Mais um da série: “Parecidos, mas completamente diferentes”. Sally e Somir divergem sobre a necessidade de se manter contato constante com os amigos mais próximos. Enquanto ela cultiva a relação, ele é um desnaturado natural.

Tema de hoje: Amizade precisa de manutenção?

SOMIR

Não. Talvez hoje estejamos discutindo mais a diferença entre como homens e mulheres enxergam amizades do que essa questão de manutenção em si. O desleixo tradicional masculino acaba rendendo amizades menos problemáticas e mais duradouras do que as femininas…

É de praxe ouvir que mulher tem mais dificuldades de montar boas amizades dentro do mesmo sexo do que os homens, e não se pode negar que exista um fundo de verdade aí. Com o que eu não concordo, contanto, é o motivo dessa diferença. É babaquice demais, até para mim, dizer que isso é resultado de um caráter menos desenvolvido entre as mulheres.

As expectativas femininas em qualquer relação que acabam criando essa peculiaridade no sexo frágil (antes que alguma feminista reclame: “sexo frágil” é uma expressão elogiosa mal traduzida para o português e não tem porra nenhuma a ver com fraqueza no original).

Enquanto elas tendem a exigir mais proximidade “aparente”, eles preferem ter seu espaço respeitado. Mulheres são mais propensas a sufocar uma pessoa querida justamente por isso (e pensem antes de pentelhar: um exemplo específico não desvaloriza uma afirmação genérica).

Mulheres tendem a adicionar uma carga extra de responsabilidades numa relação que JÁ funciona muito bem por si só, no caso a amizade. Algo mais raro de ser encontrado no sexo oposto.

E a necessidade de atenção representa um papel decisivo nisso: Quanto menos você precisa ser notado e reconhecido, menos você onera uma relação com outra pessoa. E, por favor, vamos concordar que numa vida tão complicada como a que vivemos, trabalho extra desnecessário é tudo o que NÃO precisamos.

Obrigar um amigo a manter a proximidade “aparente”, ou seja, aquela conquistada apenas com contato constante, não o faz necessariamente ter uma proximidade REAL com você. Tem muita gente que você vê no dia-a-dia que não considera amigo. A proximidade real é aquela conquistada depois de muito tempo, com boas doses de confiança e respeito. Você enxerga aquele amigo como alguém com quem pode contar para os momentos bons ou ruins, alguém que está ao seu lado quando você precisar.

Mas a não ser que você seja muito carente ou problemático, não PRECISA alugar essa amizade o tempo todo. A rotina normal nos obriga a tomar caminhos diversos o tempo todo, é natural que o contato com amigos mais queridos tenha suas fases de intensidade. Quando tudo conspira a favor, ótimo, aproveita-se! Quando não, você não precisaria ficar preocupado com a manutenção dessa relação. Para quê colocar essa pressão numa pessoa que você gosta? Vai mudar sua vida se fulano ou fulana passar um tempo sem se comunicar com você?

Não tem nada a ver com o quanto você valoriza a amizade, isso se mede nos momentos de necessidade. Manutenção no sentido de ficar pentelhando alguém para manter contato com você consegue no máximo provar o quanto você não confia nessa amizade. Se for algo tão ralo a ponto de desfiar com algum tempo de separação, é porque não fazia muita diferença na vida de nenhuma das pessoas envolvidas.

Existe uma diferença BRUTAL entre amizades e relacionamentos amorosos, e ela é a atração física. E a não ser que você precisa dessa atração na relação, pouca ou nenhuma diferença prática surge da proximidade “aparente” constante. Até mesmo ligar para botar o papo em dia em intervalos definidos parece uma artificialidade, ranço do costume de “marcar presença” numa relação amorosa.

Quando você tira essa pressão das suas amizades, elas mostram suas verdadeiras caras, porque amigo se É, não se está de acordo com o quanto te paparicam. Até porque se é pra puxar saco, consegue-se manter relações com praticamente qualquer um. Não precisa ser uma amizade sincera se fizer esse tipo de manutenção…

Quer atenção constante? Compre um cachorro. Quer uma das relações mais honestas e valiosas possíveis entre seres humanos? Relaxe um pouco!

Óbvio que ser mais relaxado não significa maltratar seus amigos e esperar que tudo continue numa boa. Favor não confundir tirar a pressão com má-vontade. Os melhores amigos ainda tem uma das maiores prioridades na minha vida: “bros before hos, yo!”.

Mas amizades não são montadas ao redor de obrigações, são decorrentes principalmente de conveniências. O amigo facilita sua vida.

Eu sou de poucos e bons amigos, eu sei quem eles são, sei que posso contar com eles e sei que eles sabem que podem contar comigo, mesmo não sendo lá muito presente. Não precisa dessa frescurada toda de “fazer social”. Até porque quem gosta de puxação de saco desiste de mim rápido.

No final das contas, você vai terminar mais “seguro” nas suas amizades se filtrar quem exige coisas alheias ao tipo de relação do seu convívio. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Para me chamar de morto por dentro (bem-vindo ao clube), para dizer que entende porque não querem manter contato comigo, ou mesmo para me parabenizar por conseguir pentelhar as mulheres em qualquer assunto: somir@desfavor.com

SALLY

Amizade precisa de manutenção? SIM! Qualquer relacionamento nesta vida precisa de manutenção. Mas a Madame aqui de cima se acha tão maravilhosamente imperdível que chega a presumir que seus encantos naturais dispensam essa manutenção. A honra de ser amigo de Siago Tomir o exime de dar uma ligadinha eventual para o amigo para saber se está tudo bem.

A discussão de hoje se funda no conceito da palavra “manutenção”. Não vamos atribuir à palavra “manutenção” um conceito caricato e exagerado para tentar fazer parecer que amizade não precisa de manutenção. Um pouco de cuidado, carinho e atenção com seus amigos é fundamental. Eu disse AMIGOS, e não aquele seu camarada de balada. E eu disse UM POUCO de cuidado, carinho e atenção e não ficar sufocando e puxando o saco. Este carinho pode ser demonstrado de formas diversas, não precisa ser necessariamente mandando cartão meloso na data do aniversário. Pode ser, por exemplo, deixando de ir a uma festa para ficar com aquele amigo que atravessa um mau momento ou ainda falando aquela verdade que seu amigo precisa ouvir e mais ninguém tem coragem de falar. É estar presente, estar por perto, estar atento.

A manutenção é importante para qualquer relação, porque sem ela é natural que as pessoas se distanciem e acabem tomando rumos diversos de suas vidas, perdendo o interesse umas nas outras.

A manutenção de uma amizade não precisa ser nada muito custoso nem trabalhoso. Fazer manutenção significa apenas não deixar largado ao acaso. Ligar para saber como a pessoa está, ligar em momentos importantes para dar apoio ou saber se a pessoa precisa de ajuda ou ainda se fazer presente em ocasiões onde você sabe que pode ser útil sem que a pessoa sequer tenha que pedir. Tem que estar presente na vida da pessoa, se não, COMO você vai saber quais são os momentos importantes e quando eles acontecerão? Sabe aqueles pequenos cuidados, aquelas gentilezas que temos nos começos de relacionamentos (qualquer tipo de relacionamento), quando queremos “conquistar” a pessoa? Pois é, esses cuidados, essas gentilezas, devem continuar mesmo após anos de amizade. É um esforço que vale a pena.

Não existe essa conversa de ficar meses sem ter contato com a pessoa e não perder intimidade ou confiança. Meses e meses sem contato, sem cultivar a amizade, criam um distanciamento. É preciso estar a par do dia a dia do seu amigo e dos últimos acontecimentos para aconselhar e para entender o contexto. Supõe-se que se a pessoa é sua amiga, sente sua falta e quer saber de você. Manter o vínculo é fundamental, como quer que seja feita essa manutenção. Ninguém é tão maravilhoso a ponto de ficar sem falar com o amigo por seis meses e ao reencontrá-lo ter a mesma afinidade e confiança.

Vou além: se um amigo some da vida do outro por meses, está dando uma clara demonstração de desinteresse (salvo motivos excepcionais). A pessoa que o aceita de volta como se nada tem sérios problemas de autoestima. O conceito de amizade não é esse. Sumir por fases é coisa de colega de farra. Talvez eu seja muito exigente com as minhas amizades, mas acho que tenho razão em não ficar dando muita moral para quem faz esse tipo de coisa.

Vamos parar com esse idealismo romântico de achar que se for amizade de verdade (também se aplica para amor) vai ser para sempre e vai se alimentar sozinho. Amizade não é um sentimento mágico que cresce ou se mantém sem qualquer esforço. Qualquer laço afetivo demanda trabalho e cuidados. Sim, é isso aí, você não é tão especial e as pessoas se afastarão de você caso você não cultive a amizade fazendo uma manutenção. Sim, sua personalidade cativante e seus lindos olhos não bastam para que a pessoa seja sua amiga eterna. E sim, tal qual o amor, mesmo sendo de verdade, a amizade acaba se não cuidar bem dela fazendo uma manutenção.

Amigos tem que estar por perto. Amigos tem que ligar para saber como está a vida. Amigo não é Pronto Socorro que você só procura quando está na merda e precisa. Não é essa a idéia de amizade. O apoio de um amigo é muito importante quando estamos na merda, mas a melhor parte da amizade é justamente a outra: a troca de idéias quando está tudo bem, as conversas, a sensação de que alguém te conhece melhor do que você mesma. Esse papo de “se precisar o Fulano liga e eu estarei lá” não me convence, porque eu quero que meus amigos estejam lá não porque eu preciso e sim porque eles tem interesse em mim e querem passar seu tempo livre comigo.

Para dizer que ficar ligando para saber como está é coisa de mulherzinha, para dizer que quem precisa de manutenção é carro ou ainda para dizer que o tema de hoje conseguiu ser ainda mais chato que o do ET: sally@desfavor.com