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Jeitinho argentino – Parte 5

Jeitinho argentino – Parte 5

| Sally | | 10 comentários em Jeitinho argentino – Parte 5

Como a última edição desta coluna foi meio pesada, hoje apresentamos um conteúdo mais leve.

Vamos ver a curiosa relação entre comerciantes e clientes argentinos. Sabe essa mentalidade brasileira de que o cliente tem sempre razão? Pois é… esquece. A dinâmica é outra.

Tempo de leitura: 1 minuto

Resumo da B.A.: o argentino sabe fazer brincadeira sadia, tá okay? E estão pegando os comunistas por lá, grande notícia.

POWERED BY B.A.


Um homem pediu café com leite vegano e escreveram “gordinho viado” no copo

No começo achei que era uma notícia falsa, pois circulou em vários perfis de humor. No final das contas parece que é apenas uma notícia engraçada, é perfeitamente possível que tenha acontecido. Certeza não tenho, pois não vi, mas é compatível com todo o resto que vi.

Um homem um pouco acima do peso foi a uma cafeteria daquelas que escrevem seu nome no copo do café e pediu que a bebida viesse acompanhada de leite vegano. Veja bem, Argentina é o país da carne. Não é muito aceitável ser vegano. Existem veganos? Existem. Mas sofrem bullying. É como ir a um bar no Brasil e dizer com ar de superioridade que não bebe cerveja.

A pessoa que o atendeu achou ok escrever “gordinho viado” no copo. Provavelmente era uma brincadeira interna que não deveria ter chegado no cliente. Mas chegou. E foi resolvido na base da cadeirada. Eu ri, pois consigo visualizar essa dinâmica perfeitamente: uma brincadeira que sai do controle e termina em violência física. Mesmo os veganos argentinos tem stamina.

Veja bem, não é essa a regra, normalmente as coisas não se resolvem na troca de cadeiradas. Mas às vezes acontece essa combinação explosiva de uma pessoa que brincou além do limite com uma pessoa que já estava puta por outros fatores além do limite. O fato é que se você vier à Argentina pode sofrer bullying por ser vegano.



Aqui vemos uma versão reversa do caso anterior: o abuso é cometido pelos clientes. Era algo bastante comum antes do Milei controlar uma inflação desenfreada. O consumidor ficava puto e colava cartazes nos produtos dos supermercados para avacalhar uma marca e/ou para alertar outros consumidores.

Daí você pode se perguntar por qual motivo o dono do estabelecimento não removia os cartazes. Bem, removia. Mas tem uma coisa sobre argentinos que talvez vocês já tenham percebido em mim: se começar um cabo de guerra ele vai puxar com mais força para o outro lado – e vai puxar até a eternidade. Para cada cartaz que dono remove, aparecem mais três, e ainda com aviso escrito “se tirar deixo outro pior”.

Não que a mesma pessoa passe o dia no supermercado vigiando cartazes. É um senso de coletividade de indignação. Todo mundo participa, movido pelo ódio. Quando o argentino sente raiva ou indignação, ele precisa fazer alguma coisa. É culpa do tio do mercado que o preço aumentou? Não. Mas foda-se. A Pantene vai recuar nos preços por causa de um cartaz malcriado? Não. Mas foda-se. O recado foi dado, isso alivia nossa putez. Não é necessariamente contra alguém, às vezes é pura indignação.



Aqui vemos o rótulo de uma cerveja artesanal que diz:

“Não permita que esta cerveja funcione como um incentivo para telefonar para a sua ex, em uma patética tentativa de fazê-la voltar com você. Excelentes cerais e lúpulos morreram para fazer esta bebida. Mostre algum respeito”.

Havia necessidade de colocar isso no rótulo? Nenhuma. O que o consumidor faz alcoolizado é problema dele. Mas o fabricante quer fazer humor (spoiler: nós sempre queremos fazer humor em tudo. Sempre.) e aproveitou para dar um conselho maroto: é idiota beber e ligar para a ex.

Obviamente esse aviso malcriado não vai impedir ninguém de ligar para a ex, mas certamente vai fazer a pessoa se sentir bem mal por isso depois. Esse é o espírito. Não é o cliente quem pede respeito ao vendedor, é o vendedor quem exige respeito do cliente: respeite o trabalho de quem elaborou essa cerveja e não use ela como desculpa para ligar para a sua ex.

Eu não sei como estão as coisas agora no Brasil, mas quando saí daí, era bastante improvável que qualquer marca chamasse seu consumidor de “patético” na embalagem do produto. O brasileiro se leva muito a sério.



Aqui vemos uma publicidade raiz, feita por um tiozão qualquer, dono de uma loja de bairro. É uma tentativa de publicidade de aquecedores de água, com um cartaz rabiscado à mão, onde se lê: “Recupere amigos: tome banho”.

Eu nem sei por onde começar. Talvez pelo fato do mais rudimentar dos argentinos ter entranhado em si esse senso de humor com requintes de crueldade e ofensivo. É como se fosse um texto meu comprimido em uma única frase de um cartaz.

A premissa de que seu potencial consumidor é um porco e perdeu amigos por não tomar banho também é fascinante. Parte-se de uma ofensa para tentar convencer alguém a te dar dinheiro. Percebam que se isso fosse considerado ofensivo, ninguém faria, sobretudo um pequeno comerciante, que dispõe de uma clientela limitada a aquele local.

Quando anunciamos um produto tentamos mostrar algum diferencial que fará o cliente nos escolher em vez de escolher o concorrente. E, no caso, fazer esse tipo de piada é visto como um atributo positivo, como um diferencial que não só não espanta, como pode atrair clientes. A Argentina é um país fascinante.



Aqui vemos um review de um cliente que expressa o que acontece quando um produto é apresentado de forma muito fofa, muito politicamente correta e muito amável:

“A comida é muito boa, o atendimento também é muito bom, voltarei para provar os lanches, que me disseram que são muito bons. O único porém é que a ambientação e decoração são excessivamente positivas. Nem o saleiro se salvou das frases motivacionais. Por favor, ninguém tem tanta vontade assim de viver. Aceitam cartão de crédito.

Quando eu digo que o argentino não gosta de motivação, positividade e alto astral, eu não estou brincando. Tende a ser visto como artificial, infantil e ofensivo. As pessoas preferem uma loja que mande você tomar banho ou uma cerveja que diga que você é patético. Soa mais verdadeiro, por isso é mais bem aceito.

Caso alguém tenha curiosidade, este é o site do lugar avaliado. Na Galeria você pode ver diversas fotos nas quais aparecem saleiros, xícaras e outros itens cheios de palavras motivacionais. Tudo branquinho, imaculado, luminoso. É como alho para vampiros. O argentino é ácido, sacana, politicamente incorreto em sua maioria.

Um lugar que talvez fosse muito apreciado em grandes capitais brasileiras, é considerado um lugar sem graça que atende a um público muito nichado e gratiluz. Era melhor ter colocado o saleiro mandando a pessoa não se exceder para não ter hipertensão.



Para finalizar, quero acabar com o mito de que argentino não gosta de brasileiro.

Gosta. E muito. Se você não meter nenhuma rivalidade no meio, serão seus melhores amigos e inclusive defensores se alguém atacar o Brasil. Se você rivalizar, te chamarão de “macaco”, pois sabem que é isso o que dói no brasileiro e argentino fica nervoso com rivalidade. Nada pessoal. Na Copa do Mundo estudaram história para ver como poderiam ofender melhor a torcida da Croácia. É o modo de funcionar mesmo.

Isso é o que acontece quando o argentino realmente não gosta. Percebam que nas duas imagens tiradas de programas de TV diferentes, não há uma intenção direta de atacar. Não é uma pessoa dizendo o quanto peruanos são isso ou são aquilo. Há uma sincera opinião sem sequer perceber que está ofendendo.

Na primeira imagem vemos uma pesquisa de opinião perguntando às pessoas o que elas preferiam: a) ser peruano ou b) não ter as duas pernas. Não tem ninguém xingando peruano, mas o resultado fala por si. Você sabe que alguém tem ojeriza a você quando a pessoa preferia perder as duas pernas a ser você.

É aí que você percebe quando o argentino não gosta de alguém, não quando ele xinga. É como aquela história dos dois amigos que se encontram na rua, se xingam bastante, mas no fundo se gostam. O argentino xinga por uma raiva momentânea, que passa. E eu te asseguro que o argentino não prefere perder as suas pernas a ser brasileiro.

Na outra foto temos esta maravilhosa notícia:
“Morrem 11 pessoas e um peruano”

Novamente, não há xingamentos, não há ofensas, não há críticas. Apenas um desprezo intrínseco que transparece a ponto de os peruanos não serem incluídos no rol de seres humanos com a maior naturalidade do mundo. É o tipo de coisa que, se bobear, quem fala ou escreve nem percebe. A intenção não é esculachar, o esculacho apenas transbordou e se tornou aparente de forma orgânica.

Esse é o não gostar do argentino. O tratar de forma inferior sem nem perceber. O xingamento direito é raiva, é birra, é rivalidade.

Espero que a coluna de hoje tenha colocado ao menos um sorriso no seu rosto e te ajudado a entender melhor esse povo que está invadindo o Brasil nas férias. Também espero que nenhum peruano leia isso, pois foi rude demais.

Mês que vem tem mais conteúdo sobre argentinos!


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