Ele disse, ela disse: (des)Organização.

Muito mais do que uma disputa de opiniões, como já é tradicional aqui na coluna, hoje veremos uma disputa de estilos de vida. Sally é organizada e responsável, Somir tem a capacidade de concentração de um peixe dourado.

Ambos gostam de ser como são e conseguem conviver um com o outro. O que não quer dizer que não vivam discutindo sobre o assunto.

O assunto de hoje é: Até onde a organização é importante na vida de uma pessoa?

Sim, foi culpa minha novamente o atraso do texto.

Estava com saudade de escrever sobre alguma causa perdida. Muito embora só para variar eu esteja escrevendo esse texto com pressa por ter esquecido de prepará-lo com antecedência, aposto que vai ser um ótimo exercício de argumentação.

E se eu falo de causa perdida, eu tenho meus motivos: Para mim nada ajudou mais a humanidade até hoje do que a desorganização, com uma “saudável” dose de irresponsabilidade.

Parto do pressuposto que em um sistema organizado, tudo o que acontece de errado acaba sendo corrigido. A anomalia vira problema e precisa ser resolvida. O sistema organizado sempre espera voltar ao seu estado original.

E não foi voltando ao estado original que as grandes realizações da humanidade floresceram. O processo criativo é essencialmente caótico, ele PRECISA da anomalia, do problema. A resposta é sempre algo simples e sem graça. Se você se organiza muito bem, vai perceber que fatalmente vai dar duas respostas iguais para problemas diferentes. Organização gera padrão. E padrão leva ao erro quando se encontra uma situação inesperada.

“ZZZzzzZZZzzz…”

Ok, ok. Vamos logo ao assunto. Eu defendo que a desorganização tem efeitos benéficos, e que esses efeitos compensam e muito os aspectos negativos quando se quer nortear sua vida pelo lado puramente criativo. Eu sou uma pessoa terrivelmente desorganizada, com dificuldades sérias com prazos, horários e metas. Não vou ser cara-de-pau a ponto de dizer que isso torna as coisas mais fáceis, mas é parte integrante do meu processo de criação.

Respostas são simples, problemas são complexos. Eu não vou ser o primeiro a dizer que o mais difícil na vida é enxergar o problema, fazer a pergunta certa.

E a pergunta certa só aparece depois que você observa as coisas saindo do padrão. Quem decide que as regras e a rotina valem mais do que o improviso acaba perdendo uma boa parte de sua criatividade, e por um motivo: Responde problemas distintos com idéias similares.

Para manter sua ordem, seu padrão, uma pessoa muito organizada enxerga os problemas apenas como coisas a serem resolvidas. Parte do pressuposto errado e começa pela resposta.

“Rrrrooonc… Hã?”

Uma pessoa desorganizada precisa responder de forma diferente a cada problema, já que tem dificuldades de enxergar uma resposta geral. Como eu sei muito bem, isso gera muito trabalho inútil e frustração, mas ao mesmo tempo permite que eventualmente você perceba coisas que ninguém mais percebe, ou mesmo que ninguém mais acha importante.

E é aí que as grandes idéias nascem. Grande parte das grandes invenções da humanidade surgiram de confusões e erros causados por desatenção ao problema principal. Situações que permitiram que a mente em questão percebesse algo que não estava no planejamento inicial.

Eu prefiro uma chance em um milhão de encontrar uma dessas idéias em meio ao caos do que fechar as portas para o inusitado e ser um pouco mais bem sucedido. Entendo que é uma escolha difícil e não pretendo defendê-la como a melhor de todas. Mas quero explicar nesse texto que É uma escolha e todos podem fazê-la. Essa convenção social de responsabilidade e produtividade é mais uma das inúmeras formas de garantir que as coisas funcionem e que todos trabalhem sem reclamar.

E um dos pontos mais importantes dessa convenção é que pontualidade é mais importante do que originalidade. Como se uma coisa valesse mais a pena do que a outra no final das contas.

Não concordo que a pontualidade tenha mais peso do que a originalidade. Na verdade, NADA pode ter mais peso do que a originalidade. Nunca, em tempo algum. O que acontece é que sem essa presunção de que as pessoas são mais eficientes quando respeitam prazos e horários, as pessoas que não trabalham em ambientes que permitem respostas criativas se sentiriam enganadas, traídas. E nosso sutil equilíbrio social viraria caos.

A maior opressão social não é a econômica. É a criativa. A diferença é que ninguém (além da religião) bate palmas para você quando você não tem o que comer no final do dia. Agora, quando você passa o dia todo se matando de trabalhar fazendo exatamente a mesma coisa e sem espaço para criar, sempre vai ter alguém para te dizer que você está indo muito bem. E que tem mais trabalho na sua mesa…

Percebam que eu não digo que uma pessoa organizada não pode ser criativa. Sally é uma pessoa certinha e é a pessoa com a qual eu mais me identifiquei até hoje nesse aspecto. (Ela mais pragmática, eu mais subversivo.) Mas para provar que eu estou certo, perguntem para ela os momentos nos quais nós dois fomos mais criativos até hoje. Sempre no improviso, sempre reagindo a situações inusitadas… Sempre fruto da desorganização.

Sally é criativa APESAR da organização e disciplina. O que me faz imaginar quanto ela seria capaz de fazer se resolvesse relaxar um pouco mais…

E se você que está lendo acha que estou defendo anarquia e falta de noções básicas de civilidade, está na hora de parar de ler palavras e começar a ler idéias. Sabia que a maioria das pessoas não entende muito bem o que acaba de ler? Plavraas sõa apneas iédias, tnato qeu vêoc etsá ledno nroalmemtne.

Enxergue o problema, a solução é só uma conseqüência.

Desorganize-se.

Para dizer que eu sou o reacionário mais anárquico do mundo, para dizer que eu nunca vou ser um gênio ou mesmo para mandar uma foto da zona que é a sua casa: somir@desfavor.com


Qualquer pessoa que me conheça minimamente sabe que eu não sou um primor de organização. Para algumas coisas sou até muito desorganizada. No entanto, minha desorganização é controlada, eu me entendo dentro da minha bagunça. Não perco coisas, não deixo de cumprir minhas obrigações e não atrapalho quem convive comigo. A bagunça encontra um limite muito claro: pode ir até o ponto em que não atrapalhe sua vida pessoal e profissional.

O discurso de “Gênio Indomável” que a Madame deve ter feito sobre a ZONA que é sua casa e seu trabalho pode parecer muito bonito na teoria, mas na prática, quando a pessoa perde as chaves e não consegue sair de casa por causa disso, ou perde a carteira de motorista e fica semanas a pé, não é nada bacana.

Não venho aqui defender uma organização doentia, de separar roupa por cor. Isso é TOC e não organização. A organização que eu defendo é estabelecer critérios mínimos e pessoais para conseguir viver e trabalhar de forma produtiva (e não gastar três horas do seu dia procurando as chaves do carro).

Meu dia é cheio, e por isso mesmo é todo cronometrado. Começa às cinco da manhã. Se algo der errado, atrasa um cronograma que só termina às onze da noite, e me ferra por completo. Pessoas como a Madame aqui de cima, que tem horários mais flexíveis, podem até se dar ao luxo de gastar uma hora do seu dia procurando aquele documento que precisam e não sabem onde guardaram. Eu não posso. E se você tem uma vida corrida, também não pode.

Existe um mito equivocado de que a criatividade apenas brota de uma mente e uma casa desorganizadas. E eu estou aqui para ilustrar o contrário. Quem me acompanha desde sempre de outros blogs e de aventuras orkutianas sabe que eu sou uma pessoa extremamente criativa e não preciso ser desorganizada para isso.

Está na hora de parar de romantizar a desorganização. Desorganização é um DEFEITO, ok? Sem essa de tentar fazer parecer que é uma característica inerente aos gênios ou uma coisa imutável. Qualquer pessoa pode ser organizada caso se esforce para isso. O problema é que as pessoas parecem achar bonito abrir a boca para dizer “Ah, eu sou muito desorganizado mesmo!” ou então “Ih, minha mesa é uma zona!”. É aquela gracinha de ficar ostentando coisas feias como se fosse bacana, a mesma merda de quem diz “Ihhh… ontem eu bebi moooi-to” – dá vontade de falar: Parabéns, quer uma medalha?

O foda é que os desorganizados não se mancam que é um defeito, que isso prejudica e atrasa a vida não apenas deles, mas de todos que estão à sua volta, e pior ainda: tentam diminuir quem é organizado. Cansei de ouvir Madame dizendo que eu sou “toda organizadINHA”. Sentiram o diminutivo pejorativo? Quer dizer, além de ME prejudicar com sua bagunça (atrasos, perder coisas, etc) ainda me menospreza por uma QUALIDADE (sim, lamento, mas SABER ser organizado é uma qualidade). Mando tomar no cu agora ou mais tarde?

Cada um pode criar mecanismos próprios para se organizar, tudo questão de força de vontade e tentativa e erro. Claro, desde que a pessoa admita que sua desorganização é um defeito e causa uma série de transtornos e não um “traço de genialidade criativa inevitável”. O primeiro passo é admitir que bagunça não é bonito e não é motivo de orgulho.

Vejam bem, eu não sou uma certinha neurótica. Existe um meio termo entre a pessoa que perde tudo e a pessoa que organiza Cd por ordem alfabética. Só defendo que UM MÍNIMO de arrumação é necessário para um bom desempenho profissional e para uma convivência harmônica a dois. Uma bagunça no armário, uma toalha molhada, um roupa no chão… tudo normal. Mas aquele caos, que dá a idéia que passou um tornado pela sua casa, começa a ser patológico. E, me desculpem, mas beira à falta de higiene.

Aparência desorganizada não quer dizer desorganização. Se tudo estiver zoneado mas você souber exatamente onde está cada coisa, não tem prejuízo. Mas a partir do momento em que você perde coisas importantes como chaves, documentos e prazos, o discurso “eu me entendo na minha bagunça” cai por terra.

Para me chamar de neurótica, para chamar o Somir de gênio e para sugerir temas: sally@desfavor.com

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Comments (4)

  • Até agências de publicidade têm processos organizados de trabalho.

    A organização também dá clareza e clareza gera idéias.

    Meu quarto é um caos, mas minha mesa de trablho e meus computadores são um brinco!

  • Eu vou ficar num meio termo confortavel.

    Concordo com a Sally que o exagero na desorganização pode atrapalhar sua vida em diversos aspectos. Além de possivelmente atrapalhar a de outras pessoas.

    Entretanto, concordo com Somir na parte onde a desorganização traz algo benefico a mente humana. E, pasme, isso é comprovado por pesquisas.

    Então, acredito que o quesito organização acaba se adaptando a necessidade de cada pessoa. Claramente o Somir não necessita, já a Sally…

    Enfim, deixe que cada um seja feliz do jeito que achar melhor.

  • essa de “romantizar a desorganização” é bem verdade hahaha..

    naquela época que as dot.com estavam bombando antes da bolha da internet tinha varias empresas que tinham orgulho em mostrar os funcionarios de chinelo e bermudão no escritório

    não sei se hoje mudou ou nao mas aquilo tava na cara que era pra mostrar uma veia criativa diferente do padrão

  • Eu sou desorganizada, e concordo plenamente com o somir, as pessoas organizadas acabam por podar a sua genialidade com tanta bagunça.

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