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Fantasiosos.

Fantasiosos.

| Desfavor | | 7 comentários em Fantasiosos.

Hoje vamos para o mundo da fantasia, mas mantendo uma realidade inevitável: Sally e Somir discordando. Dessa vez sobre qual período é mais divertido na ficção (livros, filmes, séries e etc.). Os impopulares fazem sua ponta.

Tema de hoje: fantasia medieval ou futurista?

SOMIR

Gosto de ambas, mas quando é pra deixar a imaginação correr, o futuro da ficção científica ou da fantasia espacial está anos-luz na frente (ha!). Tem muita coisa bacana em obras de fantasia baseadas num mundo medieval (ou ainda mais antigo), claro, só que hoje não dá pra ficar com as duas opções, então eu vou usar esse argumento inicial: tecnologia > mágica.

Em histórias do futuro, a tendência é que os elementos fantásticos passem muito perto do que acreditamos ser possível eventualmente. As baseadas no passado tem que quebrar as regras da realidade para conseguir efeitos parecidos. Não vou ser demente de vir aqui falar que acho pouco realista sair energia do cajado do Gandalf e por isso é uma bobagem, evidente que cada universo ficcional parte de uma série de regras e princípios próprios que devem ser aceitos para nos divertirmos com ele. O que eu quero dizer aqui é que o fantástico tecnológico não apenas diverte, como inspira. É aceitar o inacreditável com uma portinha aberta para aquilo se tornar realidade um dia ou outro.

E isso é muito bacana, até mesmo para a nossa evolução tecnológica. Quando Julio Verne “inventou” o submarino nas suas histórias, ele escrevia ficção futurista! Depois tornou-se realidade. Hoje em dia, cientistas tentando descobrir formas de viajar de forma mais rápida que a luz com certeza já sonharam com a ideia ao ver Jornada nas Estrelas. Talvez não demore tanto assim para vermos se as leis da robótica do Asimov servem pra alguma coisa mesmo. A fantasia futurista é mais do que fantasia de poder imediatista, é combustível para os tão necessários sonhos que movem a tecnologia para frente. Mágica? Mágica fede a religião. Poderes obscuros divididos com poucos, inexplicáveis e absolutistas. Quando bem usada, ela é uma excelente aliada para contar boas histórias, mas é só isso. Mágica! Pronto, explicado.

Mas é claro, não estamos discutindo só isso. Tem todo o contexto do ambiente. Seja em que realidade estivermos, histórias que gostamos de acompanhar são sobre personagens com as quais conseguimos nos identificar de alguma forma. E a fantasia do passado e do futuro acabam criando essas personagens sob arquétipos parecidos (mocinhos, vilões e etc.), mas com formas de expressão muito diferentes. Ambas são carregadas por fantasias de poder, mas os meios que elas se desenvolvem explicitam uma separação entre egoísmo e altruísmo.

O poder da fantasia medieval quase sempre é pessoal e opressivo. Lei da selva com faíscas mágicas. Normalmente funciona estabelecendo um mundo bem pobre, limitado e ignorante com uma ou mais personagens principais capazes de, sozinhas, mudarem todos os rumos da história. São fantasias de controle sobre outras pessoas, de superioridade. Não é nem ser dramático, eu acho divertido do mesmo jeito. E com certeza não são as histórias de ficção científica que quebram esse paradigma de nos fazer acompanhar alguém que tem mais poder (quase sempre potencial) que a média. Isso funciona muito. Mas, no futuro, o mundo é diferente.

A divisão de poder em cenários futuristas tende a ser mais homogênea, com a tecnologia alcançando muita gente ao mesmo tempo, e criando as diferenciações entre as pessoas em sua capacidade de usar os recursos disponíveis ao seu favor. Não é uma fantasia de poder baseada em nascer superior (mais forte, com poderes mágicos, seguindo uma profecia), mas sim de conquistar o poder e/ou a justiça através dos meios disponíveis, o cérebro falando mais alto que os músculos.

O que me leva a outro ponto: na ficção futurista, temos muito mais momentos interessantes de mind games, onde as personagens vão desenvolvendo seus planos e revelando-os com a progressão da história. Tudo bem que ver uma briga entre dois brutamontes é divertido, sempre vai ser, mas aquela sensação de surpresa que o cérebro adora tem muito mais a ver com planos e tecnologia do que com pancadaria. O campo de batalha da fantasia futurista parte do princípio de equivalência de poderes, sem tanto espaço pra cem mil orcs morrendo a cada flechada do elfo protagonista. Ou mesmo do lutador “sortudo” que encara um exército curiosamente treinado para atacar um por vez…

Não, na ficção científica, ou você tem um plano, ou vai pagar o preço. E isso te faz ficar mais ligado na história, buscando detalhes e dicas para tentar entender qual será a próxima jogada. A tensão não vem só do risco de alguém dar uma facada, vem de todo o cenário da batalha. Lutas cerebrais só são chatas para quem não quer prestar atenção. Eu pessoalmente até gosto daqueles episódios onde o Picard fica o tempo todo tentando achar uma solução diplomática para o conflito da vez, mas sabemos como dá pra ter animação e explosões (que não deveriam fazer barulho!) no espaço. A fantasia futurista tem os elementos grandiosos de batalha, mas ao mesmo tempo mexem com uma parte nossa um pouco mais exigente.

Sem contar que o futuro permite mais variações de tons e temas. Se você gosta de desenvolvimentos lentos, pode ver Europa Report, se você quer tensão, vai ver Alien. Quer drama e intriga? Battlestar Galactica! Se seu negócio é “desligar o cérebro”, só ir para o Star Wars. Ficção e fantasia futuristas vão bravamente onde nenhum homem jamais foi. Fantasia medieval ou histórica em geral tende a ser uma variação do mesmo tema, normalmente bem maniqueísta e previsível. São as mesmas histórias de mocinhos e bandidos com roupas de época.

E eu sei que muitos de vocês estão pensando em Game of Thrones: dou o braço a torcer, essa trabalha muito mais com tensão e reviravoltas. Mas, Star Wars é a epítome do roteiro raso. Você sempre vai achar exemplos do que quer achar dos dois lados. Estamos falando de uma média, não de um ou outro exemplo. Estamos falando mesmo sobre onde a imaginação humana consegue criar as obras mais interessantes: e pouca coisa é mais interessante do que o futuro. Não é fantasia pura, é um vislumbre, uma esperança… ou um aviso.

Para dizer que prefere mesmo não ser nerd, para dizer que eu nem mencionei que a Sally está defendendo RPGs sem perceber, ou mesmo para me mandar flutuar longe de você: somir@desfavor.com

SALLY

Medieval ou Sci-fi? E por Medieval eu não entendo apenas Idade Média, como também qualquer passado remoto que envolva pancadaria.

Medieval a vida toda. Sou Lord Of The Rings Person. Prefiro mil vezes Senhor dos Anéis a Star Wars, Game of Thrones a Star Treck, Sparta a O Quinto Elemento.

Medieval é honesto. É a boa e velha porrada meritocrática: quem treina, quem se esforça, vira o melhor gladiador e bate em geral. É simples: rolou estresse por causa de uma mulher? Desce aqui no meu portão e vamos trocar umas porradinhas. O resultado é maravilhoso: Eric Bana e Brad Pitt duelando sem camisa. Quando a coisa vai para o espaço, uns raquíticos se valem de recursos artificiais para porradear high tech e o mérito se esvai: ganha quem tem a melhor nave, a melhor espada, a melhor tecnologia. Ora, se o mote é tecnologia, não força a amizade e tenta nos empurrar porrada, fica feio.

Enquanto Luke usa a força interior, Aragorn enfia a espada no bucho de geral. Eu gosto do corpo a corpo. Eu curto uma pancadaria franca, tipo um Casamento Vermelho, muito mais do que botar tecnologia para brigar por você. Essa coisa de terceirizar sua função para uma máquina, uma tecnologia ou algo que não dependa do seu mérito não me atrai.

Espaço é confinamento. Medieval é aventura, exploração. Espaço é magricelo, Medieval é homem sarado. Khal Drogo comeria Luke Skywalker no café da manhã e cagaria o Darth Vader. Aquiles espancaria Neo. Aragorn trucidaria Spock. Sim, eu curto realidade. Eu curto o esquema de que quando você bate na pessoa ela sangra e morre.

Por mais que tenha uma dose de fantasia (sabemos que as flechas do Legolas são magicamente infinitas), o Medieval tem algum comprometimento com a realidade e a coerência. Dá para ser o herói do medieval, basta você se esforçar, malhar um pouco e aprender a manejar a arma da vez: espada, arco e flecha ou qualquer outra. Espaço não, é totalmente fantasioso. Acho sintoma a pessoa precisar de 100% de fantasia para se ver como herói. Acho sintoma compactuar com a ideia de que é preciso algo mágico e não inventado para vencer um duelo. Que a farsa esteja com você.

Sci-Fi é esperar por soluções mágicas, dadas de cima para baixo, que te coloquem em uma situação de vantagem que independe de esforço, de ralação, de mérito. Aperta um botão e lá está o sabre de luz. Desvia de ladinho e foge das balas. Ora, por favor. John Snow teve que treinar desde sempre para ser foda com uma espada. Os espartanos, assim que o filho aprendia a andar, começavam o treinamento de lutas. Maximus ralou desde sempre em campos de batalha até se tornar o melhor e porradear geral como Gladiador. Ninguém foi bater na porta dessas pessoas e dar uma missão de mão beijada como “os escolhidos”, eles é que tiveram iniciativa e foram atrás e fizeram acontecer.

No mundo medieval não tem predestinados, tem sobreviventes, raladores e disciplinados. Mesmo Jaime Lannister, filho do Rei teve que ralar, praticar, se esforçar para ser cavaleiro da guarda real. E mesmo assim, perdeu um mãozinha quando deu mole. Medieval é isso, vacilou pagou o preço. Frodo perdeu o dedo, mesmo sendo fofo e querido. Isso acontece no Espaço? Não, não acontece. Anakin tinha que estar morto, mas sei lá quem o reconstruiu todo. No Espaço os atos não tem consequências, sempre vem um cientista e conserta tudo. Vá à merda…

Espaço é James Bond nas estrelas: uma sequência de mentiras risíveis que o público faz um pacto a acreditar a partir do momento em que se propõe a assistir o filme. No espaço tem sempre um mentor, um sábio, uma babá para dizer ao herói o que fazer. Ninguém passa perrengue no espaço. Dúvidas? Vem um anão verde enrugado e careca, chato pra caralho, cuspir pérolas de sabedoria que parecem saídas de uma pichação de banheiro.

Medieval não. Medieval é “se fode aí, aprende lutando, aprende fazendo”. Não tem babá, você aprende errando. E cada vez que erra, as consequências são graves. Só os fortes sobrevivem. Como um desdobramento disso, os mocinhos medievais se machucam, se fodem e até morrem. Heitor morre na mão de Aquiles porque não foi tão bom quanto ele em um corpo a corpo, e não vem ninguém colocar uma armadura preta nele para ele continuar vivo.

Espaço fornece fantasia para quem acha que nunca vai conseguir ser bom o bastante sem recursos mágicos para ser vencedor em um combate. Medieval fornece inspiração para aqueles que sabem que podem se dedicar e vencer sem mágica. Liderança no Espaço é predestinação. Liderança no Medieval é merecimento.

Para dizer que a coluna deveria mudar de nome para Ele Disse, Ela Surtou, para dizer que não quer que sua namorada te compare com Jason Momoa ou ainda para se ofender por eu ter limpado a bunda com suas obras de ficção favoritas: sally@desfavor.com

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