Numa coisa Sally e Somir concordam: Amizade VERDADEIRA vem em primeiro lugar. Em vários textos aqui no desfavor, ambos já demonstraram a disposição de abrir mão de muitas coisas em favor de amigos. Mas, como isto aqui não é coluna para concordâncias, vamos explorar um ponto onde eles não chegam a um consenso.

O caso tem suas condições: Você trabalha com seu amigo, o qual você sabe que quer e merece uma promoção. Só que por motivos alheios à sua vontade, essa promoção acaba oferecida para você. Não é uma disputa direta: Seu amigo não vai ser promovido de jeito algum. Sally e Somir discordam sobre o rumo ideal para manter uma boa amizade.

Tema de hoje: Aceita-se uma promoção que amigo queria?

SOMIR

Sim. (Desde que eu queira a promoção, claro.)

Se você ainda está confuso com o tema, eu explico: Sally está a mais de um mês perdendo direto aqui no “Ele disse, ela disse” (coisa que eu odeio, aliás… eu deveria ser o do contra!) Quando conversávamos sobre o assunto e pensamos que seria um bom tema para a coluna, a conversa não era tão específica. Falávamos sobre amigos e promoções.

Mas na hora de definir o tema “por escrito”, ela começou a enfiar condições extras para tornar as coisas mais favoráveis para o ponto de vista dela. Estava quase esperando que ela dissesse que o amigo estava com câncer e depressão… Aceitei mesmo assim, já que o que vale é a idéia geral: Mesmo que não seja agradável ficar com a promoção de um amigo, pior mesmo é amigo que não quer o seu bem.

Então vamos desenrolar a idéia e ir direto ao ponto.

O caso analisado hoje é claro: Você pode ganhar a promoção, seu amigo não. O único beneficiado por uma recusa sua de assumir o novo cargo seria um terceiro.

Se as suas ações podem te beneficiar SEM atrapalhar seus amigos, não há nem o que discutir aqui. Existiria uma dúvida ética no caso de uma disputa pela vaga, mas não é o que acontece no tema de hoje.

Bom, mas estamos aqui no campo da prática, que eu já aceitei ser território estrangeiro para a maioria das pessoas que eu conheço. O mundo seria bem melhor sem esse sentimentalismo todo… Mas, é a vida. E a vida não é justa, como eu sempre digo.

É claro que me incomodaria ver um amigo que MERECE uma promoção não conquistá-la. Mas eu não consigo enxergar uma ocasião onde eu não me julgue merecedor também (complexo de gênio). Várias pessoas merecem várias coisas, nem todas conquistam.

É por isso que chefe ganha mais: Ele tem que fazer escolhas e tomar decisões bem mais complicadas, principalmente quando se trata de julgar o potencial e importância de seus funcionários. Promover alguém raramente é uma ocasião onde se encontra apoio irrestrito de seus subordinados. Alguém que queria sempre acaba ficando na mão.

Não podemos ignorar a possibilidade de mesmo o seu amigo querendo a promoção e apresentando seus méritos, você ainda ser a melhor escolha. Só faltava o cidadão ter que se preocupar em não trabalhar direito para que seus chefes olhem com melhores olhos para seus amigos…

E aqui que se separa amigos de colegas. Amigos querem o seu bem. Da mesma forma como eu ficaria feliz pela promoção de alguém que eu gosto, espero o mesmo em troca. O fato de eu querer a promoção também NÃO influi na felicidade pelo amigo se dando bem. Fatos separados.

Eu pensaria na possibilidade do meu chefe ter sido abduzido por alienígenas ANTES de pensar que um amigo verdadeiro meu tenha aprontado alguma coisa pelas minhas costas, e por essa confiança quase cega eu cobro em troca a mesma coisa.

Pode-se argumentar que há a possibilidade do amigo ficar com inveja. Mas, novamente, nem ligo. Inveja é coisa de gente burra e limitada, e eu tenho horror a esse tipo de gente. Imagine só criar amizade…

É uma característica extremamente desabonadora sobre a personalidade de alguém essa mesquinharia de preferir que os amigos continuem mais ou menos na mesma que você a vida toda. Se um da sua turma de solteirões começou a namorar e está feliz com isso, apóie. Se o amigo quer se mudar para outro lugar para seguir um sonho, é seu papel incentivar. Se uma pessoa da qual você gosta tem a chance de subir na carreira, mesmo deixando todo mundo “pra trás”, amigo é quem suporta.

Gente que vale a pena nessa vida não vai se voltar contra você numa situação dessas.

Ou seja: A não ser que você fique amigo de qualquer um, independentemente de mérito, não há nenhuma preocupação com um abalo de amizade. Se abalar, era uma amizade de merda mesmo e você está bem melhor longe dessa pessoa.

Ok, tocante… Mas isso não cobre toda aquela parte onde o amigo tem que lidar com o fracasso pessoal. Mas no final das contas, saber que pelo menos foi um amigo seu que ganhou a promoção serve até de alento. Podia ter sido outro, potencialmente até um que esse amigo nem ia com a cara. Vai dizer que não seria um golpe ainda pior?

E além disso, cair e quebrar a cara é parte INTEGRANTE da vida. Uma pessoa bem resolvida levanta e continua em frente. Se precisar, até acha outros caminhos. Essa promoção perdida pode ser um “choque de realidade” na vida da pessoa. E o orgulho necessário para se recuperar pode ser seriamente ferido se no futuro o seu amigo descobrir que você recusou a promoção para poupá-lo. Eu, por exemplo, além de achar um dolorido menosprezo, ainda ficaria chateado porque a minha incapacidade de conseguir a promoção atrapalhou um amigo.

E como eu sou da opinião que não se faz com os outros o que não gosta que façam com você, nunca que faria tão pouco assim de um amigo.

Recapitulando: Negar a promoção não resolve o problema prático. Negar a promoção não abala amizade verdadeira. Negar a promoção não vai trazer benefícios para o amigo, e pode até ser pior para ele no final das contas.

Decisão fácil.

Para dizer que entende porque ser meu inimigo é mais prático, para dizer que vai concordar comigo só de sacanagem, ou mesmo para dizer que mulher e. Amizade não pertencem juntas nem na mesma frase: somir@desfavor.com

SALLY

Você trabalha em um lugar com um amigo seu. Não é um colega, não é um conhecido, é um AMIGO. Surge uma vaga para determinado cargo que seu amigo almeja e merece, entretanto, por motivos injustos ele não é promovido a esse cargo, e esse cargo é oferecido a VOCÊ. Você sabe que se você não aceitar, outra pessoa será chamada, ou seja, a sua recusa não reverte o cargo para seu amigo. Você aceita?

Eu não aceito. Se quem merece o cargo e quem está qualificado para ele é meu amigo, eu não aceito. Se for colega, aceito, se for amigo, não. É na hora do sacrifício e da renúncia que vemos quem são nossos verdadeiros amigos. Aceitar um cargo nessas condições é compactuar com uma injustiça e principalmente colocar em risco uma amizade. Eu não disse que é certo que a amizade acabe, eu disse que é COLOCAR EM RISCO. O mero risco me faz recuar. É claro que uma situação dessas magoa. Por mais bem resolvido que seja seu amigo, vai criar uma mágoa e eu prezo amizade acima de qualquer coisa nessa vida, inclusive de dinheiro e profissão. Ainda que o amigo seja muito bem resolvido e passe por cima disso em nome da amizade, duvido que não fique uma mágoa, uma rachadura.

Era de se esperar que Madame pense diferente, afinal, trata-se de uma pessoa mercenária e sem sentimentos. Mas vocês, seres humanos dotados de um coração (à exceção do Deja) podem imaginar a mágoa diária que é ser promovido em detrimento de um amigo, obrigando-o a te ver todos os dias em um cargo superior que ele merece muito mais do que você, que estaria destinado a ele. Pior: muitas vezes tendo que receber ordens suas e até mesmo tendo que te ajudar ou te levar nas costas sem receber o salário merecido para isso.

Esse raciocínio tosco de “Não adianta recusar, outra pessoa pegaria a vaga mesmo” não me convence. Não se trata da vaga, do dinheiro ou nada do tipo. Recusando se está dizendo “Acho isso uma sacanagem, declaro ao mundo que acho isso uma sacanagem e não vou compactuar com isso”. Só porque está tudo errado eu vou errar junto? Não, obrigada. Um ato de lealdade de um amigo é de um conforto indescritível. Fico muito feliz quando fazem por mim, por isso procuro fazer pelos meus amigos sempre que posso. Não tem preço ver uma pessoa tomar partido da sua posição em público.

É o tipo de coisa que deve ser feita de coração, espontaneamente. Se precisar pedir, perde o valor. É o tipo de coisa que a gente espera que um amigo faça sem sequer nos contar que fez. Quando isso aconteceu comigo, muitos anos atrás, eu recusei delicadamente e nunca sequer cheguei a contar para a minha amiga que isto tinha ocorrido, porque achei que o simples contar já seria meio que jogar na cara dela o esforço que eu fiz por ela. Deselegante.

As pessoas tem mania de achar que porque conquistaram alguém como amigo a pessoa está “garantida” e vai ter que compreender tudo: “se Fulano for meu amigo de verdade, ele vai entender”. Não é assim. Amizade, assim como amor e outros laços, precisa ser cultivada e cuidada (estou viadinha hoje). Na minha opinião, recusar uma promoção nestas condições é cuidar da amizade. Se um homem (invertam os sexos se necessário) pelo qual a sua amiga está apaixonada quisesse ficar com você, você ficaria? Claro que não (se você respondeu que sim, você é uma bisca que não vale nada). Porque não ter o mesmo cuidado quando o assunto é profissão? Não se toma o que é “dos outros”. “Mas Sally, o cargo não era da amiga!”. Nem o homem que ela queria ficar. Eu considero que o mero interesse de uma amiga (ou amigo) por algo já faz com que o objeto do desejo se torne proibido para mim. Quem me conhece DE VERDADE não tem dúvidas disso. E quem teve dúvidas disso foi chutado pra fora da minha vida – e não me arrependo.

Foda pegar uma coisa que sua amiga ficou dizendo/desabafando/compartilhando que queria por meses. A expectativa compartilhada cria uma obrigação: a gente se manter longe do objeto do desejo do nosso amigo, seja ele qual for: uma empregada doméstica (amizades acabam porque uma contrata a empregada que a outra ia contratar, tá? já vi acontecer), um carro, um homem ou um emprego. E discordo de quem diz que se a amizade fosse verdadeira não teria acabado “só” por causa disso. Em resposta, eu rebato: se a amizade fosse verdadeira, a pessoa não teria o desleixo de colocá-la em risco ou magoar o amigo por tão pouco. Eu cuido dos meus amigos melhor do que muita mãe cuida do seu filho e jamais sujeitaria qualquer um deles a uma situação que eu soubesse de antemão que iria magoá-los. E jamais os obrigaria a ter que me pedir para que não faça algo. Sabendo que irá magoar, tomo minhas providêcias em silêncio. Contar seria cobrar gratidão. Acho feio.

Vai achando que se a amizade for verdadeira ela suporta tudo… É o mesmo raciocínio equivocado daquelas mulheres imbecilóide-românticas que acham que Fulaninho vai amar ela não importa o que acontecer, daí engorda 40kg, leva um pé na bunda ou um chifre e fica achando que não era amor de verdade. Relacionamentos tem que ser cultivados, cuidados e preservados. Se a gente toma certos cuidados em outras áreas para preservar amizade, porque não tomar no trabalho? Eu respondo: porque envolve dinheiro e maior parte das pessoas ficam cegas quando se fala em dinheiro, são uns mercenários filhos da puta que arrumam motivos para se auto-perdoar e auto-convencer de que não é tão grave assim o que estão fazendo. Ninguém fica com o homem “da amiga”, ou seja, o homem que a amiga almejava (ainda que no final das contas o sujeito nem queira ficar com a amiga), mas todo mundo cogita aceitar uma promoção que, por direito, seria da amiga. Feio, muito feio.

Talvez eu seja mesmo muito romântica quando se trata de amizade. Todo o romantismo que eu não tenho em relacionamentos amorosos, eu tenho com amigos. Talvez algumas pessoas nem se importem do amigo assumir uma vaga pretensamente sua, mas ainda assim, o simples risco de que isso gere uma mágoa (às vezes a pessoa acha que não vai ficar magoada e acaba ficando) me faria recusar. Será que pela primeira vez em dois anos EU vou esboçar uma opinião de mulézinha aqui? Favor printar, é uma postagem histórica…

Para dizer que ambos somos burros e que você aceitaria o cargo e dividiria o aumento salarial com seu amigo, assim todos sairiam ganhando, para dizer que eu nunca devo ter precisado de dinheiro nessa vida para me dar ao luxo de ser tão certinha ou ainda para dizer que amigos vem e vão mas dinheiro é para sempre: sally@desfavor.com