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Ele disse, ela disse: Ah, os amores…

| Desfavor | | 25 comentários em Ele disse, ela disse: Ah, os amores…

A imagem dos japinhas está batida...Depois de discutir a ética e a moral do banheiro, Sally e Somir se embrenham por um assunto um pouco menos filosófico: O amor. Enquanto ela acredita que um sentimento desses não precise estar preso a apenas uma pessoa, ele a manda abraçar uma árvore.

P.S.: Amor romântico, amor “sexual”. Antes que alguém saia pela tangente…

Tema de hoje: É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo?

SOMIR

Não. Eu gostaria que vocês me fizessem um favor e pedissem para seu lado sentimental dar uma voltinha até este texto terminar, o assunto é particular com seu lado racional.

Ele já foi? Ótimo. Vamos continuar então…

Eu sei que é reconfortante acreditar que sentimentos nobres como o amor vem de algum lugar mágico e inexplicável, como se eles fossem nossa ligação, mesmo que efêmera, com algo muito maior do que a mesquinharia da nossa vida cotidiana. Cria-se a impressão que tratar amor como uma série de impulsos elétricos e reações químicas tende a “baratear” a experiência como um todo.

E existe uma certa lógica nessa visão das coisas. Poucas coisas corroem mais uma mente humana do que a insegurança. O medo do desconhecido é absolutamente natural e bebe muito da fonte da dúvida sobre o nosso propósito nessa vida. Se não sabemos o que estamos fazendo com essa existência, como definir se estamos fazendo as melhores escolhas? Não tem nenhum referencial universal. A quantidade inimaginável de possibilidades e caminhos que podemos seguir enlouquece quem não tem capacidade (ou vontade) de criar seu próprio referencial.

E é justamente isso que você tenta fazer como lado racional, não é mesmo? Criar um referencial sólido para se proteger das dúvidas. Uma escolha escorada nesse muro de lógica e conhecimento acumulado não deveria mais sofrer com as intempéries de uma mente abstrata.

Mas… não é isso que acontece. O lado emocional insiste em sabotar essa barreira com seus arroubos de insegurança. Você tenta acalmá-lo, mas é quase sempre em vão. Ele parece tão frágil às vezes, mas ainda é capaz de destruir todo seu trabalho com apenas um golpe.

O que talvez você não saiba ainda é que ele está tentando fazer a mesma coisa que você. Proteger as escolhas. Ao tratar o amor como imposição cósmica, ele quer criar uma área de exclusão de dúvidas. Se o amor é maior do que nossa capacidade de decisão, ele é naturalmente a escolha certa. Esse é o plano dele.

Sim, lado racional, eu também percebo que isso é receita de problemas. Deixar a mente a mercê de qualquer impulso supervalorizado vai trazer mais sofrimento do que felicidade na média, mas se o lado emocional fosse capaz de entender alguma coisa a longo prazo, não seria o lado emocional.

Quando eu argumento que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, não estou me referindo a um conjunto de reações químicas padronizadas que giram ao redor de estímulo sexual, podemos “amar” milhares de pessoas dessa forma. Evidente.

Mas você sabe muito bem o tipo do amor que eu estou me referindo. Aquele que você, o lado racional, assina em baixo. O amor escolhido. O amor que você cuida, o amor que você protege, o amor que você fortalece. O lado emocional adora se vangloriar, mas você sabe que o amor verdadeiro é departamento seu. Amor precisa de manutenção constante, amor precisa de base sólida, amor precisa de reciprocidade. E o lado emocional é incapaz de fazer isso. Se dependesse dele, a primeira briga sempre seria a última.

Para você amor é obrigatoriamente uma troca. O lado emocional fica apaixonado por pessoas que não te querem, que te abandonam, que te tratam mal… O racional contém os danos e parte para a próxima.

Pode apostar que a cada vez que você se depara com uma dúvida irracional numa relação, ela passou por um buraco criado por ele na sua parede. E quanto mais tempo você o deixa sem supervisão, maior a brecha na defesa. Pronto: O seu amor está infestado de dúvidas e insegurança.

Vacile pelo tempo suficiente e até você acaba confuso. Com dois ou mais amores para cuidar! O trabalho do lado emocional é fácil, destruir é mais fácil que construir. O seu se torna praticamente impossível.

Qual escolher? Qual é o mais fácil de proteger? Qual é o melhor? Ele não liga para essas questões, mas você liga. Você sabe que não dá para ficar com todos e ainda cuidar deles direito. Você sabe que se não for uma escolha, não é amor de verdade.

As pessoas entram em crise existencial por “amar” duas pessoas ao mesmo tempo e acham que isso é inevitável. Não é. Ou você fez uma escolha e está lidando com a dúvida artificial da insegurança, ou você não escolheu nada ainda e está se iludindo achando que já.

O simples fato de você dificilmente conseguir exercer esse amor com duas pessoas entrega que isso é uma falha da racionalidade e não uma dádiva da “deusa do amor, bicho”, como minha CARA hippie acredita.

E sim, a solução aqui é óbvia. Mas não somos inocentes, somos? Desde quando você consegue expor a solução óbvia e ser atendido? Com o lado emocional berrando feito uma criança mimada o tempo todo, é impossível se comunicar sem alguma confusão. Vamos aproveitar essa chance rara e dizer com todas as letras:

Amor é racional. O resto é sentimentalismo.

Bom, pode chamá-lo agora. Tenho a impressão que ele vai se esbaldar com o próximo texto. Foi um prazer falar com você, lado racional. Duvido que vá ter contato com você nos comentários, mas sempre existe a probabilidade, não?

Para dizer que é até louvável o quanto eu me esforço nessas colunas perdidas, para dar um chilique desconexo dizendo que não é guiado(a) pelo cerebelo, ou mesmo para dizer que quem eu procurei não se encontra ou não mora mais aí: somir@desfavor.com

 

SALLY

É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Atentem para a pergunta. Vou repetir: É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Não estou perguntando se é correto, se é bonito, se já aconteceu com você ou se você gostaria de passar por isso. Estou perguntando se É POSSÍVEL que isto aconteça. CLARO QUE SIM. Não existe regrar rígidas e absolutas em matéria de amor.

Sempre tem um coração romântico, ingênuo ou inexperiente que pensa coisas do tipo “Amor é único, é para uma pessoa só, se há sentimentos envolvendo mais de uma pessoa então não é amor”. Pare de ler conto de fadas e assistir desenhos da Disney, porque no mundo real as coisas nem sempre são perfeitas, equacionadas e presas a regras sobre “como deveriam ser”. Eu sei que desespera, mas sim, é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Para amar alguém basta ter um envolvimento emocional forte, conhecer bem a pessoa, nutrir e alimentar uma série de sentimentos e uma relação. Não sei onde está escrito que isso não pode ser feito com mais de uma pessoa por vez. Tomemos como exemplo uma pessoa que é casada por dez anos e tem uma amante fixa por oito anos com a qual convive regularmente. Não duvido que esta pessoa ame cônjuge e amante.

Há envolvimento suficiente para isso, há um campo fértil de onde pode ter nascido amor. Não acredito em amor à primeira vista ou instantâneo, mas havendo investimento e convivência de longa data, nada impede que se ame mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

E se alguém vier com a balela que quem ama não trai, que se traiu é porque não ama o cônjuge, eu vou recomendar terapia para aprender a viver no mundo real, porque pensar assim é chamar aos berros por sofrimento. Não que alguém tenha que tolerar traição como inerente a amor (não é, não deve ser tolerada), mas ela pode acontecer com a pessoa te amando.

O que não acontece é amar duas pessoas SEM QUERER, POR ACIDENTE, SEM TER CONSENTIDO ou criado oportunidade para que isso ocorra. O clássico e canalha “aconteceu, não pude evitar”. Não existe o “aconteceu”. É preciso um longo tempo de atitudes erradas e falta de limites éticos para se amar duas pessoas ao mesmo tempo.

Supõe-se que, se você ama uma pessoa, estabelece limites de distância mínimos para evitar qualquer tipo de envolvimento com outras pessoas. Supõe-se, mas quase nunca é verdade, porque nós humanos podemos ser uma bostinha vaidosa que coloca em risco coisas muito importantes em troca de ter o ego afagado achando que tem tudo sob controle e que nada vai acontecer. A ilusão do controle é o embrião de boa parte das nossas cagadas nesta vida.

Caso você assuma o risco e deixe que apareçam oportunidades de convivência suficientes para se afeiçoar por outra pessoa, pode acabar se apaixonando e até mesmo amando-a. E amar uma pessoa não implica em, automaticamente, deixar de amar outra.

Essa é a magia do bad karma de quem faz uma porra dessas: ela não deixa de amar, ou seja, em algum ponto a pessoa vai ter que escolher, vai ficar sem um dos seus amores (ou até sem ambos) e vai sofrer por causa disso. Está fadada a perder um amor. Não precisa de nenhum castigo extra, a situação por si já é certeza de sofrimento.

Pensemos no caso de um homem que tem duas famílias em paralelo sem que uma saiba da outra (coisa não tão rara assim). Vocês acham que é sempre preto no branco, que o homem sempre tem “a mulher que ama” e “a mulher da família paralela”? Eu acredito que seja possível que ame as duas. É um canalha? É. Mas isso não impede que ame duas pessoas ao mesmo tempo. O fato é que tendo tempo e oportunidade somos capazes de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, por mais que isso seja canalha, escroto e errado.

Pode ser que você seja uma pessoa correta e não esteja disposta a fazer isso com alguém. Louvável. Você ESCOLHE, em função de uma trava ética não se colocar nessa situação. Você toma providências para que isso não aconteça. Você mantém um distanciamento das pessoas para não correr o risco de se envolver emocionalmente com ela.

O que não quer dizer que você não seja capaz de sentir isso um dia se deixar de lado essas travas de segurança. É como perguntar se é possível que uma pessoa se sinta atraída sexualmente por alguém do mesmo sexo. Se VOCÊ não se sente, bem, isso não quer dizer que não seja possível. É possível e acontece, só porque não aconteceu COM VOCÊ não quer dizer que não exista.

Para amar uma pessoa não precisamos deixar de amar outra. Vou além… isso não necessariamente flerta com a falta de caráter. Rápido exemplo: tenho um amigo que perdeu a esposa em um acidente de carro e me diz o tempo todo que ele ama sua namorada, mas ainda ama a ex-esposa também. Porque não? Amor não é arquivo de computador, que para salvar um você tem que apagar o anterior para criar espaço em disco. Não simplifiquemos o sentimento humano, não sejamos arrogantes de dizer o que se pode e o que não se pode sentir, como quando e quanto.

Eu acho que em muitos dos casos onde as pessoas dizem amar duas ao mesmo tempo na verdade não amam nenhuma. Tem de tudo no mundo. Mas também acho que existem casos onde de fato se ama mais de uma pessoa ao mesmo tempo. É uma situação horrível onde todo mundo sai perdendo, mas acontece. Seria mais legal um mundo ideal onde isto não fosse possível, mas acontece. Seria mais seguro viver com base no preto no branco, mas acontece. Ignorar essa enorme zona cinzenta não faz ela deixar de existir.

Pessoas são complexas, estranhas e egoístas. Pessoas traem (às vezes sem ao menos trocar um beijo) das formas mais incompreensíveis. Pessoas cultivam sentimentos das formas mais desordenadas e confusas e cada vez mais constroem relacionamentos difíceis de entender e classificar. Dentro dos milhões de possibilidades que podem se apresentar em relacionamentos, acredito que seja possível amar duas pessoas ao mesmo tempo das mais diversas formas.

Não se deixa de amar uma pessoa porque se começa a amar outra. Isso é uma premissa falsa na qual gostamos de acreditar para logo em seguida concluir de forma tola “então, se ele me ama, não vai amar mais ninguém”. Segurança imaginária para bobos. Qualquer um de nós pode acabar amando outra pessoa, daí a importância de postura correta, distanciamento e respeito. Não seja bobo de cair nessa armadilha.

Para reclamar do blogger, para dizer que amar duas pessoas ao mesmo tempo é coisa de quem não mija no banho ou ainda para me passar um longo sermão sobre amor de verdade: sally@desfavor.com

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