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Ele disse, ela disse: Discussão em série.

| Desfavor | | 15 comentários em Ele disse, ela disse: Discussão em série.

Questão de gosto...Sally e Somir tem pouco tempo para assistir televisão, mas nas raras oportunidades que surgem, compartilham o gosto por algumas séries americanas, especificamente as humorísticas. Como é também comum entre os dois sacanear opiniões alheias, sempre acham um jeito de fazer pouco das preferências um do outro.

E na hora de escolher a melhor de todas, não poderia ser diferente…

Tema de hoje: Qual a melhor série de humor (dos últimos tempos)?

SOMIR

Nunca fui muito de ser fã. Acho brega. Tendo a responder a primeira coisa que vem à cabeça quando questionado sobre “o melhor” de uma categoria. E depois mudar de idéia sem o menor stress logo depois. Afinal, o momento tem papel decisivo nessas escolhas.

Assim que Sally mencionou a série predileta dela, “Friends”, a primeira que me veio à cabeça foi “Seinfeld”. Se pararmos para pensar, a discussão tende a ficar entre essas duas mesmo, duas das mais bem sucedidas da história. Como eu tenho um cromossomo Y, obviamente não escolheria “Friends”. Mas mesmo em “Seinfeld” eu tenho algumas restrições. O roteirista (Larry David) é um gênio, George Costanza foi a melhor personagem de todos os tempos, o Kramer foi uma grande sacada… Mas o resto às vezes não acompanhava.

Buscando na memória, tentei lembrar de uma onde eu gostava de absolutamente tudo. E não é que eu achei?

“Married… with Children”. No Brasil, seguindo a tradição de nomes horrendos, a série se chamava “Um Amor de Família”. Foi lançada em 1987 e durou 10 anos nos EUA.

Lembro que passava na Band há vários anos atrás, toscamente dublada e tudo mais. Da primeira vez que eu vi era muito novo para entender todas as piadas, mas já achava o máximo a noção de uma série onde ninguém prestava. Era um alento para aquela chatice infantilóide de mocinhos e bandidos que tomava conta de programas infantis e todo o resto da programação televisiva brasileira. (Latino acha que “anti-herói” é quem se arrepende e fica bonzinho no final… Táqueu!)

Talvez pela dificuldade do público nacional de identificar os arquétipos tradicionais de novelas na série, não passou inteira por aqui. Só fui ter contato de novo depois que tive acesso à TV à cabo. E aí aproveitei para ver todos os episódios e perceber a influência “positiva” que ela teve nas séries futuras.

Foi o fim da obrigatoriedade da CHATICE de “abraços e aprendizado”. Sabe aquele momento melequento no final do episódio onde tudo acaba bem e todos aprendem uma valiosa lição sobre a vida? (Que nem acontecia em TODOS os episódios de “Friends”, por sinal…)

Em “Married… with Children” não tinha isso. Os episódios quase sempre terminavam pior do que começavam, e se as personagens aprendiam alguma coisa, era uma forma mais incorreta de fazer as coisas. E na época nem se podia chutar tanto o balde como se faz hoje em dia nas séries da HBO e da FX…

Para quem nunca acompanhou, a série é baseada no dia-a-dia de uma família pobre “tipicamente” americana. Bem mais que uma paródia, era uma sacaneada das boas em cima do sonho americano. E vamos concordar que num país patriota daqueles, não é apenas uma piadinha inocente.

A história era sempre um fiapo e os arcos de roteiro nunca davam em lugar algum. A “alma” da história era o fato das personagens estarem presas naquela situação sem nenhuma esperança de mudar. Essa “claustrofobia a céu aberto” servia para entendermos a personagem central da história: Al Bundy.

Al Bundy era o pai de família, porco e preguiçoso, um perdedor de marca maior que culpava a mulher e os filhos pelo seu fracasso na vida. Trabalhando quase o dia todo vendendo sapatos para mulheres gordas que odiava com o fundo de sua alma, seu salário era uma mixaria e tudo o que conseguia era prontamente desperdiçado por sua mulher, Peg. Peg Bundy era uma dona de casa que não mexia um músculo sequer para cuidar da casa e não queria trabalhar por nada nesse mundo. Os filhos desse casal eram um nerd tarado e uma loira burra vadia. A vizinha era uma feminista cretina que sempre sustentava algum vagabundo para ter poder.

É estereótipo e preconceito até dizer chega?

É! E é essa a graça. Pau no cu da política do correto. Não existiam características redentoras em nenhum deles, não havia alianças ou fidelidades mantidas por mais que alguns minutos, todos estavam sempre prontos para tirar vantagem, custasse o que custasse, a todo momento. A síntese do incorreto e do humor pra gente que não precisa ser lembrada a todo momento como pensar ou como agir.

Acho um verdadeiro pé-no-saco essas séries, como a preferida de Sally, onde as personagens SEMPRE tem que ter um lado positivo, a história TEM que terminar com todo mundo feliz e bem sucedido… Se eu quisesse ver um desenho animado da Disney, eu veria um!

Se você for pegar essa linha de “sem abraços e sem aprendizado”, vai perceber que séries brilhantes como “Seinfeld”, “Curb your Entusiasm”, “The IT Crowd”, “Arrested Development”, “It’s Always Sunny in Philadelphia” e com certeza mais algumas que eu não lembrei agora bebem dessa fonte iniciada por “Married… with Children”.

Um bando de almofadinhas sem personalidade (irônico, desajeitado, burro, excêntrica, fútil e organizada… nossa, que profundo!) ou um bando de estereótipos preconceituosos que se odeiam formando uma família toda errada, irremediavelmente na merda? Eu esperava mais de você, Sally… Humor não pode ser essa coisa estéril.

Mas eu não tenho útero. Talvez isso influencie.

Para concordar com Al Bundy que mulheres gordas são realmente o problema do mundo, para dizer que é homem e adora ver Friends com seu namorado, ou mesmo para ficar aliviada de poder discordar de mim depois de tantas semanas: somir@desfavor.com

SALLY

Qual o melhor seriado de comédia da TV dos últimos tempos? Confesso que tive que pensar por um segundo para não gritar “Scrubs”, porque o trio Dr. Cox, Dr. Kelso e o Zelador alegram minha vida. Apesar da genialidade do Dr. Cox, eu vou ter que votar em Friends, que considero ser uma comédia que aprofunda mais nos personagens (eu sei que “personagem” é feminino, mas eu acho feio, então, no meu texto vai ser masculino mesmo e que se dane).

Friends consegue ter a leveza de uma comédia despretensiosa sem ser aquela comédia “torna na cara”, “piada pronta” ou “amontoado de bordões”, vibe Zorra Total. Tem um roteiro inteligente, surpreendente e muito divertido. Não apela para rostinhos bonitos (ok, tirando a Monica e Rachel) não apela para os clichês de comédia: confusões de família, mocinha + mocinho ou pior: crianças fazendo gracinha.

Friends tem tudo isso: tem romance, tem brigas, tem confusões. Mas são sempre tramas paralelas. A trama principal é o dia a dia de seis amigos que fazem muita besteira da própria vida e acabam dando a volta por cima no final das contas. Seis amigos que vivem uma vida real, que ficam desempregados e fazem bicos humilhantes para sobreviver, que levam chifre, que são passados para trás, que dão vexame, que tem inseguranças. Não é água com açúcar nem mundo cor de rosa.

São personagens muito mais “reais”, muito mais “possíveis” do que aqueles personagens clichês de seriados comuns. Personagens com TOC/mania de limpeza, com inseguranças, com defeitos claramente expostos, interagindo em um roteiro bem amarrado com uma dose de humor politicamente incorreto para temperar.

Eles são gente como a gente. Mentem e depois se fodem todos para tentar segurar a mentira, fazem coisas vexatórias por dinheiro, mostram seu lado infantil e eventualmente até tiram proveito de situações eticamente duvidosas. Não são aqueles personagens irreais de seriados que nunca fazem nada incorreto. Freqüentemente mostram que são fofoqueiros, sem escrúpulos e interesseiros. E que é normal ser assim de vez em quando. Não tem essa coisa maniqueísta de bons e maus.

O roteiro é o mais original possível. Onde mais poderíamos ver uma irmã grávida de trigêmeos cujo pai é o próprio irmão? Onde mais poderíamos ver um ficante entalado em uma calça de couro no banheiro da sua peguete, tentando passar creme para ver se a calça entra? Friends ficou melhor a cada nova temporada. Da quinta temporada até a décima (a última) não tem um único episódio que eu considere ruim.

Um ponto forte: não tem crianças no elenco fixo. Porque eu odeio crianças na TV, seja em programas de auditório, seja em comerciais ou em seriados. Acho um pé no saco aquelas crianças falando como adultos, parecem anões! Friends não tem criancinha fazendo macaquice. Aliás, o tema é bem adulto, coisa que também me agrada. Não é apropriado para crianças. Adoro coisas não apropriadas para crianças!

Friends mostra o quanto o ser humano é falível, corrompível e cheio de defeitos e mesquinharias, mas sem tom pessimista, com muito humor. Duvido que você veja um episódio e não dê ao menos uma boa risada. É universal, todo mundo se identifica com o que vê, porque não são piadas sobre cultura local, são piadas sobre as falhas do ser humano. Não é a toa que ficou dez anos no ar, liderando audiência.

Friends flerta com o tosco. Em vez de ter mocinhas que arrasam o coração dos rapazes e homens que são perfeitos e sedutores, tem mocinhas cheias de neuroses e hábitos pouco elogiáveis e homens cheios de defeitos e extremamente incorretos. Humor negro, humor nojento e humor politicamente incorreto embalado em uma superprodução agradável de se ver. Friends não fala da vida de uma supermodelo, ou de moradores de um condomínio de luxo, nem da vida de uma estrela de cinema. Conta a vida de seis losers como eu e você, que ralam para sobreviver e estão sempre fazendo alguma merda em suas vidas.

O roteiro é tão bom que a maior parte dos episódios se passa no apartamento onde eles vivem. Não precisam de cenários ou outros artifícios. Os seis atores principais e o roteiro maravilho bastam. E se você não assistia por preconceito, por achar que era água com açúcar, pense novamente. Só para dar um exemplo, em uma cena, um dos seis personagens principais, que faz o papel de um ator fracassado, está fazendo um teste para participar de um filme onde ele faria uma cena de nudez. Ocorre que o personagem não poderia ser circuncidado e ele era, então, pede ajuda para sua amiga, que é Chef, para disfarçar sua circuncisão. Ela testa vários tipos de frios, até que acha um da cor parecida (um presunto) e o prende com cola no bilau do amigo . Durante o teste para o papel, o pedaço de presunto cai do bilau do ator na frente de todo mundo. Isso parece um roteiro água com açúcar?

Friends não precisa de efeitos especiais, de superprodução nem de atores famosos (quando começaram, os seis era praticamente anônimos). Basta aquele cenário do apartamento deles e os seis amigos. Outra coisa: agrada a todas as idades, pois tem piadas atemporais. Nada melhor do que falar sobre os erros do ser humano, pois é um assunto que qualquer pessoa em qualquer idade conhece.

O mais bacana é que a gente acaba se identificando um pouco com cada personagem. Não são estereótipos, são muito reais e muito humanos. Eu identifico nos personagens defeitos e formas de pensar que eu achava que apenas eu tinha. Conforta saber que certas neuroses são universais!
Friends está aí para provar que todos nós erramos e isso pode ser divertido.

Para dizer que Friends é seriado de mulherzinha, para dizer que nada supera o Dr. Cox e para dizer que é nerd e por isso comédia boa para você é Seinfeld: sally@desfavor.com

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