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Homem de mentira.

Homem de mentira.

| Desfavor | | 7 comentários em Homem de mentira.

Mesmo com inúmeros incentivos da natureza e da sociedade, homens e mulheres tem várias dificuldades de convivência. Mas para Sally e Somir algumas parecem artificiais. Em questão de homem, ambos discordam sobre qual o pior mito do gênero. Os impopulares opinam.

Tema de hoje: qual a maior mentira que contam sobre os homens?

SOMIR

Eu quero me concentrar no conceito de “masculinidade tóxica” hoje. Porque a simples existência dessa expressão já denota uma imensa mentira: que ela exista.

Precisamos entender uma lógica básica sobre… tudo: é difícil definir causa se você não controla as variáveis. Tem gente que acha que um ritual ou outro aumenta a probabilidade de chover. Talvez alguém tenha feito um ritual torcendo por chuva antigamente e calhou de chover em sequência. Existe uma sequência lógica entre ritual e chuva, mas é óbvio que não quer dizer que a única explicação é que algo ou alguém tenha visto o ritual e decidido precipitar a umidade do ar, não? O clima é cheio de variáveis, impossível de prever com certeza. Bilhões de coisas podem ter acontecido para gerar aquela chuva, o ritual é uma.

Assim como não é inteligente achar que existe relação obrigatória entre uma dança qualquer e a probabilidade de chover, não é inteligente achar que o simples fato de ser homem gera os comportamentos negativos tratados como masculinidade tóxica. Com exceção de algum detalhe específico na utilização da genitália masculina, são coisas que mulheres podem fazer também.

Desonestidade, abuso, violência, manipulação e tudo mais que homens ruins fazem com mulheres, mulheres podem fazer também. Claro, em média homem é mais forte fisicamente, mas não faltam casos de violência doméstica em casais de lésbicas. E mesmo em coisas mais mundanas como ocupar muito espaço no metrô com as pernas abertas, mulher também tem perna. Se não ocupam com elas arreganhadas, sempre tem uma que coloca a bolsa no banco ao lado. É gente folgada.

Se para você masculinidade tóxica é algo relacionado com esse tipo de comportamento egoísta, antissocial e explorador… isso não é relacionado com ser homem, é relacionado com ser humano. Homens, mulheres e todos os entrepostos conhecidos podem ser assim, e todos precisam ser controlados para não infernizar a vida alheia. Evidente que uma pessoa fisicamente mais imponente vai ter propensão maior a usar a força para intimidar os outros, mas não precisa ser homem para ser mais forte que outra pessoa. É sobre a comparação.

Então, o primeiro ponto é: ser uma pessoa merda não é algo que dependa do gênero. Essa variável não cabe na ideia de homens serem inerentemente piores na convivência se suas características mais inatas não forem controladas. Qualquer pessoa mal criada vai ter problemas, não apenas homens.

E aí, o segundo ponto: alguns dos comportamentos mais comuns em homens são absolutamente inofensivos ou no máximo levemente incômodos se o homem em questão não for um ser humano ruim. Um homem que não acha aceitável bater em mulher pode ser meio grosso às vezes, e mesmo que faça uma mulher ficar triste por algum tempo, se a base dele for boa, ela vai ficar bem.

Poderia ser mais sensível ao falar as coisas? Poderia. Isso configura masculinidade tóxica? Não. Não é tóxico viver com gente mais direta, pode ser meio chato para algumas pessoas, mas se não tiver os defeitos de mentira, covardia e abuso, vai ficar tudo bem. E vai para várias outras coisas do jeitão mais espalhado com o corpo e mais fechado com os sentimentos. Se esse cidadão for uma pessoa decente, não “envenena” ninguém igualmente decente.

Já vi muita mulher reclamando que foi trabalhar num ambiente masculino e se sentiu excluída. É masculinidade tóxica? Não. É incompatibilidade. Nem precisa ser homem para se sentir melhor na companhia deles. Alguém perguntou se essa mulher não era uma chata? Você pode ser muito legal para a sua turma, mas cair em outro grupo e ninguém achar muita graça em você. É normal que pessoas mais focadas em objetos sejam complicadas para quem é mais focada em socialização. Tem um mundo de diferença entre não achar graça em você e te tratar mal.

E uma que me dói o cérebro: gente dizendo que gostar de mulher bonita é masculinidade tóxica. Que querer ver peitos de alguma forma é algo naturalmente danoso para a sociedade. E mais, que ser ativo e insistente para conquistar uma mulher é algo relacionado com estupro. Não é masculinidade tóxica, é masculinidade normal. O cidadão que passa do ponto de alguma teimosia para o campo de perseguição ou ameaça é tóxico. Querer fazer sexo com mulheres que acha atraentes é a coisa mais banal do mundo.

Muitas vezes vai dar errado e o interesse do homem não vai bater com a da mulher. Isso é chato, isso não é tóxico. Não existe comportamento antissocial aí, é só a humanidade sendo humanidade. O que é negativo em todos esses casos é a escalada de um comportamento comum de homens para um comportamento comum de gente podre. A parte tóxica da coisa é unissex.

Homem pode ser tosco sem ser tóxico. E para a mulherada, fica a dica: normalmente se seu homem está sendo tosco, é porque ele está à vontade e provavelmente feliz. Arrotar alto e dar tapa na bunda quando passa é nosso abano de rabo, o bicho está bem. Deixa os meninos serem meninos, e no minuto que virar abuso ou violência, cai fora porque você está do lado de uma PESSOA ruim.

E francamente, mulher que quer manter o homem com comportamento mais feminino (contra a vontade dele) normalmente é alguém que já está bem fodida da cabeça, por más influências de cabelo colorido ou por traumas de pessoas tóxicas. Não existe masculinidade tóxica, existe personalidade tóxica. Ser homem nunca teve conexão com isso.

SALLY

Qual é a pior mentira (no sentido de a mais nociva) que inventam sobre os homens?

São muitas, muitas mesmo. Muitas injustiças são cometidas com os homens, mas, tendo que escolher apenas uma, eu diria que é esse discurso babaca de que nenhum presta.

Para começo de conversa, essa burrice “generalizatória absoluta” é sempre uma red flag. Sabemos que para tudo nessa vida existem tendências, mas quem diz “todo”, “nenhum”, “sempre”, “nunca”, quem não admite exceções, geralmente tem merda na cabeça. Esse discurso de “todo homem isso, todo homem aquilo” é tenebroso.

Além do absurdo em si, considero ser a pior mentira pois tira a responsabilidade das pessoas pelos próprios erros. Não percebeu os sinais e acabou se casando com um marido abusivo? Tudo bem, nenhum homem presta, não foi você, são os homens. Foi traída e não consegue terminar por dependência emocional? Tudo bem, nenhum homem presta, não precisa fazer terapia. Percebem para onde isso vai?

Esse argumento de “nenhum home presta” não prejudica apenas aos homens, prejudica a todos, pois impede que mulheres percebam sua responsabilidade pelas escolhas que fizeram e impede inclusive que saiam dessas situações ruins, pois, se “nenhum homem presta”, não adianta trocar, vai ser tudo igual.

Ainda temos a banalização do “prestar”. O que é uma pessoa que não presta? Certamente para muitas pessoas eu não presto e para outras você não presta. Não é algo objetivo, não tem como decretar um conceito universal do que é “não prestar”. E se esse conceito não pode ser estabelecido, muito menos dizer que todos se enquadram nele.

Fora a arrogância de se sentir no direito de decretar que 4 bilhões de pessoas “não prestam”. Eu entendo a figura de linguagem quando falamos de um grupo pequeno, por exemplo, de dizer que político brasileiro não presta, pois a maioria não presta mesmo, mas achar que 4 bilhões não prestam é esticar demais a corda.

E esse discurso envenena mentes desde a infância. Justamente por ser um discurso que exime as pessoas de responsabilidade, é muito bem aceito. Não é incomum que crianças, principalmente meninas, cresçam escutando que “homem não presta” de suas mães, figuras de autoridade que, na cabeça da criança, sabem tudo e só falam verdades.

E para um viés de confirmação consolidar isso em um futuro não custa nada: em qualquer relacionamento (inclusive de amizade) em algum momento o outro sempre dá uma pisada de bola conosco (e nós com ele), pois somos todos humanos e erramos. Pronto, isso já basta para confirmar algo que foi incutido na cabeça desde criança: homem não presta.

E gera um conformismo. É isso, homem não presta, aprenda a lidar e se acostumar a estar ao lado de alguém que não presta, pois é assim que as coisas são. Homem não presta e não há esperanças. Homem não presta e essa é sua vida, aceite.

E, é claro, a parte mais óbvia do argumento: o quanto isso é injusto com os próprios homens. Tanto pelo fato de terem sempre uma presunção negativa, como por serem privados do direito de errar, pois a qualquer erro vem o argumento escroto “tá vendo? Homem não presta”.

Não tem como construir uma relação saudável com outra pessoa que tem como mindset a ideia de que você não presta, pois é óbvio que essa pessoa tem uma baixíssima autoestima. Quem, em sã consciência, aceita se relacionar com alguém que não presta? É uma relação fadada a não ser saudável.

Enquanto mulheres podem cometer o erro que for, o abuso verbal que for, a incoerência ou injustiça que for (e tem que ser desculpado, pois sempre tem uma justificativa), homens não podem errar, pois se errarem, vão cair na vala comum do “homem não presta”. É muito escroto. E vai você dizer que nenhuma mulher presta, para ver a reação. Além de ouvir que não presta, tem que escutar calado.

E é o tipo de mentira que vem sendo repetida faz muito tempo, então, em algumas casas, em alguns lugares, ela já se consolidou até de forma não verbal. Talvez tenha até se consolidado em boa parte do inconsciente coletivo do brasileiro, quero dizer, é algo que as pessoas assimilaram sem sequer perceber, o que torna mais difícil de questionar e desfazer. E gera um abismo cada vez maior entre homens e mulheres.

Sim, a polarização chegou até os sexos. Não é mais uma rivalidade ou implicância, hoje vemos homens que realmente odeiam mulheres e mulheres que realmente odeiam homens. E certamente esse discurso de nenhum homem prestar não ajuda em nada a harmonizar as coisas.

Está todo mundo careca de saber que desunião enfraquece, polarização enfraquece. Seja política, seja de qualquer outra forma. Viver como se homem fosse inimigo e propagar isso é um enorme desfavor para a sociedade, maior do que qualquer outro. Hora de começar a desconstruir esse discurso de que “homem não presta”.

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