Sally e Somir são seres ciumentos. Embora demonstrem de forma um tanto quanto diferente, não é sobre o valor do ciúme que trata-se hoje.
Nesta coluna vamos à raiz da questão: O que se depreende a partir de uma demonstração deste comportamento. Ela acha que é prova de amor, ele acha que é prova de… ciúme.
Tema de hoje: Ciúme é uma prova de amor?
SOMIR
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. E não me entendam mal, acho que o ciúme pode e deve fazer parte de uma relação amorosa. Tenho horror desse papinho hippie de que quem ama de verdade não sente ciúmes. Cada um que defina o que considera uma demonstração inegável de afeto…
Só que meu papel aqui não é apenas dizer no que eu acredito, existe um mundo de pessoas ao nosso redor que farão questão de discordar da idéia de que o ciúme está intimamente ligado com a noção de amor. De forma consciente ou não.
Ciúme é uma demonstração de possessividade. Simples assim. Toda a carga (costumeiramente negativa) de significados extras em cima disso não passa de “invenção”. Pode-se ter ciúmes da mulher da sua vida, do seu animal de estimação, de um carro… O simples fato de não estar disposto a dividir com outras pessoas não significa que todas elas tenham o mesmo valor para você. (O carro vai continuar sendo a prioridade, claro.)
É uma manifestação de egoísmo. Egoísmo que é tão natural quanto socialmente reprovável para as pessoas em geral. E já que a forma mais preguiçosa de lidar com um problema é fingir que ele não existe, dá-lhe disfarçar ciúme de tudo quanto é jeito que pareça mais nobre para os outros.
Disfarçar positivamente (como a Sally, dizendo que é amor) e negativamente (como a maioria faz, dizendo que é insegurança e só acontece com os outros).
Mas a realidade tem essa mania de cagar e andar para as mentirinhas que contamos para nós mesmos todos os dias. Tanto que vira e mexe tem gente completamente perdida com o ciúme que sente, não conseguindo precisar o seu significado e se martirizando com a errônea idéia de que é um monstro sem controle.
Pois bem, vamos repetir para ver se entra na cabeça de vez: Ciúme é possessividade. Acabou. E possessividade passa longe de ser algo tão ruim assim: Como a maioria das coisas nessa vida, faz mal em doses exageradas.
Não quer dividir algo (ou alguém)? Oras, é direito seu se você conseguir lidar com as consequências. É até útil para a humanidade. Se todo mundo dividisse tudo, as melhores opções seriam utilizadas até o limite, e o resto seria completamente abandonado. Onde ficaria o esforço pessoal para conseguir algo só seu? Ninguém evolui assim.
É libertador assumir o seu egoísmo. Até porque possíveis inimigos devem ser vigiados constantemente. Sem essa frescura de achar que é sempre algo ruim, fica mais simples definir quando é hora de se impor e quando é hora de ser magnânimo.
E quando eu limito o significado do ciúme dessa forma, não estou afastando-o de vez de um eventual amor. Além de ciúme de um amor, existem também ciúme sem amor e amor sem ciúme.
Muitas vezes numa relação rasa ou problemática uma pessoa pode se sentir mal por ver a outra demonstrando interesse em um terceiro. De um ponto de vista masculino, tende a ser simples demarcação de território. Cria-se a situação onde tal pessoa já está definida como “sua” e incomoda ver outro tentando entrar “nos seus domínios”. O problema nem é perder aquela pessoa, é a sensação de que outro ganhou o que você estava protegendo.
Tem ciúme que se desenvolve a partir de insegurança, claro. Mas a insegurança estaria ali com ou sem demonstrações de ciúme. É apenas uma das formas de demonstrar que na verdade só tem medo de ficar sozinho. Tem quem aja de forma ciumenta, tem quem se anule, tem quem dê golpe da barriga…
E não podemos nos esquecer dos malucos que REALMENTE amam e não sentem nem sinal de ciúme. Chamo de malucos porque simplesmente não consigo pensar de forma parecida (e olha que eu tenho talento para me colocar no lugar de alguém, embora dificilmente verbalize minha compreensão), mas respeito como uma forma diferente de ver o mundo. Devem ficar menos estressados.
E sim, ciúme pode ser uma medida de interesse amoroso, mas não PRECISA ser. Considerando que quase todo mundo chama qualquer trepada de amor hoje em dia, a tendência é que na maioria avassaladora dos casos seja só o extravasamento da possessividade (por motivos diversos, como os dos exemplos anteriores…).
Eu sempre medi amor numa escala de comprometimento. Não estou falando de símbolos babacas como alianças ou papéis de casamento, refiro-me às provas práticas de que se está disposto a bancar sua escolha: Estar lá na hora da necessidade, confiança, cumplicidade, interesse honesto no bem estar do outro… assim como tantas outras coisas que podem acontecer no dia-a-dia. (como engolir, mulherada…)
Demonstrar possessividade pode fazer parte, desde que com a idéia certa por trás: A pessoa te considera uma escolha tão certa que está realmente disposta a provar que está atenta a ativa na “defesa do território”. Sem contar que é divertido ver alguns ataques de ciúme não-provocados. (Desconfiança que é a merda…)
Se é prova de interesse continuado, pode até combinar com sua idéia de amor, mas mesmo assim… Não é o ciúme em si. Menos romantismo, mas honestidade.
“Amor é uma coisa egoísta” – Bender
Para dizer que morre de ciúme do desfavor e não passa o link pra ninguém, para me irritar dizendo que “concorda com os dois”, ou mesmo para reclamar que não aguenta mais concordar comigo (somos dois): somir@desfavor.com
SALLY
Eu acho que sentir ciumes é sim uma prova de amor. Não é a única prova de amor que existe, é apenas mais uma prova de que a pessoa te ama, gosta de você e se importa. Imagino que as feministas estejam torcendo o nariz para mim neste exato momento, mas um dos termômetros para saber o quanto a pessoa ainda se importa com você é sim o ciume.
Ciume vem sendo muito vilanizado ultimamente. Bobagem. O que acontece é que as pessoas confundem ciúmes com desconfiança, possessividade e insegurança. Ciúme virou eufemismo para isso, porque neguinho se sente muito mais confortável dizendo “tenho ciúme de você” do que dizendo “eu desconfio que você seja uma baita duma piranha que está dando mole para aquele sujeito”. Ofende menos. Além disso, quando se pensa em ciúmes, se pensa em reações exageradas e descontroladas, como se não fosse possível sentir um ciúme normal.
Vamos esclarecer meu conceito de ciúmes, para que a gente possa partir para o argumento principal:
– Namorado e Namorada em uma festa. Namorada se portando de forma correta e exemplar. Pessoa tentando flertar com Namorada, não sendo correspondido. Namorado chateado por ver aquilo = ciúmes. Namorado sabe que Namorada não fez nada para incentivar ou corresponder, mas fica chateado com a situação e com o babaca que está dando em cima da sua mulher, mesmo tenho a certeza absoluta de que ela não esteja correspondendo.
– Namorado e Namorada em uma festa. Namorada com roupa ousada distribuindo sorrisos e dançando com outros homens. Homem fala algo no ouvido da Namorada e ela ri apoiada no ombro dele. Namorado fica chateado ao ver a cena = desconfiança. A namorada está dando motivos para que ele pense que, de alguma forma, ela está gostando ou consentindo o flerte. Isso não é ciúmes, é desconfiança. Desconfiança é uma merda para a relação.
– Namorado e Namorada em uma festa. Namorada passa a festa toda dando atenção apenas às suas amigas. Fica em uma rodinha de mulheres fofocando e rindo a noite toda e mal olha para a cara do namorado quando ele fala com ela. Namorado fica puto por estar sendo preterido = possessividade. Não é ciumes, não há receio de perder a pessoa amada, apenas se quer atenção naquele momento.
– Namorado e Namorada em uma festa. Namorada dança de forma a atrair a atenção. Ninguém olha de forma maldosa, porém ela chama a atenção dos presentes. Namorado fica chateado porque a Namorada está no centro dos holofotes = insegurança. Não há “ameaça”, não há falta de respeito, apenas o temor de que a Namorada se destaque tanto que ofusque ou faça parecer que o Namorado é menos do que ela.
Um exemplo que eu costumo usar quando falo de ciúmes, o legítimo, para provar que ele está desvinculado ao temor de perder a pessoa: se um rapaz der em cima do meu namorado, eu sentirei ciúmes. Mesmo sabendo que meu namorado não é gay e que ele não terá a menor intenção de retribuir, eu sentirei ciúmes, porque estão mexendo com uma pessoa que eu amo. Ciúme pode estar completamente dissociado de desconfiança, insegurança e possessividade. O fato de alguém dar em cima do seu namorado, por si só, basta para gerar aborrecimento, para incomodar – ainda que se tenha a certeza de que não será correspondido.
Por mais que se diga que a origem do ciúme é o medo de perder a pessoa, este medo está em abstrato. Quando alguém flerta com seu namorado se você tem dúvidas de que ele está correspondendo ou que você vá ser trocada, está na hora de dar um pé na bunda dessa pessoa, porque você não confia nele. Porém se o medo é que, com a atenção daquela pessoa ele possa, quem sabe, um dia, vir a se interessar, neste caso sim poderia ser considerado ciúme. E mesmo que se tenha a certeza que a pessoa nunca vai se interessar, o simples fato de ter alguém mexendo com o seu amor basta para despertar ciúmes.
Vamos ao argumento principal: se você efetivamente gosta de alguém e se importa com essa pessoa, se importa quando alguém age de forma inconveniente, flertando ou com excesso de intimidade. Não tem dessa que se Fulaninho te ama ele nunca vai se interessar por mais ninguém, isso é um pensamento romântico/babaca/idiota e é por causa dele que tanta gente leva chifre. Acidentes acontecem, cuide bem do seu amor e as chances de um acidente acontecer será menor. Mais: a quantidade e intensidade do ciúme costuma ser proporcional ao amor que se sente pela pessoa. Quanto mais você se importa, mais ciúme sente.
E vamos esclarecer mais uma coisa: SENTIR ciúmes não se confunde com VERBALIZAR ciúmes. A pessoa pode se rasgar toda de ciúmes calada (raça que eu desprezo profundamente). SENTIR ciúmes é prova de amor, seja ele verbalizado ou não. Quem ama pode evitar de externar o ciúme, mas não de senti-lo. Se a pessoa não SENTE ciúmes de você, desculpe, mas é muito provável que esteja apenas acomodada ao seu lado e que não te ame.
Outro ponto importante: ciúme não implica em briga, gritaria, ofensa e bate-boca. A pessoa pode sentir ciúmes e não necessariamente brigar por isso. Até porque, na maior parte dos casos de CIÚME a razão do seu afeto não tem culpa do que está acontecendo. Então, não é necessário briga para provar o amor. Basta o SENTIR ciúme. Uma última consideração: ciúme não precisa ser exagerado, desmedido ou excessivo.
Ciúme é uma forma de cuidado com a pessoa que se ama. É uma forma de estar alerta, de ter consciência que seu parceiro não está definitivamente garantido, ou seja, de que é necessário cultivar a relação e trazê-lo sempre para o seu lado. Pessoas que se relacionam nesse clima de “já ganhei, já é meu para sempre” ou ainda “se for amor de verdade, ele nunca vai se interessar por mais ninguém” não costumam sentir ciúmes, pois não tem medo de perder – e sempre se ferram no final das contas.
Viver a vida com medo é uma merda. Porém, viver a vida sem medo também. Uma dose saudável de medo nos protege, nos impede de entrar em situações que representam um risco significativo para a nossa vida, o que acaba por contribuir para uma vida mais longa. O mesmo acontece com o ciúme. Muitas vezes ele impede que um relacionamento seja colocado em risco de forma desnecessária. E sim, isso é prova de amor. Quem arrisca seu relacionamento está dizendo, em outras palavras, que não lhe dá muita importância.
Normal que a Madame aqui de cima não dê valor a ciúmes. Ele se acha tão “a última bolacha do pacote” que jamais consideraria a possibilidade de uma mulher trocá-lo por outro ou se interessar por outro. E se ela o fizesse, seria uma burra (arrogância? oi?). Excesso de confiança. Eu sou mais humilde, acho que ninguém está garantido e que temos sempre que cuidar da pessoa que está ao nosso lado. Não por desconfiança e sim por amor.
Tem prova de amor maior do que cuidar do seu relacionamento e da pessoa amada?