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Eu, desfavor: Vômito solidário.

| Desfavor | | 10 comentários em Eu, desfavor: Vômito solidário.

Sim, sou solidária até no vômito.

Acredito que eu não seja a única, mas quando alguém vomita eu vomito junto. E vomitar para mim é um sofrimento, eu sou daquelas que vomita e chora tamanha a humilhação. Quando vomito tenho um colapso estético. Só vomito trancada no banheiro e de luz apagada. Não entendo porque a mãe natureza nos sujeita a isso.

Certa vez estava viajando com meu namorado. O cachorro estava conosco, ia no meu colo no banco da frente. Cabe ressaltar aqui que, contrariando as ordens do veterinário, eu me recusei a deixar o cachorro sem comer horas antes de viajar, porque achei cruel. Fui advertida que ele poderia passar mal, mas enchi a boca para dizer “Ele não faria isso comigo, tadinho”.

Estavamos na estrada. Depois de um tempo, o cachorro começou a golfar (ou gorfar, tanto faz). Fiquei desesperada e mandei parar o carro. O inútil ao volante disse algo sobre não poder parar no meio da estrada. Pensei em jogar o cachorro pela janela, pois estava antevendo o que iria acontecer.

Sou um ser humano que preza a estética. Não gosto sequer de ser vista comendo. E lá estava o cão, prestes a arruinar anos de estética impecável. Nunca tinha sido vista cortando unha do pé, pintando o cabelo, escovando os dentres, passando maquiagem… Era bom demais para ser verdade.

O pior aconteceu. O cachorro vomitou EM MIM. Eu estava de short. Senti aquela coisinha quente nas minhas pernas. Em uma fração de segundos, tentei me acalmar e vencer a maldição do vômito solidário. Mentalizei um campo florido, ar puro e belas paisagens. Foi quando senti aquela sensação de atração-repulsa. Você tem nojo, você não quer ver, mas você olha. Faço isso em atropelamentos também. E quando tem um bicho morto. Eu sei que vai ser nojento, mas é mais forte que eu, eu olho. Abri um dos olhos e dei uma rápida olhada nas minhas pernas. Foi fatal.

Claro que vomitei. Não contente, na tentativa de vomitar da forma menos visível possível (não sei como alguém poderia fazer sexo comigo novamente depois de me ver vomitar) acabei vomitando NO cachorro. Era um cão pequeno, ele foi totalmente coberto pelo meu vômito. Ficaram apenas os olhos de fora, parecia uma cena de desenho animado. O inútil ao volante começou a gritar comigo, como se eu já não tivesse sido suficientemente castigada sendo obrigada a vomitar na frente dele: “EU NÃO FALEI QUE NÃO ERA PARA DAR COMIDA PRO CACHORRO?”

Andamos mais uns dez minutos até chegar a um posto de gasolina. O cão estava putíssimo, nem olhava na minha cara. Acho que ele se sentiu traído por eu ter vomitado nele. No meio do caminho ele ameaçou lamber o vômito, o que me deu mais nojo e me fez vomitar novamente. Nele, claro. Daí pra frente ele apenas deitou e bufava. Não respondia mais quando eu falava com ele.

Paramos no posto e o inútil ao volante disse “Olha o que você fez no meu carro!” e eu gritei “ELE COMEÇOU!” apontando para o pequeno cão vomitado. Os populares locais se aproximaram para olhar, imagina se eles poderiam perder um barraco desses… Perguntei para um funcionário se tinha um chuveiro e ele riu. O inútil ao volante disse que a limpeza ia ser na base da mangueira mesmo. Eu juro, na hora achei que era brincadeira.

Quando ele veio com uma mangueira de lavar carro na mão, fiquei preocupada, mas achei que era para o cachorro. Quando ele começou a gritar “Eu não falei que não era para dar comida para o cachorro?” eu comecei a desconfiar que havia uma ponta de ressentimento. Mas foi só quando tomei um jato de água que percebi que aquilo estava acontecendo. Os populares começaram a bater palmas.

O cachorro, que estava acostumado a tomar banho de banheira com água quente e shampoo de baunilha, se sentiu afrontado (talvez mais que eu) ao tomar um jato de água gelada nos cornos. Ficou mais puto ainda. A cara magoada dele me partiu o coração e resolvi pegar ele no colo. Ele vomitou em mim de novo, e eu nele. Mais jato de água para todo mundo. E os populares batendo palmas.

Ao final, eu estava esteticamente arruinada. Molhada, descabelada, maquiagem borrada e com cara de bunda. O cachorro não olhava mais para a cara de ninguém, passou duas semanas de mal, dentro da casinha. Só saía para comer e fazer suas necessidades. Nunca mais quis subir em um carro na vida.

Se alguém souber de algum truque para controlar o vômito, por favor, deixe um recado. Não quero passar por isso novamente. Nunca mais.

NOTA: Sim, esta postagem é original do blog “Sally Surtada”, mas foi escolhida para estrear a sessão. Se você já leu, entende o motivo. A cada quinze dias Sally e Somir vão se revezar contando histórias desfavoráveis de suas vidas. Afinal, somos todos desfavores uma hora ou outra…

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