eu quaaaase usei a foto do gordinho de novo...Não estou deprimida, não quero morrer nem estou dando sinais truncados para pedir ajuda. Esta é a Semana Mórbida e temos que tratar de assuntos mórbidos. Como já falamos em eutanásia e em outros temas polêmicos que envolvem morte, fiquei pensando em algo diferente para escrever. Foi quando surgiu a idéia de falar sobre o meu velório. São apenas idéias, que podem ou não ser colocadas em prática. Nada do tipo “voltarei para puxar seu pé se você não fizer”. Não custa informar o que me agradaria e o que me desagradaria, né? Em última instancia, isso não vai fazer muita diferença mesmo, afinal, estarei morta. Façam aquilo que mais trouxer conforto.

Tem coisa mais horrenda, deprimente e bizarra do que um velório? Acho aquilo um HORROR. Por mim, nem velório teria quando eu morresse. Mas os psicólogos dizem que é necessário para elaborar a perda, etc etc. Vão acabar fazendo um velório mesmo, então, pelo menos deixo aqui as instruções para que não seja TÃO escroto.

Primeira coisa: Peço a meus amigos que cuidem de tudo para mim, porque minha família vai estar muito abalada para pensar em qualquer coisa, somos muito unidos. Meus familiares tem que ser meros convidados, não levem trabalho para eles, cuidem disso para mim.

Vamos aos detalhes: Sem flores. Porque aquele cheiro de morte misturado com o cheiro de flores é nojento por demais. Se querem disfarçar o cheiro de formol misturado com o cheiro do meu corpitcho em decomposição, usem outro recurso. Sei lá, espalhem aqueles trequinhos de banheiro que soltam spray cheiroso na sala do velório, peidem, joguem body mist Victoria´s Secret no ar… tudo menos flores.

E nem pensem em colocar flores por todo o meu caixão. É brega. Coloquem outra coisa. Me cubram com fotos minhas, com cartas de amigos, com bombom, com qualquer coisa que não sejam flores! Se colocarem bombom ou outros doces por favor certifiquem-se ao longo do velório que não dê formiga.

O velório tem que ser em um local com FUCKIN´ AR CONDICIONADO, cacete! Coisa de mau gosto aquela choradeira misturada com a suadeira! Gente, chorar cansa! Pessoas que choram suam. Tem que ter ar condicionado. É preferível um cheirinho de formol no recinto do que cheiro de cecê. Ainda mais no meu velório, onde vai ter um monte de gente que toma produtinhos de marombeiros que deixam os fluidos corporais com odores estranhos. Ar condicionado é essencial. E vê se tem estacionamento também, porque quanto menos trabalho der para os outros melhor.

Não quero algodão no nariz. Algodão no nariz é antiestético. Eu sei que ele é necessário para que o nosso recheio não escorra pelo nariz, mas porra, TEM QUE TER outro jeito! Um tampão de silicone transparente, qualquer coisa! E se não tiver, me enterra de bruços que eu passei a minha vida toda fazendo horas de quatro-apoios e isso não pode ser em vão. Se o rosto não for viável, pode colocar o popô para cima. Isso é o que eu chamo de Plano B.

Também gostaria de uma ante-sala com comidinhas. Nada de mais. Salgadinhos que pudessem ser comidos em uma única mordida, nada de prato e talher. E docinho, tem que ter docinho porque chocolate ameniza o sofrimento. Tudo bem que pessoas próximas provavelmente não terão vontade de comer, mas porra, vamos combinar que as pessoas próximas que realmente estão sofrendo intensamente são uma minoria nos velórios. Quero fazer este mimo para os infelizes que não se importam tanto assim comigo mas estão lá para dar uma força.

Bebidas sem álcool também são bem vindas. Com álcool não dá certo, neguinho quando bebe faz merda, podem acabar urinando no caixão. Podem servir água, refrigerante e um café também, que provavelmente vai ter uma penca de pessoas com sono. Espalha tudo em uma mesinha estilo coffee break em uma ante-sala ou na entrada. Mas faz um treco farto, para todo mundo poder comer sem constrangimentos, porque vai ter gente que vai passar muitas horas ali!

E quero banner com uma foto minha onde eu esteja muito gata em tamanho real, porque não quero que a última imagem que as pessoas tenham de mim seja aquela coisa pálida e inchada do caixão! Aliás, quero muita maquiagem. Principalmente nos olhos (pretos, por favor) e blush. Pode tacar blush sem dó, até me deixar parecendo o Pikachu. Quero chegar lá no andar de baixo pronta para a festa. E não precisa me enterrar com roupa não, que é desperdício. Minhas amigas podem ficar com as minhas roupas todinhas. Se não couberem nelas, podem fazer um bazar e vender tudo.

Vê se não gastam uma grana em um caixão caro. Tanto faz um caixão de ouro ou uma caixa de sapato, eu quero ser cremada mesmo! (e ainda que fosse enterrada, ele vai acabar se desfazendo…). Funerárias são grandes fdps, você compra o caixão ultra plus máster com espelho no teto e banheira de hidromassagem e na hora de cremar eles tiram o morto do caixão fodástico e o colocam em um caixão Tabajara qualquer e revendem o caixão bom. Não ousem gastar dinheiro em caixão! É desperdício. O morto não precisa mais de conforto, quem precisa são os vivos. Fico pau da vida com isso! Geralmente as acomodações dos locais onde são realizados os velórios são bancos duros de madeira super desconfortáveis enquanto o morto tá lá todo no acolchoadinho!

Também não quero bandeiras: bandeira da Argentina, do Brasil, do Flamengo… nada disso. Nem bandeira, nem camisa. A menos que patrocinem o velório, daí pode colocar até a bandeira da ONU.

Não quero nenhuma cerimônia em nenhum templo religioso, especialmente em igreja católica. Eu sei que as pessoas tem por tradição fazer essas missas de sétimo dia e etc, mas eu acho isso um pau no cu. Sabe, dependendo do dia da semana em que você morra, isso transtorna a vida de geral! Pessoas trabalham, tem família, tem compromissos. E eu não sou católica, seria hipócrita. Já basta obrigar as pessoas a irem ao velório, não vou ficar paunocuzando com missas a cada sete ou trinta dias. Se quiser organizem uma reunião, mas sem essa obrigatoriedade de se deslocar até uma igreja. Vamos combinar, nem batizada eu fui, não tem nada a ver fazer missa para mim.

Sem música no velório. Sem coral cantando, sem nenhuma dessas coisas bregas. E se quiserem botar música, que seja axé. Mas vai ficar terrível. Realiza neguinho chorando, um caixão e ao fundo Cumpadi Uóxitu gritando “óóórdinááááária!”. Só se o pessoal do axé que estiver presente se empolgar e quiser dançar no meu velório, daí pode porque vai ter um contexto. Não seria má idéia, seria alegre. Se não estiverem muito devastados pela perda irreparável da minha pessoa, podem dar uma dançadinha porque eu quero que meu velório seja um evento alegre.

Isso mesmo, alegre. Porque eu provavelmente estarei em um lugar bem melhor (mesmo que isso implique em NADA, em ter apenas sumido da face da Terra sem ir para qualquer outro lugar) enquanto que vocês todos estarão se fodendo em um mundo onde habitam Sergio Mallandro, Faustão e Paulo Coelho. Um mundo onde Tiririca ganha eleição, Maluf ganha eleição e onde o PT se reelege! Sério que vão chorar por mim? Chorem por vocês!

Se alguém quiser fazer discurso, ok. Mas nada sentimentalóide que coloque as outras pessoas ainda mais para baixo. Contem coisas engraçadas que eu fiz ou falei. Coisas escrotas, politicamente incorretas, coisas típicas da minha pessoa. Façam quem está chorando sorrir. Lembrem dos bons momentos, mas não aqueles bons momentos clichês, pois “momentos Kodak” são bregas e que todo mundo tem. Lembrem dos bons momentos ousados, diferentes. Falem coisas que me tornem única.

Não quero símbolos da religião católica no meu velório. Se quiser colocar um Buda no meu caixão ou um colarzinho daqueles de candomblé tudo bem, mas nada católico, por favor. E não quero rezas, de nenhuma religião. Quem quiser falar com Deus que o faça em bom português, com o coração e com as suas palavras, nada de palavras prontas que além de não acreditar nisso, isso me irrita. E se aparecer um padre por lá, joguem objetos nele até que ele se retire.

E não precisam ir de preto. É meio deprimente. Sem contar que eu posso cometer a inconveniência de morrer no verão e preto no verão é foda. Nem precisa ser nada formal, vistam-se como se sentirem melhor. Eu estarei sem roupa mesmo…

Se eu estiver velha e enrugada, puxem as pelancas para trás da orelha e colem com alguma fita adesiva (lifting de pobre), quero morrer parecendo mais jovem do que sou. Não me deixem com nada de valor: anéis, brincos etc. neguinho rouba essas coisas! E por favor, certifiquem-se que minhas sobrancelhas estão feitas e simétricas.

Não deixem pessoas que não gostavam de mim ou pessoas das quais EU não gostava entrarem. Amigo do morto pode tudo, aproveitem esse poder temporário e coloquem a pessoa para fora debaixo de cacete. Todos vão perdoar e vão dizer que tudo bem ter perdido a cabeça, afinal, a amiga morreu. Abusem disso e me garantam um velório não-hipócrita. Já chega a penca de gente escrota para a qual eu tive que sorrir durante toda a vida, depois de morta eu quero honestidade.

Passem perfume em mim! Não quero feder a morto nem a formol. Passem um perfume forte tipo um Premier Jour da Nina Ricci ou um Amor Amor da Cacharrel. Não economizem, quero ser uma morta perfumada (mas sem feder o ambiente, ok?)

Se o Somir acender um único cigarro no meu velório, todos tem a permissão e a obrigação de dar uma grande surra nele, ali mesmo, no local.

Eu quero ser cremada. Geralmente as pessoas são cremadas no dia seguinte ao velório. Ninguém precisa pernoitar comigo no lugar do velório porque eu estou morta, não tem mais como alguém me fazer mal. E ninguém precisa ir na minha cremação, porque essas coisas costumam ser realizadas em lugares situados na puta que pariu do cu do mundo. Pessoas tem uma vida (não eu, no caso, que estarei morta, mas o resto sim). Todos sintam-se desobrigados indo apenas ao velório. Se precisar de algum formulário ou documento para cremação não tenham dó de falsificar minha assinatura.

Os poucos que quiserem acompanhar a cremação, façam uma última checagem se eu não estou viva antes de me colocar no forninho (Auschwitz feelings). Não havendo indícios de que estou viva, deixa queimar. Se não acharem muito mórbido, peguem as cinzas, coloca em uma urna bem bonita e me deixem lá na sala de jantar. Se mais de um quiser as cinzas, divide um pouco para cada. Batam um papo com as minhas cinzas de vez em quando, ajuda a superar a perda. Vai que em algum lugar eu estou escutando e posso ajudar?

Se acharem essa coisa de manter as cinzas dentro de casa muito mórbido podem me fumar. Como provavelmente o único fumante dentre meus amigos queridos vai ser o Somir e espero que até lá ele já tenha parado, se ninguém quiser me fumar, façam alguma boa trollagem com as minhas cinzas. Mas por favor, nada de jogar cinza em planta, cinza no mar… vocês sabem o quanto eu odeio a natureza, não quero contato com a natureza nem depois de morta! Me deixa no ar condicionado, do lado da TV de plasma.

Se quiserem fazer uma gracinha extra, um Easter Egg, escrevam na urna onde guardarão as minhas cinzas “Aqui jaz um Desfavor”.

Para dizer que vai deixar instruções para o seu velório também, para dizer que mesmo depois de morta eu vou continuar dando trabalho ou ainda para dizer que com essa vida de merda que eu levo, dormindo oito horas e comendo saudável, eu enterrarei todos vocês: sally@desfavor.com

watA vida humana pode ser incrivelmente frágil às vezes. Pessoas já morreram pelos motivos mais banais imagináveis, seja por burrice, distração ou o bom e velho azar. Mas é curioso como os suicidas tendem a ter uma taxa de sucesso tão baixa… Ok, é meio que um padrão na vida deles, mas… Convenhamos que deveria ser ridiculamente fácil se matar com a liberdade de fazê-lo.

A questão é que o corpo humano está programado com vários “mata-burro” para evitar que seus detentores estúpidos estraguem o processo evolutivo. Não importa o que sua mente abstrata está conjecturando, seus instintos e defesas naturais ainda querem que você dure o suficiente para se reproduzir, de preferência várias vezes.

Boa parte dos métodos tradicionais dos candidatos ao suicídio esbarra nessa resiliência do organismo contra problemas habituais. Só me resta imaginar que o que realmente falta na vida dessas pessoas é conhecimento. Conhecimento é poder. Conhecimento é não tomar meia dúzia de aspirinas e esperar pela morte certa…

Era para ser um Desfavor Explica sobre as formas que o corpo é capaz de combater até seu dono tentando se matar, mas como essas informações podem ser usadas para facilitar a vida, quer dizer… a morte de alguns ineptos, vai como Flertando com o Desastre.

Ei, não é só porque o cidadão ou cidadã está desiludido com a vida que vai ficar livre de críticas. Ninguém gosta de quem faz as coisas pela metade. O desfavor não RECOMENDA o suicídio, mas também não aplaude incompetência.

Vamos fazer um tour pelos métodos tradicionais e ver como as coisas podem dar errado para um suicida que dormiu nas aulas de física, química e biologia. E, claro, para não perder o lado desfavor das coisas, vamos comentar também sobre o resultado estético final no caso de sucesso.

AUTO-ENFORCAMENTO

Começo com essa porque é emblemática. A figura da pessoa inerte balançando suavemente numa corda amarrada ao seu pescoço já é clichê para a cultura popular do suicídio. É uma das formas mais comuns por ser simples de se arranjar e bastante eficiente. Normalmente quem se enforca não está para brincadeira, sendo essa a segunda forma de suicídio mais comum dentro das cadeias. (Logo depois de dizer em alto e bom tom que acha Corinthians ou Flamengo uma merda…)

Como te mata: Na modalidade “caseira”, é raríssimo que se quebre a coluna ou mesmo perca a cabeça como nos enforcamentos profissionais. É uma coisa mais lenta e agonizante. Bacana, né? A pessoa não morre exatamente por não conseguir mais respirar, o corte do fornecimento de sangue para o cérebro através da compressão de artérias no pescoço dá conta do recado, já que é bem mais complicado fechar a traquéia.

Cagadas prováveis: Tendo uma superfície resistente para prender a corda e um nó razoável, não é para ter erro. Mas como essa modalidade tende a te apagar primeiro por causa do baixo fluxo de sangue e oxigênio no cérebro, você só vai descobrir que algo deu errado quando acordar horas depois, provavelmente com alguma sequela escrota e gente que não vai mais te deixar em paz. Loser. Existem relatos de presos que ficaram com o coração batendo uns quinze minutos depois do cérebro ter passado do ponto sem volta. Se te pegarem próximo dessa fase, boa sorte com sua vida de vegetal, ou pior ainda… semi-vegetal… O cérebro desliga primeiro as partes supérfluas.

Que cena bonita: Auto-enforcamento é uma medida desesperada, principalmente se considerarmos o legado do suicida. O rosto tende a ficar azulado, a língua salta para fora, a posição final é um convite para o relaxamento dos intestinos e da bexiga te deixarem parecendo um extra num filme da Veronica Moser. Analogia pertinente considerando que ainda existe a possibilidade de entrar para a eternidade de pau duro. Dependendo do trauma na coluna, uma ereção pós-morte pode ser desencadeada pela pressão no cerebelo. E se você é mulher, o resultado não é tão vistoso, mas aquele tradicional “inchaço” vai ser acompanhado de uma saudável dose de sangue. Menstruação on-demand.

OVERDOSE

O Pilha está aí para comprovar, não é um método eficiente. Eu sei que muita gente morre disso, mas se comparado com a quantidade de pessoas que tentam (querendo ou não), pode apostar que tem muita desinformação nesse meio. Como o próprio nome diz, overdose nada mais é do que ingerir, injetar, aspirar ou enfiar em algum buraco do seu corpo uma quantidade abusiva de uma substância.

Como te mata: São inúmeras possibilidades considerando as inúmeras substâncias possíveis aqui. Para ficar com uma famosa, o álcool te mata quando o fígado já está saturado e nem o seu sistema respiratório sabe mais o que está fazendo. Mais ou menos 0.400 miligramas de álcool por cada 100ml de sangue. É pinga pra caralho! Mas já foram registrados casos de bebuns com mais de 1.5mg/dL. Se cremassem o safado, ficaria aceso um ano.

Cagadas prováveis: Você acha que seu corpo é um banana que nem você? Ele vai brigar até a morte contra o envenenamento. A maioria das pessoas que erra ao tentar se matar por overdose não entende o conceito básico de substância ativa. Por mais que aquele comprimido pareça enorme, só uma pequena fração dele tem a substância que realmente vai interagir com o seu organismo. Encher o rabo de pílulas aleatórias dificilmente vai te envenenar com a intensidade que você imagina. E se o seu corpo não estiver totalmente sobrecarregado, vai se livrar dessas porcarias, por um buraco ou outro. Seu estômago tem várias substâncias X-9, que vão delatar para o cérebro quando algo que não deveria estar lá acabou de chegar. E aí, meus caros desfavores, é DEFCÓLON 1! Ou vomita ou caga, não tem meio termo. (Até porque não dá pra sair pelo umbigo…)

Quem quer abandonar essa existência através da overdose tem que saber o que pode matar (SPOILER: Se está na sua casa, provavelmente vai te dar caganeira, existem muitos regulamentos sobre o que pode ser comercializado ou não… Nem veneno de rato é confiável hoje em dia.), o quanto dessa substância é uma dose fatal (e tem que exagerar daí, alguns corpos aguentam mais do que outros, além do fator de diluição da substância ativa…), e principalmente entender que a não ser que você seja 100X mais anti-social que eu (meu ídalo!), alguém pode dar pela sua ausência ou te visitar antes que seja tarde demais. E pode apostar que a maioria dos hospitais é capaz de reverter sua mais recente falha na vida.

Que cena bonita: Digamos que você conseguiu, grandes chances de ser encontrado numa bela poça de vômito ressecado enquanto seu gato saboreia a iguaria que um dia já foi sua bochecha. E eu devo avisar que a não ser que você seja um músico ou ator medíocre, ninguém vai achar bonito. Eu já falei sobre estar todo cagado e mijado, né? Pois é.

QUEDA LIVRE

A quantidade de gente que consegue errar um conceito simples como se jogar de um lugar alto é prova de que o ser humano médio tem merda na cabeça. Pulando de uma ponte, de um prédio ou de um precipício, tem sempre o caso da anta que nem para se matar mais vai servir.

Como te mata: Trauma. Porra, se você já tropeçou e caiu, sabe como isso não pode fazer bem para um ser humano. Agora, a questão é o tamanho e o tipo do impacto necessário para se fazer o serviço bem feito. Uma boa pancada tem que ser capaz de destruir órgãos vitais ou artérias importantes mesmo com toda a proteção dos ossos, músculos e tecidos ao redor deles. Suicidas sortudos podem morrer até numa queda de dois metros. Seja como for, é só se lembrar do mantra: A cabeça primeiro.

Cagadas prováveis: Milhares de pessoas estão aí para te contar a história de como escaparam de quedas que pareciam inescapáveis. Para morrer numa queda, não basta só pular de sua janela, é necessário planejamento. Nosso corpo consegue absorver MUITO impacto dadas as condições certas. E os instintos, esses estraga-prazeres-suicidas, podem desempenhar um papel decisivo na sua sobrevivência… Se você pular de um lugar muito baixo, a tendência é que se quebre todo, mas fique vivo para pagar as contas do hospital. Se você pular de um lugar muito alto, é provável que seu corpo se posicione para bater os pés no chão primeiro, inconscientemente. E isso faz diferença… E sabe quando você se encolhe de medo? Dobrar os joelhos caindo com o pé primeiro diminui a força da pancada nos órgãos vitais ao ponto de salvar até paraquedista com problemas técnicos. E se você quer números, o ideal é tentar uma queda de mais de 75 metros.

E não se esqueça da superfície de aterrissagem. O certo é concreto. Água pode até ser terrível dependendo da altura que se cai, mas ela VAI ceder depois do choque inicial. Se não for a cabeça ou o peito tomando essa pancada, o risco de sobreviver é grande demais, grande demais para um suicida, é claro!

Suicídio por queda é uma máquina de fazer para e tetraplégicos. Quero ver conseguir pular de uma janela numa cadeira de rodas.

Que cena bonita: Como frequentemente se faz isso em locais públicos, seu corpo vai estar à vista de muitos curiosos. Suas roupas não foram feitas para quedas desse tamanho, pode apostar que vai acabar com alguma “falha de vestuário” potencialmente ridícula em conjunto com seus membros dobrados em posições surpreendentes. Cagado, mijado… você já sabe. E, por favor, cole uma plaquinha com “Ai!” na sua mão. Eu sempre quis ver isso.

CORTANDO OS PULSOS

Vem cá… você acha que um organismo tão voltado para a auto-proteção iria mesmo deixar uma artéria potencialmente fatal arreganhada assim nos pulsos impunemente? Cortar os pulsos é uma cena dramática, mas basicamente é só isso.

Como te mata: Surpresa, não mata! Teste nas crianças, pode confiar. Ok, talvez não valha a pena testar nas crianças, mas a questão é que o clássico de cortar só os pulsos só vai te matar se você tiver alguma forma de evitar que o sangue pare de jorrar. E como eu estou dizendo até agora, não é como se seu organismo fosse ficar parado esperando. Para morrer mesmo, precisa seguir os dizeres: Não atravesse a rua, desça a avenida. Tem que cortar de cima a baixo na parte interna no antebraço para realmente bater as botas. Aí não fecha tão fácil. Outras áreas assassinas: Pescoço e parte interna das coxas (veja bem para quem sai abrindo as pernas por aí!). O sangue sai, não volta, game over. Mas TEM que ser artéria.

Fato babaca: Se cortar o pênis, sangra pra caralho (ha, só queria escrever isso) e é bem capaz de matar o ex-dono. Área muito irrigada.

Cagadas prováveis: Parar sangramentos é algo que seu corpo faz desde… sempre. Se o corte não for grande demais, as plaquetas do sangue vão se empilhar no vazamento até que a situação volte ao normal. A famosa “casquinha de ferida”. E se o corte for grande demais, sangue é o tipo da coisa que dispara tudo quanto é alarme nas nossas mentes. Se demorar demais para apagar, você corre o risco de entrar em pânico e pedir ajuda. E se alguém vir isso, boas chances de você conseguir socorro médico. Não vai ser um dos seus momentos mais gloriosos.

Que cena bonita: Sangue para tudo quanto é lado e a pecha de emo-gótico-viadinho(a) como legado. Sério, além de ser uma porquice (já tentou tirar sangue de tecidos como o banco do seu carro? Eu… não… ahem…), é vergonhoso. Cagado, mijado, vomitado… o de sempre.

ARMA DE FOGO

Você duvida que tem gente que não consegue se matar direito nem com uma porra de um revólver apontado para a cabeça? Não deveria. Ficou por último porque atualmente é o método mais comum de suicídio. E também porque é o que faz a maior merdalheira quando funciona.

Como te mata: Bom, uma bala atravessando algum órgão vital não é algo a se ignorar. E não é EXATAMENTE a área do projétil que faz o grande estrago, é o efeito estendido dela nos tecidos adjacentes que efetivamente mata. A bala empurra o que estiver no caminho, danificando uma área muito maior que seu diâmetro na passagem. Desde que, é claro, ela tenha força para fazer essa viagem e SAIR do outro lado. Pois bem, crianças, não é só onde se atira, é o que se atira.

Cagadas prováveis: Calibres baixos tem o péssimo hábito de não sair pelo outro lado. E sem a explosão da saída e a subsequente ejeção de material que deveria ficar dentro do corpo, os estragos são mitigados ao ponto de ter gente vivendo até hoje com balas dentro do corpo. E se o tiro for na cabeça, grandes chances de não pegar uma área vital e te deixar parecendo o Flávio Silvino. E já adianto que baleiês não é um idioma que te dá muitas vantagens na vida.

Aquele três-oitão comprado numa esquina escura pode fazer o barato sair caro. Se não der para usar uma arma de macho-chô, vai correr um risco. O segredo é não tirar o potencial da bala logo na saída. Se apontar para o crânio, é uma camada de osso duro de furar logo na saída do projétil. A área “mole” de acesso direto ao cérebro é logo abaixo do queixo. Dentro da boca também tem essa vantagem, mas não é um lugar muito bom para achar o ângulo certo. O tiro lateral, usando o ponto fraco da têmpora, pode até ser mais dramático, mas tira sua garantia de sucesso. O desfavor não quer que você se mate, mas tem ainda mais receio de te ver retardado por aí. Custa não foder a vida de outras pessoas?

Que cena bonita: Se atravessou, boas chances de você ter feito uma pintura na parede logo atrás. Vai ter sangue, caco de crânio e pedaços de miolos para tudo quanto é lado. E morte traumática assim ainda pode dar a tríade merda, mijo e ereção/menstruação. Morrer com certeza não é uma coisa digna.

Bom, espero que tenha sido informativo. Existem vários outros métodos não cobertos por este texto, mas eu já estourei o limite de páginas. Se tiverem interesse, eu completo na sexta.

E boa sorte na sua vida.

Para dizer que processo é pouco, dessa vez eu vou é preso, para reclamar que eu tirei todo o glamour do seu suicídio futuro, ou mesmo para dizer que só volta nessa budega quando pararmos de falar de morte: somir@desfavor.com

Sobrenatural: Coisa séria.Depois do texto de ontem, além dos comentários, notei uma certa distorção sobre a imagem do cético na cabeça das pessoas. Distorção muito apoiada pelos próprios auto-intitulados céticos, devo confessar. Analisar um assunto de forma cética não significa negar tudo. Significa, na medida do possível, afastar da sua busca por respostas a procura da zona de conforto.

Digo isso porque tanto Sally quanto outras pessoas que comentaram pareciam presas num dilema: Se tentassem explicar o que acontecera de forma sobrenatural, passariam por malucas; se tentassem explicar o ocorrido com a mentalidade (que julgam ser) do cético, seriam obrigadas a negar tudo o que tem certeza de terem visto, ouvido ou sentido.

Há um meio termo. A pessoa que nega tudo é tão maluca e desinformada como a que atribui fenômenos inexplicáveis a seres imaginários. O meio-termo é o método científico aplicado ao pensamento humano. Não ter uma explicação sobre uma coisa não quer dizer nada sobre sua existência.

Quem acredita em explicações mágicas busca o conforto de ter as respostas mais agradáveis, quem faz da negação seu escudo busca nada mais que o conforto de não ter de mudar sua visão das coisas. Ambos passam longe de ser céticos. No final das contas tudo não passa de uma disputa vazia entre pessoas que querem se sentir melhores do que as outras.

E eu sei que agnósticos usam o mesmo argumento na disputa entre religiosos e ateus, e como eu vivo batendo em agnósticos por ficarem em cima do muro, podem parecer estranhas as declarações do parágrafo anterior. Mas tem mais aí… O agnóstico realmente não vale como o “meio termo cético” do assunto religioso porque não tem intenção de trazer nada de novo à mesa. É uma forma esperta de bater nos dois lados sem ter que pensar de verdade no assunto. Acho contraproducente no quadro geral, por isso critico.

Se não tem mudança brusca de assunto, não é texto meu. Continuemos: A forma mais racional e saudável de tratar um desses assuntos chamados sobrenaturais é querer explicá-lo sem essa pressão chata de conseguir. O conhecimento humano se baseia em teorias malucas que acabaram dando certo quando testadas de forma séria e sistemática. Einstein não precisou esperar seu colega (Hubble, melhor ser didático…) batizar um poderoso telescópio espacial para desenvolver sua teoria mais famosa. Reza a lenda que ele sacou a relatividade olhando para um relógio numa torre enquanto andava de trem.

Mas isso não acontece por mágica. Sem uma base razoável de conhecimento sobre o assunto, ninguém consegue fazer brotar da cabeça uma explicação brilhante para o até então inexplicável. Precisou de um relógio e um trem, mas a idéia não ocorreu na mente de qualquer um, não?

Estou dizendo aqui que essa moeda tem dois lados. Imaginação ou conhecimento técnico, sozinhos, não resolvem porra nenhuma. Um místico imaginando uma realidade paralela fantástica e um falso cético cismando que não há mais nada o que se descobrir nesse mundo estão num círculo vicioso de ignorância.

Se você chegou até aqui, deve estar no mínimo curioso por que diabos eu ainda não entrei no assunto que intitula a coluna. Precisava posicionar a visão cética racional antes de escrever a frase:

O sobrenatural não existe. Se existe, é natural. Pode parecer frase batida de filosofia de bar, e talvez até seja, mas o maior problema que eu enxergo em outras pessoas em assuntos desse tipo é a dificuldade atrofiante de relacionar e expandir conceitos como esse.

O simples fato de definir algo que estuda como sobrenatural já denota a intenção de alguém de não passar pelo crivo de outros seres pensantes. É o famoso “jogar para deus”. A pessoa pega o tema e o coloca num lugar escuro e inacessível (duplo sentido semi-intencional) para proteger suas conclusões forçadas. Desconfie e muito de quem não tem nem a coragem de tratar seu conhecimento como algo pertencente ao mundo real.

Um passe livre para imaginar explicações sem as correntes da racionalidade é algo extremamente tentador para a humanidade em geral. Até porque numa comparação direta entre atividade física e mental, o sobrenatural está para um sedentário assim como o método científico está para um triatleta profissional.

NÃO me perdoem, mas estudar teologia, espiritismo, misticismo e o sobrenatural em geral é VERGONHOSAMENTE fácil. Não precisa nem ter a capacidade de entendimento de textos para se destacar nessas áreas. A realidade estudada por quem faz isso tem a profundidade da imaginação de meia dúzia de pessoas. É aprender sem questionar ou sem expandir. ARGH!

Mais uma vez, NÃO me perdoem, mas um teólogo renomado tem o mesmo mérito de um nerd jogador de RPG online no campo do conhecimento específico. Um sabe o nome dos estados de espírito inventados por uma pessoa para explicar a vida pós-morte, outro sabe o nome de todas as espadas mágicas inventadas por uma pessoa para matar o dragão maligno do jogo. Todo o esforço intelectual se resume a obedecer um grupo de regras pré-definidas para chegar a um resultado também pré-definido.

E eu nem estou usando aquela argumentação chata que só ciências exatas valem como conhecimento (uso quando vai irritar alguém…). Física e matemática são fundações dessa vida moderna, mas os conhecimentos “humanos” também o são. Não precisamos de equações para verificar todas as nuances e peculiaridades do comportamento e comunicação humanas. Todas os campos de estudo acabam se cruzando com dedicação e aprofundamento suficientes.

Eu sei que muitas dessas pessoas que se dedicam ao sobrenatural passam décadas da sua vida se especializando nisso e que simplesmente acabariam comigo numa discussão sobre seus assuntos de devoção, mas esforço e resultado prático não andam tão de mãos dadas assim.

Imagine ver uma pessoa passar anos e anos construindo um prédio de palitinhos de fósforo (usados, os bombeiros foram chatos com isso) e cola branca. Quando ela finalmente termina, é impressionante! Não dá para negar a complexidade do projeto ou a força de vontade do construtor.

Você moraria neste prédio?

Mas a pessoa que construiu se esforçou tanto, seu monstro! Ah? O prédio desabaria assim que você trouxesse sua geladeira velha? Bom, ele poderia ter usado concreto e aço, mas… não seria tão impressionante assim.

Quando se pensa em agradar e embasbacar outros seres humanos, não é necessariamente o bom senso e a utilidade que pesam na balança. Eu admito que ficar impressionado com um universo que não está nem aí para o que queremos é um gosto adquirido. Acho praticamente impossível explicar para outra pessoa que um ser mágico perfeito nos céus não tem uma fração da graça de ser formado por poeira de estrelas num universo caótico e majoritariamente inexplicado. E sim, é praticamente a mesma coisa quando se considera a vontade de fazer parte de algo maior.

Novamente, como diz um amigo meu: É igual, mas é diferente. Se as regras mudarem completamente e o conhecimento humano apontar em outra direção, o universo fica ainda mais impressionante para alguém como eu. O conhecimento avançou, que bom! A graça é o processo, não o resultado.

Quero só ver o Papa disser que a Bíblia está errada e Jesus era filho mesmo é do capeta… Ele sai linchado do Vaticano. O resultado da crença sobrenatural TEM que continuar o mesmo independentemente do caminho. Se a pessoa não estiver do “lado certo”, ela não tem mais nada.

Método científico se baseia no processo, sobrenatural se baseia no resultado. É por isso que eu digo que ceticismo honesto passa longe de negação despropositada. Se você teve alguma experiência que não sabe explicar, não precisa jogar tudo no lixo para estar do lado racional da coisa. Basta entender que existe uma boa chance da melhor explicação possível ser bem mais simples e “terrena” do que o impulso imaginativo humano tende a pintar.

E muito mais do que isso, pensar de forma cética não significa também agarrar a primeira resposta que faz sentido só por ser simples. Se existe, é natural. Existe um reator nuclear muito maior que nosso planeta a centenas milhões de quilômetros de distância mandando uma radiação invisível a olho nu que pode causar uma reação em nível celular potencialmente mortal em qualquer um de nós (novamente para ser didático: Sol, Raios UV, Câncer de Pele). Este não é um universo simples ou limitado. Se você tem como estudar algo complexo, mesmo que já tenha uma explicação, estude. A ciência se desenvolve derrubando teorias em favor de idéias mais avançadas.

E não sejamos cegos: A ciência fala muita bobagem. Ovo faz mal, ovo faz bem, adoçante faz bem, adoçante faz mal… Errar não é apenas humano, errar é científico. Tudo bem que um erro de tratamento médico é terrível, mas sem essas bobagens sendo apontadas ano após ano, não teríamos nem o alento de saber que tem gente nesse mundo TENTANDO acertar. Um cara acerta com a penicilina (Fleming, só para manter o espírito explicativo), por exemplo, e salva milhões. Faz parte do… processo.

Explicar as coisas é bacana, faz bem. É só uma questão de reconhecer nossas prioridades e limitações. E temos uma limitação comum que costuma explicar MUITA coisa.

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Vivemos numa ilusão que só existe dentro de nossas mentes. Não é letra de música cabeçuda não, é uma forma dramática de dizer que percebemos o mundo de acordo com os nossos sentidos, mas só fazemos dele algo reconhecível com o cérebro.

Para enxergar, seus olhos usam um “jogo de espelhos orgânico” que recebe as partículas que formam a luz (fótons) e mandam esses sinais invertidos para uma área do seu cérebro que corrige tudo e transforma aquilo numa imagem. Imagem que é atualizada mais ou menos 24 vezes por segundo. Vemos uma sequência de “fotos” na velocidade exata para simular movimento. Se duvida que só enxergamos imagens estáticas, balance a mão rapidamente na frente do rosto. Se parece que você tem mais que uma mão, foi o seu cérebro fazendo o possível para acompanhar o movimento (e falhando). Se não parece que você tem mais de uma mão, você deve ser amputado. Foi mal aí…

Percebe a “maravilhosa” gambiarra? A imagem que você está enxergando só existe no seu cérebro. Temos a ilusão que a visão está na altura dos olhos porque é lá que a luz é recebida, mas a imagem não existe enquanto não chegar no cérebro, que vai saber o que fazer com aquele monte de impulsos malucos recebidos dos nervos óticos.

Isso vale para todos os outros sentidos. De uma forma ou de outra, é apenas um órgão processando essas informações, mesmo que elas tenham sido recebidas do outro lado do corpo. E com tanta experiência em simular o posicionamento do que você percebe em relação a sua posição no espaço, o cérebro é capaz até de coisas incríveis como os sonhos. O cidadão, dormindo, tem a possibilidade de receber impulsos de todos os sentidos com base apenas na sua imaginação, alimentada pelas memórias.

Mas tem uma coisa curiosa sobre os sonhos ou até mesmo sobre a imaginação “acordada”. Você REALMENTE enxerga alguém quando pensa nele(a)? Imagine uma pessoa muito atraente e famosa. Você sabe quem é, sabe como se parece… Mas pense comigo: Você realmente VIU essa pessoa? Se você começar a se concentrar na imagem, não parece que algumas coisas somem e reaparecem, ou mesmo mudam de forma do nada? Só que você sabe quem é e sabe como se parece. Apontaria numa foto sem o menor problema.

O cérebro não tem espaço para gravar fotos com todos os fótons que bateram na sua retina para cada memória. Existem diversos truques para se lembrar sem precisar desse gasto absurdo de “HD mental”. Você tem a capacidade de enxergar sem enxergar. A capacidade de relacionar uma “não-imagem” de um sonho com uma imagem da vida real.

E os outros sentidos, novamente, estão no mesmo barco.

Uma “viagem” como a relatada por Sally ontem no texto do EQM, pode ser resultado do cérebro perdendo o referencial de posição e montando uma imagem no lugar errado. Não é uma imagem formada por fótons, o ponto-de-vista tanto faz como tanto fez. Pode ter sido um caso de auto-sugestão, como o tempo perde a sua função sem um cérebro mantendo a contagem, as coisas impressionantes que ela afirma podem ter se formado em adaptações de sonhos vagos realizadas em frações de segundo por auto-sugestão e pensamento especulativo (eu conheço a história e era provável que Sally desconfiasse de erros médicos).

OU, o cérebro pode ter “aberto as portas” da percepção naquele estado crítico e começado a receber informações que não eram processadas de forma consciente. OU, a linha divisória entre consciências no tempo/espaço é imaginária, talvez necessária para o funcionamento do nosso corpo (imagine só a merda que seria não conseguir “se achar”), e numa situação daquelas vai tudo para as cucuias. Somos energia, oras.

Pode ser Deus? Olha, por questões alheias que tornam o próprio conceito de uma divindade de poderes infinitos virtualmente impossível em outras áreas, não pode não. Se for, boa parte do conhecimento humano acumulado de forma séria e responsável está errado e/ou é irrelevante. Mais ou menos como começar a investigar o sumiço de um animal de fazenda usando o Chupacabra como suspeito número um. É forçar a barra.

Evidente que eu tenho uma capacidade maior de especular sobre conceitos mais próximos como o funcionamento “esperado” do corpo humano, depois de estudar um pouco sobre o assunto, claro… Mas nenhuma delas vale como verdade inquestionável, são apenas probabilidades SEM querer provar ou desprovar o que ela relata. A resposta pode estar irremediavelmente longe da nossa tecnologia atual, mas o processo sempre está disponível. Existe complexidade, propósito e encantamento também na abordagem mais realista das coisas, só dá mais trabalho para achar.

De forma alguma é discussão inútil. Pode ser chata, como eu sei que vários de vocês acham, mas não é um bicho de sete cabeças. O que estraga não é uma resposta, é qualquer resposta.

Para dizer que ainda está tentando entender o objetivo do texto (confundir), para me ameaçar de expulsão do clube dos céticos, ou mesmo para concordar que até Letras exige mais do cérebro que Teologia: sandy… somir@desfavor.com

Lá vem pedrada!O texto não tem por objetivo discutir o que é ser uma vagabunda e também não tem por objetivo fazer um julgamento moral sobre ser bom ou ruim ser uma vagabunda. Cada um faz o que quer. O texto tem por objetivo afirmar que quem se preocupa muito em não parecer uma vagabunda acaba delatando exatamente o contrário: grandes chances de ser, seja lá qual for o conceito pejorativo que você atribua a essa palavra.

Daí eu tenho a ousadia de afirmar que, salvo raras exceções, só tem medo de parecer vagabunda a mulher que efetivamente É VAGABUNDA e se nega a assumir, às vezes até para ela mesma. Porque tem gente que é assim. Quando os outros fazem tacam pedra, mas quando a própria pessoa faz, sempre arruma um pretexto auto-perdoativo para justificar. Parece extremista, mas leiam até o final e me digam se não concordam com meus argumentos.

Primeiro quero deixar bem claro que o conceito de “vagabunda” é muito subjetivo, mas o texto se aplica a qualquer conceito que se queira dar, enquanto palavra de cunho pejorativo. Entenda-se “vagabunda” como algo pejorativo, como uma pessoa de conduta vulgar, reprovável aos olhos do julgador. Em segundo lugar, quero deixar bem claro que não tenho nada contra uma vagabunda, seja lá qual for a conotação que se dê à palavra. Cada um é o que quer. O que eu não suporto, e é o principal objeto de crítica deste texto, é a vagabunda que quer fazer parecer ser uma coisa que não é. A vagabunda que tem uma preocupação enorme em não parecer vagabunda, achando que nas roupas, no linguajar e outros detalhes reside o conceito de vagabunda.

Se você não é uma vagabunda, não tem que ter preocupação para não aparentar ser. Não deixa de usar uma roupa tal, de ficar com uma pessoa tal ou de dançar de um jeito tal porque tem medo que achem que você é vagabunda. Se você não é, você fica muito tranquila. Porque mesmo que eventualmente alguém ACHE que você é, isso não te incomoda. As pessoas não são idiotas, elas sabem quando estão diante de uma vagabunda, ainda que ela esteja com uma roupa super comportadinha. Com o tempo todo mundo vê quem é quem.

Porque vagabunda pode até se vestir de freira, mas fica um ranço da ordinariedade (to sabendo que a palavra não existe, ok?). Tem algo nas vagabundas que as delata. Não sei bem se é no jeito, na liguagem corporal ou se exala pelos poros mesmo. Mas está lá. E as pessoas sentem. Tanto é que normalmente a vagabunda fica travadíssima quando está em um ambiente mais formal ou com pessoas desconhecidas, acho que é um ato instintivo para não dar bandeira de sua condição. É esse sinal subjetivo, esse “ranço”, que faz toda a diferença na hora de chamar uma mulher de “ousada” ou “vagabunda”, “sexy” ou “vagabunda”, “sensual” ou “vagabunda”.

Não digo que os homens sejam espertos o suficiente para perceber os mecanismos que as mulheres usam para enganá-los, mas eles sentem algo falso no ar quando uma vagabunda tenta posar de boazinha. Mesmo que a vagabunda só se vista com roupas super comportadas e faça um discurso correto, eles sentem algo não bate. Podem nem saber o que é, mas sentem que algo causa estranhamento. Algo está fora da ordem. Mesmo que eles não saibam o que, mas percebem algo estranho e se afastam. Homem odeia comportamento contraditório, pois ele é a porta de entrada para todos os surtos e comportamentos histéricos das mulheres. Mais cedo ou mais tarde eles percebem que tem algo de muito errado. Exceção: homem apaixonado, que fica cego para tudo. Mas estes não contam. Não veriam nem mesmo um pênis no seu objeto de paixão.

Vou além. Acho que homem não namora nem com vagabunda convicta nem com vagabunda que posa de santa, mas com certeza vai ter muito mais prazer em sair com uma vagabunda convicta do que com uma histérica o tempo todo preocupada com o que ele vai pensar. Porque com a vagabunda assumida ele não vai ter dor de cabeça, ela é aquilo ali mesmo e as regras estão claras. Mas com a vagabunda que posa de santa… quanta dor de cabeça! Vai dar e depois vai ficar chorando dizendo que nunca fez isso e que deu muito cedo para ele! Vai ser amante de homem casado mas vai chorar pedindo para ser tratada como namoradinha e vai sentir ciúmes! Aff… são as mais neuróticas e histéricas. Mulheres, preocupem-se em ser vocês mesmas e a seleção natural se encarregará do contrário: quem não gostar que se afaste de você. Ou será que a pessoa chega a achar que se ela for ela mesma NINGUÉM vai ficar por perto? Que merda, hein?

“Mas Sally, e se eu usar as roupas que eu quero e o Zé Ruela me achar uma vagabunda e não quiser saber de mim?”. Primeiro, mesmo que ele ache, em meia hora de conversa com uma mulher ele pode perceber que não é uma vagabunda qualquer. “Mas Sally, e se ele nem quiser conversar comigo por me achar uma vagabunda?”. Minha Querida, nesse caso quem não tem que querer nada com uma pessoa tão medíocre é VOCÊ! SE AME e queira um homem que goste de você como VOCÊ É, com as roupas que você veste! Agradeça aos céus por ter se livrado desse estrupício! Pessoas são muito mais do que roupas e aparência externa. Um homem que acha uma mulher uma vagabunda porque ela está com uma roupa muito curta tem mais é que tomar no cu três vezes (uma com areia, uma com caco de vidro e outro com cerol). E só para finalizar este amontoado de barbaridades, até onde eu sei homem não corre de vagabunda, homem se joga em cima delas com tudo para tentar comer.

Além disso, se você precisa SE PREOCUPAR em filtrar o que vai fazer, dizer e usar, é porque provavelmente você É UMA VAGABUNDA. Algo como “melhor me conter porque se eu for eu mesma e fizer o que eu tenho vontade, vou deixar transparecer que sou uma vagabunda”. E mesmo que você SEJA uma vagabunda, isto é um sagrado direito seu, não tem que ficar se preocupando em esconder o que você é. Você está feliz assim? Então que se foda ao quadrado o que um Zé Ruela vai pensar. O mais santo dos homens é muito mais “vagabundo” que a gente. “Mas Sally, eu sou uma vagabunda que quer namorar, se eu não esconder que sou vagabunda nunca vou arrumar um namorado”. Se esconder também não, porque um dia, com a convivência, a verdade vem à tona. Mostre a ele que você se comporta assim PORQUE está solteira e que comprometida sua postura seria outra.

O que me irrita é a vagabunda que quer posar de boazinha e ainda fica paunocuzando os outros. Tive (do verbo graças a Deus não tenho mais) uma amiga assim. Malhava só de roupinha comportadinha e ficava me paunocuzando por causa dos meus shorts. Nas horas vagas era amante fixa de um homem casado, saía com ele a ainda pagava o motel (HAHAHAHAHA, desculpa, eu tenho que rir da cara de uma pessoa que faz uma porra dessas). Eu, com meu shortinho intra-uterino, solteira, passava a noite de sábado em casa lendo um livro. Eu nunca a julguei por ser amante de longa data de um homem casado, mas ela se incomodava profundamente com meu short. Hipcrisia, a gente se vê por aqui.

Daí durante muito tempo ela me advertia que eu ficar com fama de vagabunda por causa do meu short ou por causa de meu jeito de falar (segundo Somir, eu falo como um traficante carioca). Qual foi a minha surpresa quando, meses depois que paramos de nos falar, as pessoas começaram a me dizer que ela tinha uma tremenda fama de vagabunda! Logo ela, que sempre se vestia tão comportadinha, que sempre falava tão bonitinho! Pois é, mas ATOS falam mais do que roupa e palavras. É o ranço. O ranço fica. Não adianta se vestir comportadinha e flertar com meio mundo dentro de uma sala de musculação, ser amante fixa de homem casado que dá dentro do carro no meio da rua e querer achar que vai enganar todo mundo. As pessoas estão ligadas nos atos dos outros, mesmo quando você acha que não tem ninguém te vendo. E as pessoas abominam vagabunda que posa de santinha.

Quer ver outro comportamento medonho? Mulher que sai com o cara, tem vontade de dar de primeira, mas não dá PORQUE tem medo dele achar que ela é uma vagabunda. Muita calma nessa hora que eu não quero ser mal interpretada. Não estou dizendo que mulher que não dá de primeira é escrota. É muito comum que a mulher NÃO TENHA VONTADE de dar de primeira, por uma série de fatores como falta de intimidade, vergonha etc. Se não tem vontade de dar, acho que não tem que dar mesmo, foda-se o que vão pensar (vão pensar = fresca). Mas, em contrapartida, se tem vontade de dar de primeira, vai lá e dá, porra! Dá mesmo! Vai por mim, um homem vai saber identificar quando uma mulher não é vagabunda. E outra: mesmo que ele não te ache vagabunda, ele pode não querer nada com você mesmo assim. Ser uma vagabunda não é o único motivo pelo qual um homem não quer nada sério com uma mulher. CHEGA dessa ditadura do medo de ser tachada de vagabunda, isso é coisa de GENTE SEM AUTO-ESTIMA.

Pior do que dar de primeira é fazer esse joguinho falso de “veja como sou menina de família”. SOA FALSO. Homem sente a falsidade e CORRE. Geralmente essas pessoas que fazem tipinho não tem mais do que três ou quatro encontros antes dos homens sumirem do mapa. Simplesmente não para ninguém do lado, as pessoas cheiram a falsidade. Nada como ser autêntica, honesta, transparente e FODA-SE quem não gostar. É bom para filtrar, sabe? Só fica do nosso lado quem REALMENTE GOSTA DA GENTE.

Minha gente, vamos ter um pouco de auto-estima? Porque não tem nada mais atraente do que uma mulher segura, com auto-estima. E nada mais broxante do que uma mulher insegura que calca seu comportamento naquilo que ela pressupõe ser o que vai agradar ao homem. Sacanagem enganar as pessoas assim, faz o cara perder tempo achando que está com uma pessoa que na verdade não é o que aparenta ser e ainda faz a própria pessoa perder tempo, pois não demora até a máscara cair. Seja você, seja você com convicção, assim só atrairá pessoas que gostem de você COMO VOCÊ É. Mentira de começo de relacionamento escraviza.

Por isso eu dou esse conselho: não se deixe paunocuzar por essas moralistazinhas, porque se você for ver, no fundo elas acabam fazendo coisas bem piores. Uma pessoa bacana, de bem com a vida, que queira o seu bem, jamais vai te paunocuzar por causa do tamanho de um short ou pelo número de palavrões que você fala. E uma pessoa bem resolvida, segura e que não é uma vagabunda jamais vai deixar de usar um short se tiver vontade. E um homem adulto com uma cabeça boa jamais vai deixar de sair com uma mulher porque ela usa um short. CHEGA DESSE MEDO IDIOTA DE PARECER VAGABUNDA! O tipo de homem que deixa de sair com uma pessoa legal que usa uma roupa curta não é o tipo de homem que você quer ter do lado.

OBS: Atentem que eu estou falando na hipótese da mulher estar SOLTEIRA, ok? Eu jamais colocaria um micro-short tendo namorado. Mas também não paunocuzaria quem o faz.

Você, Amiga Calcinha, se escutasse um boato de que você é na verdade um HOMEM, ia rir ou ia ficar preocupada tentando mostrar a buceta para todo mundo para desmentir o boato? Pois é. Você tem certeza absoluta que você não é um homem. Você tem certeza que as pessoas que te cercam sabem muito bem que você não é um homem. Esse é o mecanismo. E se por algum acaso algum homem deixasse de sair com você porque acreditasse que você é homem, você ficaria super deprimida ou ia rir e dizer “Putz! que otário!”. Como eu disse, esse é o mecanismo.

Só tem medo quem tem o temor de que algo seja descoberto. Quem está limpo, quem é limpo ou quem não tem o menor problema em assumir o que é, não fica com essas paranóias de reger a vida e o guarda-roupa pensando em transmitir uma boa imagem para os homens no geral. Taquipariu, né gente? É dar importância demais a homem! Vamos nos amar mais?

Quem não é vagabunda não precisa se preocupar em não parecer vagabunda. Se você precisa tomar “cuidados” para não parecer vagabunda, então, foi mal mas grandes chances que você seja. Se assuma e seja muito mais feliz.

Para me chamar de vagabunda, para dizer que acha que isso foi um Sally Surtada camuflado ou ainda para dizer que se é para ser vagabunda melhor virar piranha logo, porque pelo menos ganha uma grana boa com isso: sally@desfavor.com

Lá vem pedrada!Eu acho mais aceitável o traficante do que o usuário de drogas. Calma, não grite comigo AINDA. Não falo aqui dos grandes empresários que financiam o tráfico do alto de seus edifícios de luxo, falo do traficante “pequeno” no contexto geral, porém “dono do morro”, “grande” em seu contexto social. Sempre que faço esta afirmação pessoas começam a gritar comigo. Daí eu conto a história do Pedrinho, que é o que vim fazer hoje. Sei que tem muito bandido sádico e escroto por aí, mas também conheço o outro lado da moeda, que muita gente insiste em afirmar que não existe ou que é esmagadora minoria, talvez para tentar se enganar e não encarar o tamanho da injustiça que existe no nosso país.

Sempre bato na tecla de que costumamos ser mais benevolentes com aquelas situações onde conseguimos nos visualizar. Por exemplo, é muito mais fácil que uma mulher ciumenta entenda um homicídio cometido por uma esposa que flagrou seu marido com outra do que entenda um roubo. No entanto, o homicídio é um crime pior do que o roubo, ou alguém tem alguma dúvida de que tirar uma vida é mais grave de tirar uns reais de alguém? Nossa capacidade de perdoar está diretamente ligada à empatia e compreensão dos atos daquele que julgamos.

Acredito que seja este mecanismo que faça com que a maior parte das pessoas se solidarize mais com o usuário do que com o traficante. Quem de nós não conhece um usuário com uma história triste, que se afundou no vício e não conseguiu mais sair dele? Praticamente uma vítima. Ou então um usuário que é gente boníssima e “nunca fez mal a ninguém”. Claro, eles existem aos montes. Já o traficante… bem, este é sempre preto, pobre e favelado, tido como bandido que desperta antipatia. Ele é o causador de tudo, ele e apenas ele. É ELE que vicia nossos meninos e meninas. Nossos filhos são levados ao vício por culpa DELES, não tem nada a ver com a família, com a atenção que os pais dedicam ao filho, com a propensão genética ao vício e com outra série de fatores. São sempre os maus elementos que levam nossos filhos para o mundo das drogas. A culpa é sempre dos outros.

Porque tenho a cara de pau e a coragem de abrir a boca para defender determinados traficantes, a ponto de dizer que os prefiro a usuários? Primeiro porque adoro ver vocês nervosos nos comentários me esculhambando e segundo porque já vi coisas demais nesse meio para conseguir me convencer que nem todo traficante é um bandido cruel.

Quando a pessoa entra para o tráfico, nem sempre é para conseguir dinheiro para comprar tênis importado e roupa de grife. Nem sempre é ambição. Nem sempre é porque não quer trabalhar. Essa é a história fácil, a história conveniente, que todo mundo conta. Acontece. Porém na maior parte das vezes, é o desespero e a necessidade. E acreditem, vocês não mensuram o tipo de desespero que esse nosso povo passa. Só quem vive o dia a dia de comunidade sabe.

E a pessoa que começa a usar drogas? Porque começa? Geralmente por pura imbecilidade. Para parecer bacana, descolado. Para agradar aos amigos. Para desafiar os pais. Eu devo ser mais solidária a quem faz merda por pura imbecilidade ou por necessidade?

Vamos lá. O objetivo do texto não é provar que traficantes são boas pessoas nem defender o que eles fazem. Que fique claro: tráfico de drogas é crime, e tem que ser crime mesmo. Tem que ser punido SIM, mesmo que a pessoa seja de bom coração. É uma conduta errada e reprovável, porém, acho mais compreensível do que a conduta do usuário, o que não quer dizer que não tenha que ser punido. Não aceitem tão fácil essa imposição social de que o traficante é sempre o “Bad Guy”. Talvez você, no lugar dele, fizesse igual. Talvez você, sem uma criação onde te ensinem o que é certo e o que é errado, cruzasse com mais facilidade a linha do crime. Talvez você, em um momento de desespero, fizesse isso também. Honestamente? Eu COM CERTEZA FARIA.

Não adianta se colocar no lugar do traficante com a sua cabeça de hoje. Tem que pensar como ele foi criado, como é sua realidade. Quando você cresce vendo uma coisa acontecer com naturalidade, tende a não achar essa coisa tão monstruosa – por mais que seja. Quando você passa por certas necessidades, tende a esquecer a diferença entre o certo e o errado. Dizer que você não viraria traficante com a sua cabeça de HOJE, com a informação, valores e ética que você ganhou, é fácil. Eu também pensava assim, que nunca viraria traficante. Até o caso do Pedrinho. Ahhh o Caso do Pedrinho. Leiam com atenção.

No começo eu não queria pegar o caso, porque além de uma grande repercussão na época, casos de tráfico costumam ser perigosos. Mas, por um revertério do destino, me vi obrigada a atuar no caso de Pedro. O que me passaram foi: bandidão, chefe do tráfico no morro tal, matou um colega a pedradas. O que eu vi foi uma coisa bem diferente. Vocês sabem que eu não sou de passar a mão na cabeça dos outros nem de fechar os olhos para os erros alheios. E ainda assim, ainda sendo uma pessoa de julgamento rigoroso, o que eu vi foi outra coisa. Mas demorou para ver. Para ver, tem que querer ver. Mais: para ver, tem que PODER ver.

Pedrinho nasceu em uma família com um pai, uma mãe e cinco irmãs. Era o irmão mais velho. Quando Pedrinho tinha dez anos seu pai morreu baleado por policiais que subiam o morro onde ele mora. O pai de Pedrinho não era bandido, era pedreiro, e isso ficou comprovado no processo que julgou os policiais, mas os policiais não perguntaram antes de atirar. Nada de novo, a bala come e quem estiver no caminho que se foda, a vida humana não vale muito em algumas favelas. Os policiais foram absolvidos, porque foram julgados por outros policiais. Imparcialidade zero. Dois deles posteriormente se meteram em uma grande chacina de repercussão e acabaram presos, só para vocês verem o tipo de pessoas que eram. Depois da morte do pai, mãe de Pedrinho, que sempre ficou em casa cuidando das seis crianças, se viu obrigada a sair para trabalhar para sustentar seus filhos, com isso, seus filhos passaram a ficar longas horas sem a sua supervisão.

A mãe de Pedrinho também trabalhava o dia todo, mas ganhava apenas um salário mínimo para cuidar da família. Passavam dificuldades. Não raro passavam frio e fome. Pedrinho não conseguia nem estudar direito na escola, pois sentia fome. Mesmo assim, Pedrinho nunca fez nada errado e mesmo muito jovem, arrumou um trabalho e trabalhava todos os dias, de domingo a domingo. Por diversas vezes ofereceram oportunidade dele ingressar na “carreira” do tráfico, porque para quem não sabe, tráfico tem um “plano de carreira” onde você vai conquistando postos (e salários) cada vez mais altos. Pedrinho sempre recusou. Ele se pelava de medo de ser preso, nem tanto pela prisão, mas por decepcionar a mãe. Agora ele era o homem da casa.

A vida continuou, até que um belo dia a mãe de Pedrinho foi diagnosticada com uma doença crônica para a qual ela deveria tomar medicamentos diários. Caso não tomasse estes medicamentos, corria o risco de adoecer e até de morrer. Este medicamento custava caro e raramente era encontrado de forma gratuita, como seria de direito de sua mãe. O tempo foi passando, e sua mãe, sem ter acesso ao remédio, começou a piorar da saúde. Pedrinho tentou conversar com autoridades, pediu ajuda, foi a órgãos públicos, fez filas, mas ninguém podia fazer nada. Tomou um não por cima do outro por aproximadamente sete meses, tudo documentado. Também tentou conseguir outro emprego onde pudesse ganhar mais dinheiro, mas nada. Enquanto isso a mãe dele Piorou, piorou e piorou, até que, para desespero de Pedrinho, em decorrência da impossibilidade de tratamento, sua mãe ficou irreversivelmente cega, o que a impediu de trabalhar.

Quando voltava para casa com a mãe, Pedrinho se lembrou das palavras do médico. Sua mãe estava cega, para sempre, e se não começasse a se medicar, poderia morrer em poucas semanas. Pedrinho, com 16 anos, sentiu a obrigação de homem da casa pesar sobre ele e decidiu que era hora de ajudar a mãe, custe o que custar, porque afinal, se aquele Estado que deveria ampará-lo lhe virou as costas, ele também viraria as costas para o Estado. O salário que ele ganhava não era suficiente para arcar com o tratamento da mãe, ele sentia que não tinha escolha. Basicamente era isso ou deixar a mãe morrer.

Pedrinho procurou o “Dono do Morro”, traficante com nome de passarinho que mandava por ali. Há tempos que o Dono do Morro o convidava para participar de “esquemas”. Pedrinho sempre negava, ele não queria essa vida. Mas agora ele sentia que não tinha escolha. Pedrinho deixa de ser Pedrinho e passa a ser Pedro. Não podia ser chamado de Pedrinho, acharam que não combinava com a imagem necessária ao trabalho que ele ia desempenhar. Assim ele se iniciou no tráfico. Começou fazendo pequenos trabalhos não muito comprometedores em troca da medicação de sua mãe. Todo mês o Dono do Morro entrega um suprimento de medicamentos na casa de Pedro, sem atrasar um único dia, e paga todas as despesas médicas de sua mãe e suas irmãs. O que o Estado não dá, o Dono do Morro dá. Pedrinho, agora Pedro, não ganhava um centavo para ele, apenas remédio e suporte para sua família.

Com o tempo, Pedro foi sendo recrutado para tarefas mais complexas, porque era inteligente e esforçado. O Dono do Morro dava cada vez mais responsabilidades a Pedro. Nesse período Pedro pensou em sair dessa vida por mais de uma vez, mas as propostas de trabalho que tinha não eram suficientes para custear os remédios da mãe, e agora também de sua irmã, que manifestara a mesma doença da mãe, precisando do mesmo tratamento. Mais uma vez, ele sentia que aquela era a única porta aberta para ele. O preço do remédio e de todo o tratamento para duas pessoas era quase dez vezes o valor do salário mínimo.

Ok, ele poderia tentar um trabalho onde inicialmente fosse mal remunerado e tentar crescer profissionalmente em situações normais. Mas Pedro não tinha tempo para isso, pois um mês sem os remédios poderiam matar sua mãe ou sua irmã. Ele já carregava consigo a culpa da mãe ter ficado cega por falta de remédios, se cobrava ter entrado para essa vida antes, quem sabe assim a mãe anda poderia enxergar. Porque ser preso seria ruim para sua mãe, mas ficar cega e morrer seria pior. Além disso, Pedro tinha o compromisso de que, se fosse preso, o tráfico continuaria dando suporte à sua família. E eles cumprem. Pedro já tinha visto eles prometerem e cumprirem com diversos companheiros que acabaram presos. E se fosse morto, a família ganharia uma pensão vitalícia além dos cuidados médicos.

Pedro era extremamente religiosos. Quando perguntado como poderia fazer uma coisa condenada por Deus e ainda assim ser temente a ele, Pedro respondia que Deus estava vendo sua realidade e a de sua família e que quando o momento chegasse, Deus o absolveria porque saberia que ele não teve escolha. Deixar a mãe morrer desagradaria mais seu Deus do que entrar para o tráfico. Ele dizia que por mais que fosse errado, era menos errado do que deixar a mãe e a irmã morrer e se Deus fosse justo ele concordaria com isso. Além disso, Pedro nem achava tão grave assim o que fazia, afinal, eles não obrigavam ninguém a usar drogas. As pessoas é que iam ali procurá-los e usar porque queriam, do mesmo jeito que procuravam um bar para beber quando queriam encher a cara.

O tempo foi passando e Pedro agora era o braço direito do Dono do Morro. Sabia de todos os contatos, de todos os esquemas e estava a par dos negócios. Começou a ver, diariamente, como as coisas funcionavam na parte administrativa do tráfico. Era uma empresa, uma empresa com lucro de mais de 300% em cada transação. Era uma empresa com regras rígidas e castigos exacerbados.

Pedro lembra da primeira execução que viu, quando colocaram o dedo-duro preso dentro de um monte de pneus velhos, jogaram gasolina e atearam fogo. Pedro ficou chocado, chorou e ficou três noites sem dormir. Foi assim, nas três ou quatro execuções que se seguiram. Depois Pedro ficou calejado. Não porque seja mau, mas por ser humano. Da mesma forma como um Delegado de Polícia ou um Policial terminam por ficar calejados, brutalizados, menos sensíveis à violência. Da mesma forma que um médico fica menos sensível a sangue e ferimentos. O ser humanos se acostuma com tudo se for exposto a isso diariamente por muito tempo e sobreviver. Pode não gostar, não concordar, mas infelizmente acaba perdendo o poder de se chocar com aquilo. Sim, você também perderia. Pode até achar que não, mas perderia.

Pedro não gostava dessa parte de carnificina, mas sabia que nesse mundo era uma coisa necessária. Ele mesmo nunca botou a mão em ninguém nem fez nada, até o dia que ele chama “da desgraça”. Nem mesmo recebera ordens para isso, pois seus superiores brincavam dizendo que ele era “bonzinho demais” para coordenar esse tipo de atividade. Onde já se viu alguém que passa tanto tempo no tráfico e não tem uma morte nas costas? Pedro era até mesmo ridicularizado por isso. Porque no tráfico isso é demérito.

Um belo dia, o Dono do Morro sofreu um “atentado”. O traficante com nome de passarinho, amigão do peito de muitos jogadores de futebol que posam de certinhos (um deles habita o gol do Flamengo) é morto assim, do nada. Policiais a paisana se esconderam em uma casa vizinha e simplesmente armaram uma emboscada que matou o traficante com nome de passarinho. Mas ele já tinha nomeado Pedro como seu sucessor. No começo Pedro achou que isso era bom, mas logo viu que custaria caro.

Já na sua primeira semana teve que lidar com inimigos tentando disputar poder com ele. Pedro foi ameaçado, ou ele abria mão do “cargo”, ou algo de muito ruim aconteceria com sua família. Pedro não acreditou e pagou para ver. Essa gente vivia ameaçando e raramente acontecia alguma coisa. Mas Pedro não era o traficante com nome de passarinho, que operava barbáries, andava com armas banhadas em ouro e era amigo de jogador de futebol. Pedro não tinha essa moral toda para intimidar os vagabundos. Deu no que deu. Três dias depois sua irmã mais nova foi encontrada morta e estuprada.

Tudo se sabe na favela. Quem fez, não fez questão de esconder, mandou recado e deixou “assinatura” no local para que não pairassem dúvidas de que tinha sido ele. Pedro foi atrás do autor do crime. Quando o encontrou perdeu a cabeça e o atacou. Vendo que o sujeito ia puxar a arma, ele pegou o primeiro objeto que viu por perto e o atacou: uma pedra. Curioso que Pedro estava armado, mas não atirou. Apenas o atacou com uma pedra. Enquanto era atacado, o autor do crime riu e narrou detalhes o que havia feito com a irmã de Pedro, do que a irmã de Pedro havia dito ainda insinuou que ela teria gostado. Pedro surtou e bateu em sua cabeça com a pedra até que ele ficasse desacordado. O que Pedro não sabia é que ele não estava desacordado, estava morto. Ficou sabendo disso depois. Graças a esse episódio, ficou conhecido como Pedro Pedrada e ganhou o respeito dos colegas, tocando o “negócio” que tinha herdado.

Mas, para azar de Pedro, ele foi pego pela polícia poucas semanas depois, dedurado por traficantes de um morro vizinho, que queriam poder neste morro também. Pedro não tinha a maldade do traficante com nome de passarinho, não sobreviveu muito tempo. Pedro Pedrada virou manchete: “Traficante violento mata colega a pedradas”. Ganhou xingamentos de apresentadores de TV sensacionalistas. E nem vou contar da surra e das torturas que recebeu enquanto estava preso e aguardava julgamento. Mas também ganhou alguém que o defendeu e ouviu sua história até o final, com imparcialidade. E chorou. 

Para vocês, para o sociedade e para a imprensa, Pedro Pedrada. Para mim, Pedrinho.

Pedrinho não foi condenado por matar aquele infeliz. Infelizmente ele foi condenado no tráfico, porque, contrariando minhas recomendações, confessou que traficava mesmo. Ele disse que não se sentiria homem se negasse uma coisa que vinha fazendo. Eu avisei que seria condenado e ele disse que estava mesmo na hora de pagar as contas do que ele devia para a sociedade. Eu acho é que a sociedade pagou as contas do que fez com Pedrinho, quando ele virou traficante, mas tudo bem. Ele fez mal à sociedade? Sim. Em retorno.

Eu sei que muitos tem escolha, muitos seguem esta vida por sadismo, por comodismo, por índole ruim. Mas isso não apaga o fato de que muitos seguem por realmente não ter escolha, porque o Estado não garante o mínimo. E eu sei que fica mais fácil se a gente pensar que os que realmente precisam apelar para o tráfico por necessidade são minoria. MAS NÃO SÃO.

Já o usuário… bem, o usuário tem escolha antes de começar a usar. Porque ninguém é viciado antes de experimentar, certo? O usuário não tem necessidade de usar a droga se não a mãe fica cega e morre, certo? Qual é a desculpa do usuário? Bem, seja ela qual for, com certeza não chega aos pés da história de Pedrinho.

E para quem acha que o crime não compensa: hoje a facção de Pedrinho/Pedro Pedrada continua dominando o morro, resistindo às investidas dos traficantes vizinhos, e enquanto ele está preso, pagam pensão para a mãe de Pedro e para suas irmãs, não deixando faltar nada, nem remédios, nem comida, nem assistência médica. Mais eficiente que muito plano de saúde privado. O crime não compensa para o criminoso, mas para sua família sim. Deus não fica orgulhoso de quem se sacrifica e sofre para evitar o sofrimento de seus entes queridos?

Abram os olhos antes de qualquer linchamento moral, está cheio de bandido sem vergonha, mas também está cheio de Pedrinhos por aí.

Para tripudiar quem defende direitos humanos, para dizer que se eu fosse boa advogada ele estava solto ou para me esculhambar de qualquer outra forma para se livrar do inômodo que o texto causou em você: sally@desfavor.com