
Violência é solução?
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Vivemos num mundo brutalizado, especialmente nas áreas mais pobres. Sally e Somir concordam que existem mais soluções, mas brigam quando tem que decidir a validade da boa ou ruim e velha pancada. Os impopulares se defendem.
Tema de hoje: violência física é um meio válido de resolver conflitos?
SOMIR
Tempo de leitura: 2 segundos e chamar o autor de viadinho
Resumo da B.A.: O autor defende que devemos permitir todo tipo de crime e não nos defendermos de bandidos porque é comunista.
Não. Tirando, é claro, casos de legítima defesa; mas acho que todo mundo aqui concorda que para se defender ou defender terceiros, violência é uma necessidade, não uma escolha. Quando a violência física é uma escolha, eu considero a pior.
A maioria das pessoas lê ou ouve a expressão “resolver conflitos” e fica hiperfocada na parte dos conflitos. Compreensível, o conflito chama mais atenção mesmo. Mas quando eu rejeito a violência como método neste texto, eu estou focando no verbo resolver. Resolver deveria ser mais importante que conflitos na frase.
Violência física interrompe o problema, mas dificilmente o resolve. Se você quer impedir alguém de fazer uma coisa, pode enfiar a porrada nela e conseguir que não faça, mas só durante o processo da violência. Na hora a pessoa sente a dor e enquanto acreditar que vai continuar apanhando, pode até se controlar.
Mas o incentivo de fazer a coisa que você considera errada está lá. Ele nunca foi confrontado diretamente. Violência física é controle de sintoma, não de doença. Não tem para onde correr: uma pessoa só resolve seus problemas de dentro para fora. De fora para dentro você pode tentar controlar o comportamento dela, mas se ela não for capaz de rever suas atitudes e tomar decisões diferentes no futuro, dá no mesmo que gritar com seu gato por ele ter rasgado o sofá horas antes.
A violência física é uma propriedade do agora. Ela funciona na exata medida que a legislação ao redor do mundo a tolera: como defesa contra a violência e o abuso imediatos. Bater nos outros é só empurrar o problema para longe de você, não resolve nada por si só. Todo mundo concorda que uma mulher sendo estuprada tem todo direito do mundo de arrancar fora o pinto do estuprador, ninguém em sã consciência concorda que ela possa arrancar fora o pinto do marido que deixou a toalha molhada em cima da cama.
O que é do momento é do momento. E aí já está resolvida a questão da violência física: use quando precisar. Quando o conflito não está nesse campo, não é uma resolução real. Mesmo quem está pensando no exemplo de dar um tapa no filho para ele parar de fazer algo estúpido ou irritante está perdendo o foco da coisa: presume-se que a criança vá entender e mudar seu comportamento internamente.
Porque seja lá seu ponto de vista sobre bater em criança, o cérebro infantil é feito para se doer internamente com a reprovação do adulto. Em tese tem um fundamento de mudança de comportamento através da atitude agressiva dos pais. Agora, violência entre adultos? Você realmente acha que um marmanjo vai ficar sofrendo por você ter chegado ao ponto de bater nele por algo que fez?
Só vai registrar a violência. É uma janela muito limitada no desenvolvimento humano essa coisa de aprender por violência. E nem é a violência que funciona de verdade, é uma tendência da mente jovem de moldar comportamento de acordo com reações de adultos. Em países como o Brasil o cidadão ou a cidadã já está com arrogância de adulto aos 12 anos de idade, e eu nem culpo muito quem tem que se virar sozinho desde cedo.
Porrada não ensina, ensinar ensina. Nos raros casos em que violência parece fazer efeito, não foi o ato violento que colocou a ideia na cabeça da pessoa, foi sua capacidade interna de lidar com esse estímulo. Se violência física resolvesse alguma coisa, o sistema prisional brasileiro não seria a base das nossas facções criminosas, né?
Violência física não funciona para resolver conflitos porque o brasileiro é viciado em violência e não resolve seus conflitos. As pessoas que apanham voltam a fazer a mesma coisa errada de novo e de novo, porque não tem efeito nenhum mesmo. É uma daquelas muitas falhas lógicas de causalidade que as pessoas costumam ter: não é só porque uma coisa parece estar ligada com a outra que ela está.
Se algumas pessoas reagem de forma positiva à violência, mas na média uma sociedade violenta não resolve seus conflitos, não está na cara que não é uma conexão que possamos fazer? Tem outros fatores aí, se você descobre que 1% das pessoas que tomam sorvete de chocolate se curam do câncer, você acha que descobriu a cura do câncer? Tem que fazer um mínimo de sentido para conectar os pontos.
O que eu estou dizendo é que violência física é um falso deus para o qual a humanidade insiste em rezar sem resultados práticos. Estamos sentando a pata uns nos outros por milhares e milhares de anos, e já deveria estar óbvio que não foi isso que melhorou a qualidade de vida das pessoas. Inclusive, quanto menos violenta uma sociedade, melhores seus indicadores de qualidade de vida, incluindo a parte de segurança pública.
Violência não coíbe crime. Não adianta teimar, não funcionou. As pessoas querem que funcione porque espancar, linchar e matar são coisas muito simples de fazer, mas os países que mais espancam, lincham e matam são os mais inseguros… bater não resolve, aliás, parece que até piora.
Vai ser mais difícil do que bater nos outros. É óbvio que vai ser mais difícil que bater nos outros, porque se funcionasse… já teria funcionado! Ou alguém aqui olha para a história da humanidade e pensa que faltou violência física? Eu não sei mais o que dizer para você além de que claramente não funciona, vide o mundo todo ao seu redor.
É difícil mesmo. Não tem atalho. É convencer esse povo devagar e sempre que existem soluções melhores. Violência física é uma forma de causar dor e só.
SALLY
Tempo de leitura: 15 minutos
Resumo da B.A.: A autora defende agressão física contra as camadas menos privilegiadas da população que são, em maioria, negras, portanto a autora é racista e afirma que negros merecem apanhar.
Excluindo a hipótese de legítima defesa (sua ou de terceiros), é admissível violência física como meio válido para solução de conflitos?
Pela lei, não. Em ambientes normais, não. Como regra não. No Brasil: sim.
Assim como não dialogamos com animais irracionais, por ser inútil, não acho possível dialogar com o grau mais baixo de material humano que existe no Brasil. E isso não depende de religião, cor, classe social ou ideologia política. É irrotulável, tem gente muito tosca em todos os segmentos.
Não digo que sejam todos, mas hoje, no Brasil, existem algumas pessoas tão subterrâneas que não há outra solução que não seja a violência física. Não porque as pessoas mereçam apanhar, mas por ser a única linguagem que compreendem.
Óbvio que nosso primeiro conselho sempre será ignorar, se afastar ou até fingir que concorda para se poupar desse tipo de situação. Mas, em alguns casos não é possível. Em casos extremos, toscos, incontornáveis, só porrada resolve.
Eu acho isso bonito? Não, não acho. Acho terrível. É um dos motivos pelos quais eu resolvi sair do Brasil. Acho degradante, estressante e insalubre ter que conviver com pessoas que estão aquém do diálogo. Mas, em sendo obrigada, em alguns casos entendo ser a única forma eficiente de botar uma trava e evitar um mal maior.
A lei não admite agressão física de forma preventiva. Mas a lei brasileira acha que cadeia superlotada e com tortura ressocializa, então, pau no cu da lei. Em alguns casos, dependendo do grau de tosquice mental, é preciso chegar com um ato de violência repentino para meter moral e a pessoa te respeitar. Repito: um lixo viver assim, recomendo que saia do país.
Infelizmente tem gente que só compreende essa linguagem. Quando der para se afastar dessas pessoas, se afaste em vez de confrontar. Mas, quando não der, quando você tiver que conviver com elas, eventualmente pode ser um recurso válido sim, se os riscos forem bem calculados. É preferível uma ação contundente preventiva do que deixar a coisa escalar e o problema se tornar incontrolável ou mais grave depois.
Percebam que eu nem estou entrando no campo de pessoas boas ou más. Não estou fazendo juízo de valor. Estou dizendo que há pessoas, pelo seu histórico de vida, pela sua criação, por todos os abusos sofridos, apenas entendem um freio quando ele é comunicado dessa forma. Mais uma vez: que merda que seja assim. Mas é.
Se a lei funcionasse, eu jamais opinaria dessa forma. Mas a lei não funciona. Você que já teve um vizinho abusado, desrespeitoso ou criminoso sabe disso. Você que já teve um sujeito te stalkeando, ameaçando ou até atentando contra sua integridade física ou de alguma mulher da sua família, sabe disso.
Não é sair metendo a porrada em todo mundo à menor contrariedade. É moer na porrada um vizinho nóia que por diversas vezes coloca em risco a integridade sexual da sua filha, como última estratégia possível para tentar preservá-la. É deitar na porrada vagabundo que coloca em risco pessoas que você ama, pois o Estado não vai solucionar a questão.
Também não é responder a qualquer coisa com porrada. Acho válido exaurir todos os outros meios antes. Se não houver mais recursos, se não houver outra saída possível, se tudo já foi tentado sem sucesso, aí sim eu apoio quem quebra o nariz e todos os dentes da frente do colega com uma tijolada.
Não defendo violência como regra. Apenas acho que em uma sociedade rudimentar e sem lei como a brasileira ela pode sim ser válida como último recurso em casos excepcionais. Não acho exigível que uma pessoa viva refém de outra (ou que veja seus filhos viverem reféns) por ineficiência do Estado em colocar ordem.
E vou além. Eu julgo quem fica de braços cruzados refém da brutalidade, da criminalidade e da injustiça quando a pessoa poderia fazer algo para se defender.
Obviamente ninguém vai dar um soco na boca de um traficante, pois vai morrer poucas horas depois, mas, se for uma situação na qual a violência resolva o problema em vez de agravá-lo? Manda ver. É o preço de se viver em uma pocilga como o Brasil. A outra opção, não se defender, é pior ainda. Viver no Brasil é viver fazendo escolhas trágicas todos os dias.
Existe um mundo de distância entre uma contrariedade, uma desavença e uma solução de conflito extremo. Ninguém em sã consciência defende resolver desavenças com violência física. A indicação é para casos que sabidamente vão se agravar se não receberem um freio e colocarão em sério risco a sua integridade ou da sua família.
Pela lei, é preciso que uma agressão ou ataque esteja acontecendo para que se justifique o uso da força como legítima defensa. Se você tem motivos quer um vagabundo qualquer vai passar a mão na sua filha ou fazer coisa até pior, não acho exigível esperar que aconteça. Se essa ameaça recaísse sobre alguém que eu amo, certamente eu não esperaria.
O ideal, ideal mesmo, é se mudar para um lugar no qual a maior parte das pessoas seja dialogável e, para as que não, que o Estado e a polícia se encarregue. Civilização, que chama. Porém sabemos que isso nem sempre é possível.
Também sabemos que no Brasil não há como evitar essas pessoas no último grau de tosquice, pois elas estão em qualquer ambiente, em qualquer classe social. Arrisco até dizer que é mais comum entre os mais ricos. Não tem pior horror e desrespeito do que condomínio de casa de gente rica. Então, não tem para onde correr. Às vezes tem que descer a mão no outro sim.
Morar no Brasil tem essa consequência: eventualmente, quanto tudo mais falhar, quando houver um risco grave e quando for efetivo, você pode precisar colocar limites com as próprias mãos. Escolhas trágicas. Todo santo dia.
Sempre achei que recorrer à violência se justificasse apenas depois que todas as outras alternativas já tivessem se esgotado, como um último recurso. Mas o foda é quando, dependendo das circunstancias e de quem está do outro lado, a porrada acaba sendo o ÚNICO recurso… Tem gente que só aprende na base da pancada mesmo. E, outros, ainda piores, nem assim…
“(…) O foda é quando, dependendo das circunstancias e de quem está do outro lado, a porrada acaba sendo o ÚNICO recurso… Caramba…
Lamento muito ter de concordar com a Sally neste texto, mas acho que a maioria das mulheres brasileiras concordaria também. Às vezes, a única forma de conseguir um mínimo de respeito é pela força.
Eu nunca precisei bater em ninguém para isso, embora já tenha tido sucesso para repelir dois assaltantes fisicamente uma vez. Mas a forma que as pessoas me tratam quando meu parceiro está do meu lado é diferente, e de um jeito gritante. Fácil intimidar e dar em cima de uma menina magrinha de um metro e meio, mas fazer isso do lado do parceiro alto e forte dela é outra conversa.
Gostaria que fosse realmente só questão da imagem que a gente projeta, porque não é tão difícil assim usar as roupas e postura certa pra transmitir isso. Infelizmente, tem muita gente que só entende a lei do mais forte.
Pois é, Paula. Isso só mulheres vão entender. Tem vezes que se fazer de louca e agir de forma agressiva impede até estupro.
Com toda a certeza. Querer ser boazinha e civilizada o tempo todo é uma cilada absurda pra mulheres
“Outro (clássico) debate desde discordâncias” que talvez me lembra este
:)
https://www.desfavor.com/blog/2018/03/no-amor-e-na-dor/
> “Tem outros fatores aí, se você descobre que 1% das pessoas que tomam sorvete de chocolate se curam do câncer, você acha que descobriu a cura do câncer? Tem que fazer um mínimo de sentido para conectar os pontos.”
> “Viver no Brasil é viver fazendo escolhas trágicas todos os dias.
Existe um mundo de distância entre uma contrariedade, uma desavença e uma solução de conflito extremo.”
> Menção Ilustre: (hiper) frase trazida por Zezócas Paxaxócas! (Será que de 1994 ou 1998 & “até” estaria no YouTube?)
Porrada não é solução. Acho que é muito necessária para lidar com os FDP que surgem em nossas vidas. Amaria ter a coragem necessária para meter um soco nas fuça de muita gente com quem eu já convivi.
Não, porrada não é a solução.
Mas pode ser um recurso para tentar conter os danos.
Como eu tenho pavio curtíssimo, pouquíssima paciência com gente cretina e já estou euxarido depois de tanto perder tempo de vida tentando inutilmente resolver problemas de outros jeitos, concordo com a Sallly. Por fim, deixo pra vocês uma frase do Casseta & Planeta: “O combate à violência é como uma partida de futebol: alguém tem que dar o pontapé inicial”.
Hoje, eu sou bem menos “estourado” do que antes, mas ainda me sinto compelido a concodar com você, Zezócas. E com você também, Sally, é claro.
Eu também já fui pavio curto, desses que “dão pontapé até na sombra”; mas, de uns tempos pra cá, tenho tentado me controlar. Deixar o sangue ferver a toda hora não é legal…