Não estou deprimida, não quero morrer nem estou dando sinais truncados para pedir ajuda. Esta é a Semana Mórbida e temos que tratar de assuntos mórbidos. Como já falamos em eutanásia e em outros temas polêmicos que envolvem morte, fiquei pensando em algo diferente para escrever. Foi quando surgiu a idéia de falar sobre o meu velório. São apenas idéias, que podem ou não ser colocadas em prática. Nada do tipo “voltarei para puxar seu pé se você não fizer”. Não custa informar o que me agradaria e o que me desagradaria, né? Em última instancia, isso não vai fazer muita diferença mesmo, afinal, estarei morta. Façam aquilo que mais trouxer conforto.
Tem coisa mais horrenda, deprimente e bizarra do que um velório? Acho aquilo um HORROR. Por mim, nem velório teria quando eu morresse. Mas os psicólogos dizem que é necessário para elaborar a perda, etc etc. Vão acabar fazendo um velório mesmo, então, pelo menos deixo aqui as instruções para que não seja TÃO escroto.
Primeira coisa: Peço a meus amigos que cuidem de tudo para mim, porque minha família vai estar muito abalada para pensar em qualquer coisa, somos muito unidos. Meus familiares tem que ser meros convidados, não levem trabalho para eles, cuidem disso para mim.
Vamos aos detalhes: Sem flores. Porque aquele cheiro de morte misturado com o cheiro de flores é nojento por demais. Se querem disfarçar o cheiro de formol misturado com o cheiro do meu corpitcho em decomposição, usem outro recurso. Sei lá, espalhem aqueles trequinhos de banheiro que soltam spray cheiroso na sala do velório, peidem, joguem body mist Victoria´s Secret no ar… tudo menos flores.
E nem pensem em colocar flores por todo o meu caixão. É brega. Coloquem outra coisa. Me cubram com fotos minhas, com cartas de amigos, com bombom, com qualquer coisa que não sejam flores! Se colocarem bombom ou outros doces por favor certifiquem-se ao longo do velório que não dê formiga.
O velório tem que ser em um local com FUCKIN´ AR CONDICIONADO, cacete! Coisa de mau gosto aquela choradeira misturada com a suadeira! Gente, chorar cansa! Pessoas que choram suam. Tem que ter ar condicionado. É preferível um cheirinho de formol no recinto do que cheiro de cecê. Ainda mais no meu velório, onde vai ter um monte de gente que toma produtinhos de marombeiros que deixam os fluidos corporais com odores estranhos. Ar condicionado é essencial. E vê se tem estacionamento também, porque quanto menos trabalho der para os outros melhor.
Não quero algodão no nariz. Algodão no nariz é antiestético. Eu sei que ele é necessário para que o nosso recheio não escorra pelo nariz, mas porra, TEM QUE TER outro jeito! Um tampão de silicone transparente, qualquer coisa! E se não tiver, me enterra de bruços que eu passei a minha vida toda fazendo horas de quatro-apoios e isso não pode ser em vão. Se o rosto não for viável, pode colocar o popô para cima. Isso é o que eu chamo de Plano B.
Também gostaria de uma ante-sala com comidinhas. Nada de mais. Salgadinhos que pudessem ser comidos em uma única mordida, nada de prato e talher. E docinho, tem que ter docinho porque chocolate ameniza o sofrimento. Tudo bem que pessoas próximas provavelmente não terão vontade de comer, mas porra, vamos combinar que as pessoas próximas que realmente estão sofrendo intensamente são uma minoria nos velórios. Quero fazer este mimo para os infelizes que não se importam tanto assim comigo mas estão lá para dar uma força.
Bebidas sem álcool também são bem vindas. Com álcool não dá certo, neguinho quando bebe faz merda, podem acabar urinando no caixão. Podem servir água, refrigerante e um café também, que provavelmente vai ter uma penca de pessoas com sono. Espalha tudo em uma mesinha estilo coffee break em uma ante-sala ou na entrada. Mas faz um treco farto, para todo mundo poder comer sem constrangimentos, porque vai ter gente que vai passar muitas horas ali!
E quero banner com uma foto minha onde eu esteja muito gata em tamanho real, porque não quero que a última imagem que as pessoas tenham de mim seja aquela coisa pálida e inchada do caixão! Aliás, quero muita maquiagem. Principalmente nos olhos (pretos, por favor) e blush. Pode tacar blush sem dó, até me deixar parecendo o Pikachu. Quero chegar lá no andar de baixo pronta para a festa. E não precisa me enterrar com roupa não, que é desperdício. Minhas amigas podem ficar com as minhas roupas todinhas. Se não couberem nelas, podem fazer um bazar e vender tudo.
Vê se não gastam uma grana em um caixão caro. Tanto faz um caixão de ouro ou uma caixa de sapato, eu quero ser cremada mesmo! (e ainda que fosse enterrada, ele vai acabar se desfazendo…). Funerárias são grandes fdps, você compra o caixão ultra plus máster com espelho no teto e banheira de hidromassagem e na hora de cremar eles tiram o morto do caixão fodástico e o colocam em um caixão Tabajara qualquer e revendem o caixão bom. Não ousem gastar dinheiro em caixão! É desperdício. O morto não precisa mais de conforto, quem precisa são os vivos. Fico pau da vida com isso! Geralmente as acomodações dos locais onde são realizados os velórios são bancos duros de madeira super desconfortáveis enquanto o morto tá lá todo no acolchoadinho!
Também não quero bandeiras: bandeira da Argentina, do Brasil, do Flamengo… nada disso. Nem bandeira, nem camisa. A menos que patrocinem o velório, daí pode colocar até a bandeira da ONU.
Não quero nenhuma cerimônia em nenhum templo religioso, especialmente em igreja católica. Eu sei que as pessoas tem por tradição fazer essas missas de sétimo dia e etc, mas eu acho isso um pau no cu. Sabe, dependendo do dia da semana em que você morra, isso transtorna a vida de geral! Pessoas trabalham, tem família, tem compromissos. E eu não sou católica, seria hipócrita. Já basta obrigar as pessoas a irem ao velório, não vou ficar paunocuzando com missas a cada sete ou trinta dias. Se quiser organizem uma reunião, mas sem essa obrigatoriedade de se deslocar até uma igreja. Vamos combinar, nem batizada eu fui, não tem nada a ver fazer missa para mim.
Sem música no velório. Sem coral cantando, sem nenhuma dessas coisas bregas. E se quiserem botar música, que seja axé. Mas vai ficar terrível. Realiza neguinho chorando, um caixão e ao fundo Cumpadi Uóxitu gritando “óóórdinááááária!”. Só se o pessoal do axé que estiver presente se empolgar e quiser dançar no meu velório, daí pode porque vai ter um contexto. Não seria má idéia, seria alegre. Se não estiverem muito devastados pela perda irreparável da minha pessoa, podem dar uma dançadinha porque eu quero que meu velório seja um evento alegre.
Isso mesmo, alegre. Porque eu provavelmente estarei em um lugar bem melhor (mesmo que isso implique em NADA, em ter apenas sumido da face da Terra sem ir para qualquer outro lugar) enquanto que vocês todos estarão se fodendo em um mundo onde habitam Sergio Mallandro, Faustão e Paulo Coelho. Um mundo onde Tiririca ganha eleição, Maluf ganha eleição e onde o PT se reelege! Sério que vão chorar por mim? Chorem por vocês!
Se alguém quiser fazer discurso, ok. Mas nada sentimentalóide que coloque as outras pessoas ainda mais para baixo. Contem coisas engraçadas que eu fiz ou falei. Coisas escrotas, politicamente incorretas, coisas típicas da minha pessoa. Façam quem está chorando sorrir. Lembrem dos bons momentos, mas não aqueles bons momentos clichês, pois “momentos Kodak” são bregas e que todo mundo tem. Lembrem dos bons momentos ousados, diferentes. Falem coisas que me tornem única.
Não quero símbolos da religião católica no meu velório. Se quiser colocar um Buda no meu caixão ou um colarzinho daqueles de candomblé tudo bem, mas nada católico, por favor. E não quero rezas, de nenhuma religião. Quem quiser falar com Deus que o faça em bom português, com o coração e com as suas palavras, nada de palavras prontas que além de não acreditar nisso, isso me irrita. E se aparecer um padre por lá, joguem objetos nele até que ele se retire.
E não precisam ir de preto. É meio deprimente. Sem contar que eu posso cometer a inconveniência de morrer no verão e preto no verão é foda. Nem precisa ser nada formal, vistam-se como se sentirem melhor. Eu estarei sem roupa mesmo…
Se eu estiver velha e enrugada, puxem as pelancas para trás da orelha e colem com alguma fita adesiva (lifting de pobre), quero morrer parecendo mais jovem do que sou. Não me deixem com nada de valor: anéis, brincos etc. neguinho rouba essas coisas! E por favor, certifiquem-se que minhas sobrancelhas estão feitas e simétricas.
Não deixem pessoas que não gostavam de mim ou pessoas das quais EU não gostava entrarem. Amigo do morto pode tudo, aproveitem esse poder temporário e coloquem a pessoa para fora debaixo de cacete. Todos vão perdoar e vão dizer que tudo bem ter perdido a cabeça, afinal, a amiga morreu. Abusem disso e me garantam um velório não-hipócrita. Já chega a penca de gente escrota para a qual eu tive que sorrir durante toda a vida, depois de morta eu quero honestidade.
Passem perfume em mim! Não quero feder a morto nem a formol. Passem um perfume forte tipo um Premier Jour da Nina Ricci ou um Amor Amor da Cacharrel. Não economizem, quero ser uma morta perfumada (mas sem feder o ambiente, ok?)
Se o Somir acender um único cigarro no meu velório, todos tem a permissão e a obrigação de dar uma grande surra nele, ali mesmo, no local.
Eu quero ser cremada. Geralmente as pessoas são cremadas no dia seguinte ao velório. Ninguém precisa pernoitar comigo no lugar do velório porque eu estou morta, não tem mais como alguém me fazer mal. E ninguém precisa ir na minha cremação, porque essas coisas costumam ser realizadas em lugares situados na puta que pariu do cu do mundo. Pessoas tem uma vida (não eu, no caso, que estarei morta, mas o resto sim). Todos sintam-se desobrigados indo apenas ao velório. Se precisar de algum formulário ou documento para cremação não tenham dó de falsificar minha assinatura.
Os poucos que quiserem acompanhar a cremação, façam uma última checagem se eu não estou viva antes de me colocar no forninho (Auschwitz feelings). Não havendo indícios de que estou viva, deixa queimar. Se não acharem muito mórbido, peguem as cinzas, coloca em uma urna bem bonita e me deixem lá na sala de jantar. Se mais de um quiser as cinzas, divide um pouco para cada. Batam um papo com as minhas cinzas de vez em quando, ajuda a superar a perda. Vai que em algum lugar eu estou escutando e posso ajudar?
Se acharem essa coisa de manter as cinzas dentro de casa muito mórbido podem me fumar. Como provavelmente o único fumante dentre meus amigos queridos vai ser o Somir e espero que até lá ele já tenha parado, se ninguém quiser me fumar, façam alguma boa trollagem com as minhas cinzas. Mas por favor, nada de jogar cinza em planta, cinza no mar… vocês sabem o quanto eu odeio a natureza, não quero contato com a natureza nem depois de morta! Me deixa no ar condicionado, do lado da TV de plasma.
Se quiserem fazer uma gracinha extra, um Easter Egg, escrevam na urna onde guardarão as minhas cinzas “Aqui jaz um Desfavor”.