Hoje um sabor diferente no desfavor. Quando surgiu o assunto de comer algo que não se gosta numa ocasião social, não foi o rebelde sem causa do blog que se opôs à convenção. E agora são vocês, companheiros de mesa, que vão temperar esta discussão. E sem mais analogias toscas…
Tema de hoje: É justificável comer uma comida que você não gosta por obrigação social?
SOMIR
Sim. E vamos deixar claro que não estamos discutindo sobre comidas extremamente alheias ao nosso dia-a-dia, nem mesmo aquelas que podem te causar algum problema de saúde. É questão de gosto mesmo.
A aceitação ou rejeição de pratos, elementos ou temperos da culinária mais tradicional é basicamente questão de costume e amadurecimento do paladar. Poucas crianças gostam de cebola, alho e pimenta; mas muitos adultos fazem questão. Aposto que todo mundo aqui deve ter algum exemplo de algo que não suportava na infância e comeria numa boa hoje em dia. (Tem uma piada com a Sandy em algum lugar aqui…)
Estou mencionando isso porque no fundo sabemos que não vamos morrer se comermos algo fora de nossas preferências. Já passamos algumas vezes pela experiência de encarar comidas detestadas e estamos todos aqui. Além disso, sinto informar que esses gostos são puramente psicológicos: As decisões sobre o que nos agrada ou não são tomadas pela língua. Até por isso pessoas praticamente iguais (irmãos, por exemplo) podem ter gostos diferentes para comida.
Se as pessoas não largassem de frescura em determinado momento da vida, todo o mercado alimentício do mundo seria composto de miojo e salsicha de frango (com tempero suave). As pessoas vão se adaptando e adquirindo novos hábitos para conviver melhor.
Não é racional esperar que o mundo se curve às suas vontades sem oferecer nada em troca. E é justamente aí que minha CARA escorrega: Sem o menor treinamento para ser antissocial, ela tenta justificar sua teimosia botando a culpa nos outros. Quer ser aquela pessoa que faz cara feia na mesa e diz que não come o que o anfitrião passou horas cozinhando? Direito seu, mas aceite que vão te achar uma mala-sem-alça e a culpa É sua. Ser do contra é uma escolha, e escolhas tem consequências.
O ato de servir comida é uma ferramenta social das mais antigas da raça humana. Bobagem achar que não vai causar um mal estar, já que está no inconsciente coletivo que oferecer uma refeição é um gesto de boa vontade. Talvez a pessoa não externe sua decepção ou ofensa com sua recusa, mas algum resquício disso vai ficar. Você vai ser a pessoa que fez a “desfeita”. Parece uma bobagem, mas o poder psicológico da refeição em conjunto é muito grande, justamente por estar tão arraigado no que entendemos por socialização.
Tudo bem que a pessoa precisa ser meio babaca para guardar mágoa de você por causa disso, mas vocês já se esqueceram que a maioria acachapante das pessoas É meio babaca? Vivemos num mundo de pessoas com extrema dificuldade de racionalizar e contextualizar. Algumas delas tem poder sobre você, inclusive.
E não podemos ignorar que um dos maiores passatempos humanos é falar de outras pessoas. Quem se recusa a comer o que todo mundo está comendo numa boa fatalmente vai virar assunto quando não estiver mais por perto. Por simples falta de assunto melhor, vão discorrer sobre sua frescura. Isso impacta a imagem que os participantes da conversa terão sobre você a partir daquele momento.
Pouca gente vai efetivamente te odiar a partir daquele momento, mas não é uma boa forma de ser registrado na memória alheia. Ainda mais com essa babaquice generalizada de “ser humilde” em voga, você vai estar ligando sua imagem com frescura, e pior, muito pior… soberba. A comida que te ofereceram não era “boa o suficiente” para você. Quer conviver apenas com pessoas racionais? Azar o seu. Não adianta nem nascer de novo.
Pode parecer contraditório que justo eu esteja pregando aceitar uma convenção social de gente tonta para conviver melhor, mas cada caso é um caso. Se a sua contraparte é um esforço razoável, faz sentido colher as vantagens.
E qual o sacrifício exigido de quem não quer pisar nesse campo minado de relações? Comer uma comida que você não gosta. Sério que é tão impensável assim? Por mais que você queira fazer drama em cima disso, é uma banalidade.
Ainda é uma questão de custo e benefício. Imagine que você está visitando a casa dos pais de sua namorada pela primeira vez. Na mesa um prato que você não costuma encarar, mas que sabe que dá um puta de um trabalho para fazer… ISSO É HORA DE SER FRESCO? Sério. Se vai dizer que não come, já aproveita para passar a mão na bunda da véia e mijar no vaso da planta na sala! Mi, mi, mi. Come, sorri e diz que estava uma delícia. E se rolar de novo nas próximas visitas, come de novo, sorria de novo e diga que estava uma delícia de novo. Do jeito que o cérebro funciona, você vai acabar gostando mesmo. (Ou tendo uma boa desculpa para convencer a namorada a não te levar mais para a casa dos pais dela… o que também é uma vitória!)
Tá achando que o sentido da vida das outras pessoas é adivinhar seus pensamentos e se adaptar às suas vontades? Às vezes vale mais reconhecer o esforço alheio para te agradar do que realmente ser agradado. Imagine então que seu chefe te convida para almoçar? Na cabeça dele, ele está te valorizando. Por mais que o desgraçado peça para os dois aquela feijoada “típica de pobre” com um porco inteiro boiando dentro, não é um ato hostil. Fazer doce e dizer que Vossa Majestade não come aquilo vai macular o momento. E aquela promoção pode estar apenas dependendo de com quem ele vai mais com a cara.
Relações interpessoais dependem demais dessas sutilezas. Não ter frescura com comida traça paralelos (mesmo que inconscientes) com maleabilidade, mente aberta, pés no chão e coragem. E é comum que essas noções sejam positivas para você.
O mais importante aqui é que comer uma comida de que não gosta não te exige mudança de personalidade ou subserviência eterna. É um ato. Adoraria fazer SÓ o que eu quero, juro que tento, mas nem sempre é possível. Tem coisa que dá tanto trabalho para esclarecer (sem nenhuma obrigação de conseguir) que o melhor é jogar o jogo social médio.
Tá no inferno? Abraça o capeta.
Para dizer que vai me convidar para uma buchada na sua casa, para dizer que mulher não entende essa coisa de comer qualquer porcaria, ou mesmo para pagar de analfabeto funcional e mencionar suas alergias: somir@desfavor.com
SALLY
NÃO! Comer uma coisa que gente não gosta é de uma violência terrível. Não há a menor necessidade de se sujeitar a isso. Por acaso você é obrigado a gostar de tudo? Por acaso o fato detestar determinado prato quer dizer que você deteste também quem o preparou?
Logicamente estamos falando de comida normal. Ninguém pode esperar servir olho de cabra e criar uma imposição social de degustação. O problema é que para muitos de nós alguns pratos normais e comuns despertam a mesma náusea de um olho de cabra. Vai dizer que não tem nenhum alimento ou tempero que você não suporte a ponto de dar ânsia de vomito se você se forçar a comer um prato cheio?
Um bom anfitrião pergunta antes de preparar um jantar. Um bom anfitrião se não pergunta, faz mais de uma opção como prato principal. A culpa não é sua se um compromisso gastronômico for um fracasso e sim de quem o organizou. Como eu disse, não gostar da comida não significa não gostar de quem preparou a comida. Quão insegura uma pessoa tem que ser para se aborrecer porque você não quer comer o que ela preparou? Muito. Por causa da insegurança alheia você vai se violentar e enfiar goela adentro uma coisa que não suporta? Espero que não. Eu não faço isso comigo mesma, eu me amo demais para fazer uma porra dessas.
Sem contar que mesmo que se tente, nem sempre dá certo. Dependendo do grau de repulsa que você tem pela comida, periga até mesmo acabar vomitando. Isto sim seria um tanto quanto ofensivo. Vamos combinar que de um jeito ou de outro a pessoa percebe que você está comendo com esforço: cai uma lágrima aqui, outra ali, você se entope de líquido depois de uma garfada, você empurra a comida com pão, enfim, ninguém é tão bom ator a ponto de comer um prato cheio de algo que detesta sem dar ao menos alguns sinais. O corpo fala!
Não importa quem você esteja querendo agradar: chefe, sogra, namorada(o), amigos… com certeza será muito mais justo com a pessoa se você não comer. Já pensou se um dia se descobre que você detestava aquilo? Já pensou a vergonha que descubram que você foi inseguro o bastante para empurrar da boca pra dentro um negócio que abominava? Mais: se você comer fica escravo para sempre e periga a pessoa fazer este mesmo prato para você em outras ocasiões. Mentira é uma bola de neve. Uma vez uma amiga comeu escargot na casa do chefe morrendo de nojo mas fingiu que gostou e elogiou. Dali para frente, em todos os almoços de negócios que eles faziam o chefe fazia questão de pedir escargot porque achava que ela gostava muito. Ela teve que comer essas lesmas diversas vezes para sustentar a primeira mentira. Vai achando que isso não vai acontecer com você! Deus é sádico, caso vocês ainda não tenham percebido.
Supondo que você esteja sendo convidada por um psicopata inseguro que vai te odiar e te prejudicar caso você diga que não gosta da comida dele. Supondo que você sabe que algo de muito ruim vai te acontecer, como perder o emprego ou o namoro se disser que não gosta daquela comida (o que não seria de todo ruim, já que trabalhar ou namorar com alguém de cabeça tão fodida não pode ser uma boa coisa). Ainda assim, existem formas inteligentes de escapar do prato indesejado. Até mesmo uma mentira é mais aceitável do que se obrigar a comer algo que não quer.
Você pode, por exemplo, dizer que tem alergia a aquilo ou a algum dos ingredientes daquilo. Quem vai te desmentir? Mente mesmo: “Ahhhh que penaaaa… A-DO-RO buchada, acho de super bom gosto servir para as visitas rins, fígado e vísceras de bode cozidos dentro do próprio estômago do animal, PENA QUE SOU ALÉRGICA. Menina, nem te conto, fico toda empolada, a garganta fecha, uma tristeza”. Pronto! Alergia é um fator que foge à sua vontade, ninguém vai ficar chateado por causa de uma coisa inevitável. Mas, cá entre nós, sério que você tem medo que a pessoa fique puta com você? Quem fez esse prato é que deveria ter medo que as visitas saiam putas da vida da casa! Mas esse povo regional adora prestigiar as raízes e acha que o Brasil todo tem que adorar a comida da sua terra.
Alergia é apenas uma entre muitas sugestões. Pode dizer que está de dieta, que é diabético, que está com colesterol ou triglicerídeos muito elevados e o médico proibiu ou qualquer outra desculpa que se adéque ao prato que estão te oferecendo. É auto-preservação. Porque passar um mau momento para não causar um sofrimento justificável a um ente querido tudo bem, mas passar um mau momento por causa da loucura alheia é baixa auto-estima. Não gostar de um prato não é crime nem falta de respeito com o anfitrião. Quem sabe receber pergunta previamente sobre o menu.
Na pior das hipóteses, joga a comida pela janela (verificando se o vidro está aberto, claro), dá pro cachorro por baixo da mesa, joga no vaso de plantas, bota dentro da bolsa, faz O QUE FOR PRECISO, mas não coma. Existem mil soluções alternativas, não tem necessidade de se sujeitar a esse sofrimento.
Talvez a Madame aqui de cima não entenda o sofrimento que é porque ele é praticamente um triturador de lixo ambulante que come qualquer merda sem sacrifício. Ele matou todas as papilas gustativas com um mix de cigarro e Coca-Cola, a ponto de algumas vezes nem conseguir distinguir frango de peixe. Assim é fácil comer qualquer merda sem achar que isso é um grande esforço.
Para nós, seres humanos que mastigamos pelo menos três vezes a comida antes de engolir e que conseguimos sentir seu sabor, pode ser um verdadeiro tormento ter que comer algo que nos é repulsivo, sobretudo quando isto não é repulsivo para o resto da sociedade. As pessoas não entendem como você pode não gostar de uma coisa que todo mundo gosta e não respeitam. Defenda-se desta violência gastronômica! Imponha-se e não coma ou minta descaradamente e fique rindo por dentro!
Não há necessidade de comer uma coisa que a gente detesta. Não se justifica comer alguma coisa que a gente não suporta. Sujeitar-se a uma violência desnecessária é coisa de gente que não se ama. E é humilhante.