Também poderia chamar este texto de “A teoria do inusitado confortável”, mas o título original me parece mais chamativo. O meu objetivo hoje é analisar dois arquétipos muito comuns no imaginário afetivo das pessoas. Tenham em mente que os exemplos que dão nome à coluna de hoje são mais condizentes com o modelo de ciumento racional, algo mais próximo deste que lhes escreve.
Tenho uma teoria (eu sempre tenho uma teoria…) que diz que basta juntar dois termos supostamente contraditórios para se achar a “pessoa dos sonhos” de praticamente qualquer um. Rico humilde, valentão carinhoso, ciumento racional, insensível atencioso, político honesto, mulher inteligente (mulheres inteligentes sabem o significado da palavra “supostamente”)…
Essa busca pelo inusitado confortável é muito comum. Homens e mulheres buscam parceiros que valorizem sua própria noção de serem únicos e especiais. Queremos alguém que só nós poderíamos ter achado, mas que ao mesmo tempo nos posicione de forma vantajosa em relação às outras pessoas. Eu sei, eu sei… O texto está um pouco confuso ainda. Por isso temos os exemplos do título para ilustrar de forma mais simples o que eu quero dizer com a teoria do “inusitado confortável”.
É provável que você não se identifique totalmente com esses objetivos de pessoas, mas é muito provável que você perceba como o mecanismo é muito parecido para vários outros exemplos. O tipo de pessoa “ciumenta racional” me parece a mais comum, aquela pessoa que não é imune ao ciúme, mas ao mesmo tempo não se entrega totalmente ao sentimento. É uma espécie de equilíbrio entre o que se quer de verdade e o que funciona na vida real. “Não prenda demais, não solte demais”. Um pouco de experiência de vida é o suficiente para aprender essa regra.
Eu, por ser um ser humano egoísta e possessivo, ainda estou no processo de entender melhor como não me prender nas armadilhas que esses comportamentos vivem me apresentando. Para dar nomes aos bois e compreender melhor como eu funciono, cunhei o termo “virgem experiente” para definir a minha mulher ideal.
O que é uma virgem experiente? Bom, com certeza ela não é virgem. Eu sei que não faz o menor sentido, mas basta trocar a expressão por “irracional racional” que os termos começam a demonstrar seu verdadeiro significado.
A virgem representa o irracional. Entendam “virgem” nesse exemplo não como uma mulher que não teve sua primeira relação sexual com penetração, entendam como uma mulher completamente intocada. Não é realidade, é um conceito insano, uma pessoa que só existe na mente. O desejo possessivo de ser dono do passado, presente e futuro afetivo de uma mulher. Mas nada nessa vida vem sem conseqüências: A virgem não vai ter nenhuma capacidade de lidar com uma relação adulta. A virgem seria uma criança ou uma mulher tão repulsiva ou maluca que ninguém chegou perto dela até hoje. A virgem não é atraente.
A experiente representa o racional. A experiente pode ser tratada completamente no campo da realidade. Uma mulher que já entende como as coisas funcionam, uma mulher que já sabe o que quer, e principalmente: Uma mulher que não fica parada feito uma almofada na cama. A experiente é atraente, real e não enche muito o saco por ser mais segura de si. (SPOILER: Uma pessoa que nunca te enche o saco não existe.)
Oras, então por que não apagar essa “virgem teórica” da mente? Caros leitores, podem ter certeza que se uma pessoa como eu soubesse como desligar a irracionalidade, já teria feito isso há muito tempo. O ciúme e a possessividade são companhias constantes desse que lhes escreve. E eu duvido muito que não acompanhem a maioria de vocês. Algumas pessoas lidam muito bem com isso, outras nem tanto.
Durante muito tempo eu decidi sufocar tudo debaixo de uma camada de indiferença, tentando (como sempre) deixar o resto da humanidade estúpida sofrendo à toa por seus desejos “inferiores”. Pois é… às vezes funciona, às vezes não. O irracional é muito mais forte do que imaginava.
Enquanto eu fazia o papel de indiferente para satisfazer o desejo de estar no controle, o meu inconsciente me pregava uma peça daquelas… Eu estava ativamente procurando e me relacionando com quem me lembrava mais do conceito da “virgem”. Esqueci da minha regra básica: Conheça o inimigo.
Quando não se sabe contra quem você está lutando, a tendência é que você bata justamente onde não vai ter resultado. A indiferença em relação ao que me movia a procurar as “virgens” (ciúme e possessividade) era justamente a forma mais inútil de trabalhar com isso. Mais ou menos como deixar de fechar a porta de casa para evitar que ladrões roubem suas coisas.
A contradição enorme presente na idéia de “virgem experiente” garante que não se possa achar essa pessoa. Não se tratar os termos como idéias absolutas. (Eu disse que ficaria mais simples, né? Eu sempre minto quando digo isso.)
Existem formas de se lidar com essa idéia, e a mais racional é procurar pela pessoa que tem a maior parte das características que você quer (dã). Como é natural que os desejos sejam contraditórios (inusitado confortável), você se obriga a fazer várias escolhas sobre o que é mais importante. E esse é ponto chave: Escolhas. Tem coisas que simplesmente não combinam.
Exemplo: Possessividade retroativa (ou: ciúme do passado, ou: maluquice total) não combina com uma mulher da categoria “experiente”. O correto é “desligar” essa irracionalidade de querer ser dono do passado de alguém e aproveitar todas as vantagens de ter encontrado alguém que tem o que se quer.
Mas nem eu tenho essa capacidade de ligar e desligar irracionalidades assim. Acreditem em mim quando digo que já tentei de todas as formas que pude. Não dá para fazer isso de forma eficiente sem lidar com alguma manifestação incontrolável do subconsciente depois.
Minha fórmula de (relativo) sucesso foi simples: Manter o inimigo por perto. (E vou ser honesto: Sally foi essencial nesse processo de perceber o que eu estava fazendo de errado. Mesmo odiando ela momentaneamente por causa do texto de ontem, ela merece o crédito de ter me “salvado” dessa armadilha inconsciente.)
A partir do momento em que você escolhe o ponto principal (no meu caso, a “experiente”) do que realmente quer, basta lidar ativamente (ciúme e possessividade) com os problemas decorrentes do que faltou do seu ideal inusitado confortável. (A “virgem”.) Dificilmente essa contradição vai te abandonar, mas é bem mais fácil lidar com ela assim que você sabe o que priorizar no final das contas. “Não prenda demais, não solte demais”.
O que me leva a uma espécie de contraponto feminino da idéia da virgem experiente. O “galinha fiel”.
Provavelmente por questões evolutivas da nossa vida como espécie em grupos dominados por machos-alfa (não é machismo, é o simples funcionamento do ser humano primitivo), temos uma variação curiosa aqui. Enquanto o homem vai enxergar mais primitivamente a parte “virgem” da mulher como vantagem irracional primária, a mulher vai enxergar a parte “experiente” da mesma forma.
O macho-alfa pegava as fêmeas primeiro e não dividia mais. Era a sua medida de sucesso. As fêmeas buscavam justamente o melhor macho, que era definido pelo que já tinha mais fêmeas ao seu dispor.
Abordagens evolucionistas combinam muito com o que ainda temos de irracional em nossas mentes. Os milhares de anos de sociedade complexa mudaram várias coisas, mas não nossos instintos.
O “galinha fiel” nada mais é do que um macho-alfa de uma fêmea só. Eu não posso me aventurar muito pela forma como uma mulher pensa pelo simples fato de não ser uma. Mas eu posso traçar alguns paralelos em relação ao que percebo delas em relação ao que eu penso e ouço de outros homens com freqüência.
Uma mulher que é vista com vários homens diferentes normalmente ganha uma conotação negativa com um homem que quer algo a mais do que um “lanchinho”. Um homem que é visto com várias mulheres diferentes parece ligar alguma forma de valor inconsciente para mulheres que querem algo a mais do que uma relação rápida.
O valor da exclusividade é feminino, o valor do melhor reprodutor é masculino. Mas esses são conceitos completamente arcaicos, de um tempo onde a nossa sociedade funcionava na prática de forma totalmente diferente do que é agora. Não basta apenas o básico do instinto de reprodução, queremos as vantagens do outro gênero também.
E as coisas “viraram” de acordo com o passar do tempo. Tanto tempo buscando a grama mais verde do vizinho criaram desejos de ter o melhor dos dois mundos.
Homens e mulheres querem os melhores e mais desejados por outros exclusivamente para eles. De um lado, o instinto mantendo a pressão pelas escolhas baseadas por ele, do outro lado desse cabo de guerra, a mente procurando formas de ter todas as vantagens possíveis.
O confortável é o instinto nos dizendo o que precisamos para fazer nossos papéis sexuais da forma “certa”. O inusitado é a racionalidade buscando situações novas e mais satisfatórias para nossa vida.
O confortável evita que nos destruamos, o inusitado melhora a qualidade da vida.
A “virgem experiente” e o “galinha fiel” são definições do que buscamos. Cada pessoa pode enxergar termos e definições diferentes para essas idéias, mas a contradição entre instinto e racionalidade está sempre ali.
Se tem alguma lição neste texto, é que a irracionalidade faz parte da vida e deve ser vigiada de perto. Se suas escolhas no campo afetivo parecem dar errado vez após vez, pode ser a hora de perceber de que lado você está, que parte vale mais a pena. A contradição faz parte do processo e não se pode ter tudo que quer.
Para dizer que não entendeu nada mas que percebeu que eu acabei escolhendo a opção “mulherzinha”, para dizer que o texto mudou completamente de sentido e que eu sou maluco, ou mesmo para dizer que essa coisa de ciúme e possessividade são coisas de seres humanos inferiores: somir@desfavor.com