir além de”. Mas dá um papo cabeça legal discutir se metafísica é autorreferencial ou não…
Se você observar bem, o escarcéu em torno da receita pedindo informações quanto as transações via pix, assunto da postagem de ontem, tem o mesmo espírito.
A jogada é tão manjada que foi satirizada pelo André Guedes no video do salário mínimo de 1 real.
Teria como colocar esse resumo da IA Brazuca um pouco mais elaborado? Melhor pra enganar trouxa.
Podemos tentar, porém, é um brasileiro médio, há um limite do quanto ele pode elaborar
A maioria não entende 90% dos resumos da IA do Google e acha que entendeu tudo. Estariam só deixando claro que a prolixia engana muita gente.
Tipo o Macaco Louco.
A gente usa um supercomputador da Multilaser para rodar.
O supercomputador da Multilaser seria um (PRESS) F (FOR RESPECTS) PRO com Android 9 GO, memória RAM de 1 GB e memória de armazenamento de 16 GB? Se sim, explica-se.
Sim, há duas décadas tinha computador que era ainda pior que isso.