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A nova prostituição.

A nova prostituição.

| Sally | | 18 comentários em A nova prostituição.

Estamos muito acostumados a ver o termo “prostituição” como sendo sinônimo sexo pago. Provavelmente pelo fato de que, quando o termo foi cunhado, essa era a principal troca envolvendo material humano e dinheiro.

Mas, os tempos mudaram e hoje existem muitas outras formas de prostituição, que são camufladas, negadas e renomeadas de forma a que não sejam malvistas socialmente. Mas também fazem mal, também implicam em um grau enorme de sujeição e violência para consigo mesmo e em algum nível de indignidade.

Este texto não é para julgar quem o faz, é para ajudar a perceber que o faz e para ajudar a perceber o mal que isso causa. Tendemos a medir o grau de dano que algo nos provoca pelo quanto aquilo é socialmente reprovado, mas, em uma sociedade doente, com mais pessoas usando remédio controlado do que não usando, esse critério deixa de ser confiável.

Há muitos comportamentos socialmente tolerados ou até aplaudidos que são sim extremamente nocivos para as pessoas e elas sequer se dão conta disso. Tem muita gente por aí sem entender por que não cresce na profissão, por que sente um enorme vazio, por que sente insônia, por que sente ansiedade, por que não se sente feliz e muito mais. Na cabeça da pessoa, ela não faz nada “errado”, afinal, tudo que ela faz tem aval social. Pois é, às vezes, mesmo com aval social, um comportamento pode ser muito nocivo.

Hora de expandir o conceito para adequá-lo aos novos tempos: Prostituição é comercializar a si mesmo, não apenas em troca de dinheiro, como também de algum benefício. A parte de ter ato sexual envolvido já caiu por terra com todos os zilhões de atividades online, nas quais nenhum dos envolvidos se conhece, se vê ou se toca. A prostituição, hoje, pode ser da vida, da intimidade, do relacionamento, da família, da ideologia e de muito mais.

Vamos partir da forma mais tradicional: sexo em troca de dinheiro. A prostituição não tem essa carga social negativa à toa, é de fato algo que faz mal à alma. Não por moralismo, mas por tolher algumas das coisas mais sagradas para nosso bem-estar: direito de escolha, liberdade, verdade, privacidade e integridade. Fazer sexo com uma pessoa pela qual não se sente atração, ter que esconder que isso é repulsivo, ter que fingir, mentir, tudo isso faz mal à alma, corrói a integridade.

Novamente, sem moralismos: para mim, íntegra é a pessoa que consegue alinhar o que sente, o que pensa, o que diz e o que faz. Quando você se prostituí, seja de que forma for (mesmo que seja não-sexual), um ou mais de um desses quatro itens será sacrificado.

Prostituição implica agradar outras pessoas, e quase nunca se consegue isso usando a verdade, infelizmente. A sociedade atual não quer verdade. Igualmente, não há liberdade quando a meta é agradar os outros. Também não há privacidade, pois o que a sociedade mais adora é revirar as entranhas da vida alheia.

Dito isto, quero te fazer um convite a uma reflexão, não apenas agora, mas várias vezes por dia na sua vida. Mas, esta reflexão só terá validade se você puder ser absolutamente sincero com você mesmo, já que certamente existirão estratégias para você faltar com a verdade na sua resposta e não se sentir tão mal. Todos os dias, antes de postar qualquer coisa em redes sociais, se pergunte: “Por que eu estou postando isso? O que me move a postar isso?”.

Vou ilustrar meu ponto com três exemplos de prostituição não-sexual, mas existem muitos outros. Vamos lá.

Pessoas que postam anúncio de Tigrinho, por exemplo, estão se prostituindo, estão prostituindo sua credibilidade em nome de dinheiro. É de conhecimento público que bets buscam em qualquer influencer, do maior ao menor, pessoas que convençam seus seguidores que vai ser bom apostar, que vão ganhar dinheiro com isso, que, como anunciava Felipe Neto, é uma “forma de complementar a renda”.

Faz mal. Primeiro porque você desgraça a vida de um monte de gente e isso nunca traz coisa boa. A pessoa que divulga bet é como um traficante: apresenta algo que vicia a pessoas vulneráveis. E algumas delas ficarão viciadas. Apostas são questão de saúde pública, arruínam famílias, causam danos à economia do país. Não é problema de cada um, podem criar uma bolha financeira que pode desgraçar todo mundo.

Também faz mal por detonar sua integridade: o que a pessoa pensa e sente não está de mãos dadas com o que ela fala e faz. Certamente quem anuncia bet não usa bet como forma de complementar renda e nessa altura não tem como a pessoa não saber que, para que o negócio se mantenha viável, a banca tem que ganhar quase sempre, ou seja, seu público vai perder dinheiro.

As pessoas sabem. Gostam de fingir que não, gostam de dizer que “aposta quem quer”, mas em algum lugar da mente, elas sabem que sua divulgação incentiva os outros a apostarem. E por mais que soterrem isso com toneladas de desculpas para tentar torná-lo socialmente aceitável, em algum ponto inconsciente, esse culpa faz um ninho, cresce e dá filhotes. Aí vem o vazio, a ansiedade, a insônia, a depressão e muito mais. Paga-se com a alma.

Pessoas que evadem sua privacidade mostrando sua casa, seus filhos, sua rotina, o que comeram, sua ida à academia, estão prostituindo sua intimidade. E este provavelmente é o grupo que mais resistência tem em perceber que não deixa de ser uma forma moderna de prostituição, pois muita gente o faz, dando uma falsa aura de normalidade.

Sabemos que cada um tem um conceito do que considera privado ou não e tá tudo certo. Mas que tal a gente estabelecer alguns parâmetros, para não se deixar enganar? O oposto de privado, é público. Logo, tudo que não é público é privado (não existe mais ou menos público). E quando você posta coisas em redes sociais, elas são públicas, por mais privadas que você pense que suas redes são, o conteúdo pode vazar de infinitas maneiras.

Se o oposto de privado é público, então, tudo que você posta tem que estar na categoria de “público”, ou seja, coisas que você faria em praça pública, na frente de uma freira, de uma criança e de um mendigo. Coisas que você faria que poderiam ser exibidas no Jornal Nacional sem causar qualquer constrangimento a seus filhos, aos seus pais ou a seus avós. Coisas que você faria dentro de uma igreja, dentro de um shopping ou dentro do transporte público. Tudo que você posta se enquadra nessa categoria?

Só aqui, rapidamente, eu consigo pensar em diversas postagens recorrentes que não. Gente reclamando do parceiro, de problemas pessoais, do trabalho. Gente mostrando outra pessoa dormindo, mostrando os erros que o parceiro(a) comete. Você berraria em praça pública qual é o seu salário? O que comprou? O que comeu? Não, né? Não faz o menor sentido. Redes sociais, meus amigos, são a praça pública moderna.

A partir do momento em que a pessoa se convence que só é privacidade/intimidade cagar e fazer sexo, ela expõe basicamente tudo da sua vida online e perde cada vez mais o filtro do que faz. Esse é um dos grandes problemas de redes sociais: é preciso escalar, sempre. O que você posta hoje se torna monótono depois de um tempo, então, é preciso postar mais, subir mais um degrau, para continuar recebendo atenção.

Daí surgem esses desafios imbecis estilo cheirar pimenta, lamber um prego enferrujado ou enfiar um baiacu vivo no fiofó. São as pessoas desesperadas por atenção. E, como dissemos lá no começo do texto, não precisa ter dinheiro envolvido para ser prostituição, pode ser algum benefício também, como status, seguidores, validação, atenção.

Então, gente que mostra sua vida em redes sociais está prostituindo sua intimidade e, por mais que encontre mil justificativas (a mais comum é dizer que eu sou fresca ou maluca), o dano que isso causa está aí. Remedinho controlado, ansiedade, síndrome do pânico, depressão, estresse, vazio, sensação de que algo falta, insônia, exaurimento. Gente… esses sintomas não vêm de graça nem do nada, se estão aparecendo, tem algo na sua vida que os está gerando.

Primeiro pela demanda insana que é ter que transformar sua vida em postagem. Sejamos sinceros, ninguém tem uma vida real tão interessante que entretenha seus seguidores todos os dias, muito menos as pessoas que costumam evadir sua privacidade.

Então, para conseguir audiência, a pessoa inventa, aumenta, maquia a própria vida, é lá se vai a integridade novamente. Se cuidar de uma vida só já é cansativo, imagina ter que administrar duas: a vida real e a vida contada em rede social. Pior ainda quando a vida de rede social acaba se tornando melhor do que a vida real, imagina a tortura de ter que voltar para a vida real todo dia. Talvez por isso tanta gente escolha passar a maior parte do seu tempo em redes sociais, lá sua vida é do jeito que a pessoa gostaria que a vida real fosse.

Em todo caso, quando se compromete a verdade (em algum lugar a pessoa sabe que está mentindo), a liberdade (a pessoa não pode postar o que quer, certas coisas não se postam para não perder seguidor, outras precisam ser inventadas para atrair a audiência e… a pessoa não pode parar de postar!) e a integridade, a alma perece. E a pior parte é: quase nunca é por dinheiro, quase sempre é uma busca desesperada por atenção, validação e elogios. É muito triste.

As novas formas de prostituição podem chegar a patamares assustadoramente baixos. Nessa categoria, cito como exemplo as meninas que aceitam sair com homens para jantar ou lanchar, mesmo cientes de que não querem nada com eles, e depois ainda postam numa vibe de “hi hi levei vantagem”. Isso vem sendo mais comum do que a gente imagina.

Não consigo pensar em nada mais triste do que prostituir seu tempo e sua presença em troca de um prato de comida e ainda achar que isso é motivo para se gabar. O autoconceito de quem faz uma coisa essas está muito, mas muito baixo. Primeiro por acha que é de alguma forma admirável enganar o outro, segundo que… por comida? A pessoa vale tão pouco?

Alardear que saiu com uma pessoa com a qual não tinha interesse para conseguir qualquer benefício já me parece autodepreciativo e infantil, mas contar que o benefício era um prato de comida, para mim, é o fundo do poço. “Ah mas eu não fiquei com ele”. Deu sua presença e seu tempo. Em troca de um prato de comida. Se eu tivesse uma filha e ela fizesse isso, ia para terapia na mesma hora.

Enfim, meus queridos, existem inúmeras formas de prostituição além dessas. Basicamente tudo que temos pode ser prostituído, não é só sobre corpo e sexo: nossa opinião (pessoas pagas para defender político X ou Y até a morte), nosso relacionamento (postar vídeo ridicularizando o marido por ele não saber escolher uma fruta no mercado), nosso lazer (passar uma viagem com o celular na mão filmando tudo que faz) e muito mais. É sagrado direito seu fazer mas… saiba que tem um preço pago com algo da sua saúde mental.

Por mais que, racionalmente, a pessoas que prostituí algo na sua vida não veja problema, isso faz mal. E cedo ou tarde, as consequências chegam no emocional, no psicológico é até no físico. Então, este texto não é para te julgar e sim para te informar que, por mais que a maioria das pessoas tenha certeza de que não, essa conta existe e essa conta chega. Não prostitua nenhum aspecto da sua vida.

Viva o agora, com verdade, com integridade, focando em você e nas pessoas que são importantes para você (família e amigos), não em seguidores. É um exercício de resgate de si mesmo focar sua vida no que você tem vontade e não no que é mais instagramável. É tentador querer viver uma vida perfeita construída em rede social mas… faz mal. O foco tem que ser na vida real e é ela quem precisa ser aprimorada, por mais difícil que seja.

Não prostitua nenhum aspecto da sua vida, pelo bem da sua saúde mental. Comece se vigiando em redes sociais. Antes de postar qualquer coisa, se pergunte: “para que eu estou postando isso?”. Se for em troca de aprovação, atenção, dinheiro, validação ou elogios, faça um favor a você mesmo e não poste.

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