Escala de nerdice: 5.8928388109032984293299991001000009212
Como normalmente faço, decidi o tema desta coluna alguns minutos após abrir o editor de texto e começar a escrever. Uma das minhas táticas é escrever um título praticamente aleatório e ver se consigo desenvolver. Desta vez escrevi “inteligência artificial”, mesmo sem saber muito bem de onde saiu isso. Não tinha visto nada sobre o assunto recentemente e uma página em branco não é algo lá muito inspirador para o tema.
Mas, de alguma forma, surgiu uma idéia para seguir em frente com uma variação do título inicial. E a idéia tem a ver com a forma como ela surgiu. Sim… wat.
E mesmo nesse momento, onde já estou escrevendo a abertura da coluna, ainda não tenho muita idéia sobre como vou desenvolver a idéia sobre a qual vou me basear. Mas, que seja, é uma forma bem humana de se expressar.
Vamos então à inteligência artificial.
Nos vários e vários filmes, séries, gibis e jogos de ficção científica (livros são para perdedores) que já vi, sempre me pareceu “estranho” que os robôs nunca fossem capazes de produzir arte da mesma forma que um ser humano.
Claro, eu entendia a analogia com a “alma” humana e a impossibilidade de um ser sem emoções produzir algo tão cheio de significados emocionais como a boa arte. Mas apesar de entender qual o objetivo conceitual das cenas, achava aquilo meio mal contado.
Como se fosse uma espécie de preconceito contra algo que ainda nem existia. Uma forma de diminuir as supostas máquinas dotadas de consciência para não nos sentirmos tão obsoletos.
Afinal, uma inteligência artificial teria praticamente todas as vantagens de um ser vivo, sem as desvantagens. Um robô não precisa comer, respirar, cagar… (morra de inveja, Sally) Um robô inteligente ainda pode se aproveitar da fragilidade da vida biológica para se tornar o dono da humanidade (roteiro batido).
Tremei, máquinas, pois se vocês são imortais, nós somos mais artísticos! Há! Acabamos com eles, não?
Claro que na vida real ainda estamos terrivelmente longe de uma verdadeira inteligência artificial, daquelas que sabem que existem e que podem aprender e evoluir sem intervenção humana. E por terrivelmente longe nesse tempo de evolução tecnológica exponencial pode ser 20 ou 200 anos… Mas de uma coisa eu não duvido: Uma inteligência artificial imitando a humana não é impossível e eventualmente estará disponível numa loja pertinho de você. (Por “você” eu quero dizer algum descendente seu…)
Mas, voltemos ao assunto da arte humana e a sua suposta irreprodutibilidade robótica. Um dos maiores clichês ao se retratar uma inteligência artificial nessa área é o caso da pintura de um quadro… O robô observa uma paisagem e começa a pintar numa velocidade impressionante. O resultado é quase sempre uma reprodução fotográfica da cena.
O robô é incapaz de enxergar algo além da cena, ele é incapaz de representar algo diferente do que consegue captar. Mas aí que sempre surgiu a minha impressão de que algo estava errado…
As brilhantes mentes que programaram essa inteligência artificial que não tinham a menor noção do que seria essa “alma” da arte humana. O robô foi programado para tomar as melhores decisões possíveis dentre uma quantidade de variáveis que simplesmente não cabem nas nossas cabeças.
Um robô com a capacidade de pintar um quadro perfeito, programado para tomar as melhores decisões… Não tinha como ser diferente. O que não quer dizer que o robô jamais conseguiria pintar como Picasso, por exemplo…
Basta o robô ser programado para tomar decisões aleatórias, limitar sua percepção e esperar até que um dos quadros seja cubista. Infinitos macacos em infinitas máquinas de escrever reproduziriam sim a obra de Shakespeare. Tanto que foi exatamente o que aconteceu na vida real.
Alguém poderia dizer sobre uma inteligência artificial: “Queria só ver esse robô pegar um pincel e fazer o que Salvador Dalí fazia!”, bom, eu queria só ver OUTRA pessoa pegar um pincel e fazer isso. Reproduzir é uma coisa, criar é que são elas. A quantidade de fatores que precisam estar reunidos para criar a mente única de uma pessoa é tão avassaladora que mesmo sendo virtualmente idênticos em nossos códigos genéticos, alguns humanos conseguem seguir por caminhos criativos tão únicos ao ponto de jamais serem repetidos.
Considerando que já nasceram mais de 100 bilhões de seres humanos nesse planeta, estamos muito próximos mesmo da analogia dos macacos e as máquinas de escrever. A diferença é que existe um bom grau de consciência nesses macacos pelados e isso nos direciona a seguir pelos caminhos mais corretos desde o começo.
QUANTAS PESSOAS não compuseram músicas antes de Beethoven? A probabilidade de um de nós chegar nesse nível de criatividade e excelência é tão baixa que esse compositor ainda é relevante séculos depois de sua morte. 20 bilhões de macacos tentaram, e só um escreveu a página certa.
Não tiro o mérito de nenhum grande artista por causa desse fator de probabilidade, afinal, “Queria só ver eu fazer isso…”. Mas isso corrobora com a idéia de que boa parte dessas decisões artísticas humanas provém da aleatoriedade. Quando um artista resolve tomar um caminho improvável, pode ser por falta de outras opções em mente, alguma limitação física ou mental, ou mesmo por incapacidade de fazer o que estava imaginando em primeiro lugar.
Que, adivinhem só, são constantes na vida de todo mundo que não é robô. Quantas vezes não deixamos de tomar a decisão mais simples/racional/óbvia em nossas vidas? Existe sim uma limitação na capacidade humana que torna nossas ações imprevisíveis. Que gera resultados absolutamente anômalos em relação ao padrão, seguidas vezes.
Esse teórico robô que só pinta quadros “fotográficos” é muito mais avançado que qualquer gênio das artes plásticas. Ele toma as melhores decisões para representar uma cena, cada mancha de tinta corresponderia exatamente ao local onde deveria estar de acordo com a imagem captada.
Se quisermos emular essa criatividade típica nossa numa máquina, ela vai ter que ser limitada propositalmente, e ainda por cima tomar decisões equivocadas com freqüência. Posso até imaginar como se programaria isso, mas até mesmo para um texto com aviso de nerdice no começo seria um abuso.
Com um bom planejamento uma máquina pode criar obras de arte ainda mais inovadoras e brilhantes do todos os “infinitos macacos” juntos. A aleatoriedade e a limitação são partes integrantes da evolução do nosso pensamento, e da vida como um todo.
Quem repete a melhor escolha seguidas vezes está sempre fazendo a mesma coisa. Se por um lado a melhor escolha tem seus ganhos, por outro quer dizer que apenas uma linha de possibilidades está sendo explorada. Grandes invenções (e CERTEZA que a maioria das grandes obras de arte) surgiram de distrações e erros que afastaram seus criadores do caminho planejado inicialmente.
Uma inteligência artificial teria que ser forçada a errar, sabendo que está errando, para conseguir esse fator surpresa. Mas como é tudo aleatório, uma espetacular obra de arte pode ser perdida para sempre na memória de uma dessas máquinas, pelo simples fato de outra forma de representação ter sido escolhida.
Quantas espetaculares obras de arte já se perderam até hoje antes mesmo de saírem da mente de seus autores? Ou mesmo na sua mente, caro(o) leitor(a)? Numa fração de segundo pessoas tomam decisões pela simples necessidade de um resultado.
Sim, uma inteligência artificial poderia ser uma grande artista. Desde que seja feita para isso. Mais ou menos como gênios artísticos são gerados: Numa sequência tão única que é como se a pessoa não pudesse evitar de se expressar da forma como a faz.
Talvez goste-se mais da idéia do andróide como sendo o ser limitado pela própria vontade de ser superior. De ter algo único intimamente ligado ao que se é, algo que não pode ser copiado, imitado ou tornado obsoleto.
Bobagem. Não tem nada na existência humana que não possa ser copiado, imitado ou tornado obsoleto por um ser/objeto imortal e programável, claro, dado o tempo certo para a tecnologia dos infinitos macacos chegar nesse ponto.
Se eu tivesse pensado nesse texto com muita antecedência, teria tomado melhores decisões e escrito de forma mais acessível, mas dificilmente teria paciência para escrevê-lo.
Para dizer que isso foi… foi… foi… sabe-se lá o que, para dizer que eu não devo postar bêbado, ou mesmo para dizer que a escala de nerdice te enganou hoje: somir@desfavor.com