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Ele disse, ela disse: Você é o que lê?

| Desfavor | | 19 comentários em Ele disse, ela disse: Você é o que lê?

Decifra-me ou... DERP.Na era da overdose de informação, a solitária indulgência de saborear um bom livro pode até parecer uma relíquia de tempos mais simples. Mas a visível falta de cultura da população atual atualiza a discussão. Enquanto Sally acredita que os livros são peças fundamentais na construção da cultura de uma pessoa, Somir considera que o buraco é mais embaixo.

Tema de hoje: Livros são indispensáveis para se ter cultura?

SOMIR

Não. Podem ser boas ferramentas para a aquisição de cultura, mas não tem o monopólio da evolução intelectual. Posso resumir o meu texto todo em uma só frase: Não é o meio, é a mensagem.

Mas já que vocês estão aqui para ler, continuemos com o texto. Para começo de conversa, vamos eliminar qualquer resquício de romantismo em relação ao passado: As pessoas (em geral) nunca foram tão cultas quanto são hoje. O adulto médio dos dias atuais é mais culta que o adulto médio de um século atrás. E se voltarmos mais um século, podemos dizer que até as nossas crianças são mais cultas que os adultos deles…

Reconheço que há uma tentação de considerar tempos antigos como mais cultos, mas é a boa e velha mania de comparar o que não se pode comparar. O que “sobra” do passado são obras e histórias contadas por indivíduos notáveis, alguns deles absolutamente brilhantes. Comparar esse padrão com a média da humanidade atual OBVIAMENTE vai gerar resultados favoráveis ao passado. É comparar Saramago com a Fadinha89 do orkut (ambos não gostam de parágrafos…). Sacanagem!

E eu estou falando sobre isso porque a discussão sobre o valor dos livros na formação da cultura precisa considerar que os livros tinham praticamente o monopólio da comunicação à longa distância durante milênios. Não precisava-se desligar a TV para ler um livro em paz… E nessas épocas podem ter certeza que o Zé Ruela médio era tão ou mais limitado que os nossos Zé Ruelas médios. Não era o MEIO (de comunicação, antas!) livro que fazia a diferença.

Um número limitado de pessoas adquiria cultura enquanto a grande maioria estava cagando e andando para qualquer coisa que não fosse “daqui a quinze minutos”. Exatamente como hoje. A Grécia antiga não era formada só por filósofos…

Tirando essa nostalgia barata do caminho, vamos considerar um ponto importante desta argumentação: Livros frequentemente são mais “profundos” na sua abordagem sobre um assunto. Eu não discuto isso, não se compara um livro completo com um artigo de revista ou um filme qualquer. Mas já pararam para pensar o porquê disso?

O livro é uma mídia ancestral. Desenvolveu-se junto com a humanidade, enfrentando os mesmos problemas que enfrentávamos em tempos onde esse mundo ainda era grande demais. Um livro precisava ser “o conteúdo em si”, com começo, meio, fim e REFERÊNCIAS. Vamos fazer um exercício simples com você, ser humano médio do Século XXI: Imagine o Taj Mahal. Imagine uma vila antiga japonesa. Imagine um ornitorrinco. Imagine uma holandesa.

Fácil, né? Imagem e significados. Aposto que conseguiria até colocar uma trilha sonora em cada uma dessas cenas. Você já leu notícias, viu fotos, filmes e ouviu músicas sobre incontáveis elementos de cultura geral, útil ou não, no decorrer da sua vida na era da comunicação.

Agora, pensem comigo: Será que um cidadão comum de séculos passados conseguiria montar as mesmas cenas mentais? É evidente que os livros precisavam exibir suas informações de forma mais rica. Cuidado com a idéia de que se forma conceitos sobre alguma coisa apenas com uma fonte. A mente humana tem uma capacidade incrível de empilhar e relacionar idéias. Se você tem referências, você tem a capacidade de preencher os espaços nas mensagens que recebe.

É NATURAL que as novas gerações fiquem entediadas com um livro. Não adianta reclamar que “as coisas estão mudando” e forçar pessoas que foram criadas num ambiente mais desafiante e complexo que o seu a gostar das mesmas atividades que você gosta. Se você tem zilhões de referências sobre um assunto, ler páginas e páginas repetindo isso é chato pra caralho!

Leitura é um “gosto adquirido”, o que significa que na maioria das vezes ler um livro é o prazer em si. Independentemente do conteúdo. Vamos concordar que uma pessoa que lê cem livros sobre astrologia ainda é uma anta! (E eu nem vou entrar no mérito que a Bíblia é um livro…)

A leitura não vai nos dar esse mundo utópico onde o interesse pela cultura é maior do que pela banalidade. A realidade não é essa, nunca foi essa. E eu não escrevi utópico à toa…

E se pensarmos bem, condicionar cultura à leitura de livros é pra lá de conveniente para quem não quer “dividir” esse conhecimento. Cultura serve para relacionar idéias e tomar decisões. Criatividade e inteligência dependem demais da auto-segurança que só o conhecimento pode trazer.

Dizer para alguém que seu conhecimento é inválido por causa do meio pelo qual foi adquirido é segregar. Estamos julgando estilos de vida ou idéias?

A grande vantagem dos dias atuais é que o povo que se interessa pela aquisição de cultura está mais próximo do que jamais esteve. E uma guerrinha elitista entre quem adquire cultura de formas distintas só pode ser contraproducente.

O mundo muda. E com ele a comunicação. Livros ainda podem ser experiências pra lá de enriquecedoras, mas isso não significa que a relação entre causa e consequência está ligada a uma forma única de expressão de idéias. O mesmo efeito PODE ser conseguido reunindo informações e referências de diversas fontes com o ESSENCIAL gosto pelo pensar e imaginar.

Gente que lê para ficar mais culta acaba fazendo o papel daquele babaca que acha que fazer citações é demonstrar conhecimento. Gente que lê para ficar mais culta EMBURRECE.

Gente que lê porque GOSTA de ler que realmente consegue adquirir cultura. É o gosto pelo conhecimento que eleva a sua mente.

Para fazer uma piadinha previsível nos comentários, para me agradecer pelo resumo no começo do texto, ou mesmo para dizer que está surpreso que a elitista tenha sido a Sally hoje: somir@desfavor.com

SALLY

Ler livros é indispensável para ter cultura? SIM. Talvez não o seja para ter conhecimentos gerais ou para estar bem informado, mas a leitura de um bom livro é algo que um texto na internet ou um filme nunca conseguirão substituir.

Eu sei que nessa eu entro para perder. No Brasil a maior parte das pessoas não tem o hábito de ler livros. Na verdade, a palavra “hábito” é mais um eufemismo para a palavra INCAPACIDADE. Porque ler um bom livro não é uma coisa da qual todos são capazes, sobretudo quando não são estimulados desde pequenos. Sem um incentivo desde cedo e sem um mínimo de capacidade cognitiva, um livro pode ser algo muito chato. Daí pessoas que não tem CAPACIDADE para ler um livro se sentirão ofendidas com a minha afirmativa de que ler livro é essencial para ter cultura e como mecanismo de defesa vão meter o pau nos meus argumentos ou em mim. Coisas da vida. Coisas do Desfavor. Coisas do ser humano.

Achar que ler revista, blog e texto na internet é o mesmo que ler um livro em matéria de cultura é o mesmo que pensar que porque comeu em um Mc Donald´s em Paris conhece a comida francesa. Muito cômodo acreditar que fontes diferentes suprem a leitura de um bom livro. O grau de cognição, atenção, aprendizado e enriquecimento que se tem lendo um livro, só se consegue lendo um livro. E por livro, eu me refiro a literatura e não a lixos que não deveriam nem ser usados para forrar gaiola de passarinho, como Dan Brown, Paulo Coelho, qualquer lixo de auto-ajuda e outros.

Atentem para o fato de que eu não estou dizendo que basta ler livros para ter cultura. NÃO. Livros representam UMA das fontes necessárias para se construir um mínimo cultural na sua vida. Outras fontes também são bem vindas, como cinema, teatro, música, televisão, internet e tantas outras. Cultura é o somatório das fontes e do ganho que elas nos proporcionam. Assim como não acredito em cultura sem a leitura de um livro, também não acredito em cultura SÓ com a leitura de livros. Livro não é único nem principal e sim uma das peças do quebra-cabeça.

Não custa lembrar que livro não necessariamente deve ser na forma de papel. Cada qual que leia livros pelo meio que mais lhe atraia: papel, digital, braile, sinais de fumaça… O importante é ler obras literárias de qualidade, que acrescentem e façam a diferença.

Pode ser que a esta altura alguma mente preconceituosa esteja pensando que eu sou um pau no cu porque estou dizendo que quem não lê Castro Alves ou Aluísio Azevedo não tem cultura. Não, nada disso. Uma boa obra literária não tem que ser chata. Existem milhares delas e com certeza você acaba encontrando uma penca que tratam de assuntos que te fascinam em uma linguagem que te prende. Para isto basta ter a maturidade de sentar o cuzinho numa cadeira e passar um tempinho com você mesmo, submerso no livro.

Mas ninguém quer fazer isso. As pessoas querem ficar no MSN, no Facebook, no Twitter, no Orkut, no i-Phone, no e-mail, no celular ou em tudo isso ao mesmo tempo. Querem o imediatismo, querem recompensas rápidas, que satisfaçam seus egos auto-centrados ou que promovam mais uma modalidade de evasão de privacidade. Coitados, eles acham que suas vidas são tão interessantes ao ponto de ficarem exibindo-a para o resto do mundo. Senhor, perdoe-os, estes carentes não sabem o que fazem.

Ler um livro exercita este outro lado digno e elegante que está sendo esquecido pela humanidade. Exercita a reflexão, a introspecção e a imaginação. Ler um livro, repito, um livro que seja uma boa literatura, te permite pensar sozinho, cogitar, se colocar no ligar dos personagens, se conhecer melhor, refletir e passar um tempo quieto, com você mesmo, sem ficar se exibindo para os outros ou controlando a vida dos outros por meios digitais. Claro, é muito mais fácil ver o filme: os personagens já vem com a cara montada, os cenários já estão prontos e os diálogos já estão mastigadinhos. Mas se perde o valioso exercício da imaginação e da construção. Porque sim, dá para dizer muito sobre você com base na forma como você visualiza e constrói histórias e personagens. Você acha que Capitu traiu Bentinho? Porque? Isso pode dizer muito sobre você.

Vejam o meu caso, por exemplo, que até bem pouco tempo acreditava que a cobra picava o Pequeno Príncipe e ele dormia. Apenas dormia. O que isso diz sobre mim? Que eu sou uma otária, porque o Pequeno Príncipe FUCKIN´MORRE no final do livro. Não é a toa que o Somir me chama de Capitã Literal.

Dá trabalho construir a história de um livro na sua cabeça. Entender as frases, as entrelinhas e acompanhar essa história. Mas é enriquecedor, justamente por ser mais difícil e exigir mais mentalmente do que outras atividades como cinema. O ganho vem à longo prazo, na capacidade argumentativa, no conhecimento, na maleabilidade e nas diferentes visões que se tem do mundo. Ler um livro nos treina para aprender a ver o mundo pelos olhos de outras pessoas, e este é o grande segredo da convivência e das relações bem sucedidas.

As pessoas estão desaprendendo a ficar consigo mesmas, a refletir. O único ato solitário remanescente atualmente parece ser a masturbação (e não me espantaria se virasse coletivo em breve). Por isso as pessoas estão como estão, sem capacidade alguma de se entender e se comunicar, de ver o mundo pelos olhos dos outros e de construir coisas a longo prazo e mantê-las. Querem tudo imediato, sem paciência, sem investimento. Me recuso a levar esta vida fácil e descartável, eu sou muito mais do que isso e eu quero muito mais do que isso.

Nada substitui um livro, da mesma forma que nada substitui uma bela música ou nada substituí uma bela peça de teatro. Cada qual tem o seu valor na construção do nosso patrimônio cultural. Não discriminem o livro, uma vida sem leitura de bons livros fica indiscutivelmente empobrecida.

Para dizer que nunca imaginou que veria a axezeira defendendo livros e o nerd menosprezando-os, para dizer que a culpa é da sua escola que só te mandava ler livro pau no cu e isso te traumatizou e para dizer que as pessoas interessantes tem que ler os livros certos e andar com as pessoas erradas: sally@desfavor.com

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