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Ele disse, ela disse: Me dá um dinheiro aí?

| Desfavor | | 57 comentários em Ele disse, ela disse: Me dá um dinheiro aí?

Em virtualmente qualquer cidade desse mundo podemos encontrar pessoas pedindo dinheiro pelas ruas. Nem todos por pura necessidade. Quando confrontados com mendigos, Sally e Somir entram numa desavença ideológica na hora de botar a mão no bolso.

Tema de hoje: Dar esmolas, sim ou não?

SOMIR

Sim, com ressalvas. Não consigo enxergar um agente de mudança social prático na decisão de dar ou não esmolas para pedintes na rua. Concordo plenamente que se todo mundo parasse de “financiar” essa atividade, ela acabaria. Mas precisamos tomar muito cuidado com esses argumentos “se todo mundo”…

Quando você precisa trazer o resto da humanidade com você numa mudança de atitude, pode ter certeza que você está bem longe do seu objetivo. Se todo mundo concordasse comigo o tempo todo, estaríamos vivendo numa era de paz e prosperidade inigualável na nossa história. E nem é a minha famosa arrogância tomando conta; provavelmente muitos de vocês também conseguiriam o mesmo feito, dada a condição de concordância e obediência generalizada.

Os problemas desse mundo não estão relacionados à falta de boas ideias, a merda é conseguir colocá-las em prática. Existem tantos fatores para serem levados em conta para realizar cada uma dessas ideias que frequentemente nos vemos travados no meio do caminho. Soluções “ditatoriais” são muito tentadoras, sou o primeiro a admitir, mas precisam de condições pra lá de ideais para funcionarem.

E é levando isso em consideração que eu formulo minha argumentação no texto de hoje: Se precisamos mudar a cabeça de MUITA gente para matar a indústria da esmola, quer dizer que tem mais aí do que simplesmente teimosia popular. Mesmo que as pessoas não entendam muito bem, sempre fazem as coisas que fazem por um motivo.

Não nego que as motivações sejam frequentemente egoístas e preguiçosas, eu mesmo já dei esmola rapidinho para evitar que mendigos de aparência, roteiro e cheiro incômodos tivessem motivo para ficar muito tempo perto de mim. Não é bonito de se dizer, mas muita gente faz também e deve ser levado em consideração. A esmola também pode ser enxergada como um “pedágio” para se manter isolado desse mundo.

A relação não costumam ser muito positiva. Tem gente que fica com o coração partido e quer ajudar mesmo, mas sejamos escrotamente honestos: O mendigo frequentemente gera menos compaixão que um animal de rua. Até porque resolver a vida de um bicho e se sentir um herói por isso é absurdamente mais fácil. Eu estou falando do “desânimo” quase que automático que nos dá ao perceber o quão pouco podemos ou queremos fazer.

Dar esmola ou não dar esmola vai ter um impacto muito pequeno na qualidade de vida de uma pessoa que vive nas ruas. A moeda que você dispensa está financiando subsistência, mesmo quando é gasta em bebidas e outras drogas (vai viver nas ruas de cara limpa por alguns meses e depois me conta se foi bacana, vai…). Aquela pessoa raramente vai ter a sua disposição meios de fazer a mudança para “cidadão”. Muito culpa de um sistema fodido e injusto como o de um país subdesenvolvido como o Brasil.

Tratar mendicância como mera preguiça de melhorar de vida é ranço de uma mentalidade também egoísta: Imaginá-los absolutamente capazes de resolver seu deslocamento social diminui um pouco a sensação de impotência e aplaca a culpa por uma quase que instintiva capacidade de se colocar no lugar de outros. Tem muita gente nesse mundo ferrada ao ponto de não conseguir se virar sozinha. Porra, tem gente que já nasce sem chance. Não confunda pessoas com força de vontade e talentos excepcionais com cidadãos médios. Uma pessoa que “escapa” da rua provavelmente já estaria rica e famosa se tivesse nascido no seu berço.

Se o sistema não cuida, a responsabilidade cai nas costas do cidadão. E pouca gente tem meios ou desprendimento para “adotar” uma pessoa marginalizada. O que dá para fazer é dispor de uma parte do seu patrimônio e/ou tempo para aliviar um pouco a disparidade entre os padrões de vida. E isso não vai resolver mesmo os problemas dessas pessoas.

Sem o apoio do sistema (uma das únicas formas de “todo mundo” trabalhar junto) e sem o apoio cidadão, mesmo que com uma porcaria de uma moedinha, o que que vai restar para a pessoa? Tomar vergonha na cara e mudar de vida porque isso é fácil? Não seja inocente. Mendigar é uma merda de vida. Não é esmola que financia mendicância, é voto.

Mendigo tem no mundo todo, mas os de países pobres que realmente não tem para onde correr. Se morássemos na Noruega, até que eu cederia o ponto da argumentação de hoje. Mas se gente com casa e emprego morre em fila de hospital público, como ter coragem de dizer que o mendigo tem meios de resolver sua vida?

E é essa merda de vida e a situação constrangedora de não ser capaz de se manter por conta própria (ou por conta de pessoas próximas) que me leva a argumentação sobre os safados que fazem de mendicância uma profissão: Eles existem sim, estão mais do que comprovados. Essas pessoas tem chances e oportunidades para se virar de outra forma, mas… ESCOLHEM predar as migalhas de gente que não tem essa escolha. Você quer esse tipo de gente procurando outra linha de trabalho?

Esmola pode ser enxergada como o pino de uma granada. Com certeza seria mais agradável não ter uma nas mãos, mas já que está…

Para dizer que tem certeza que o que você está atacando não são moinhos de vento, para reclamar que eu tentei dar uma visão humanista ao meu desinteresse, ou mesmo para dizer que se todo mundo discordasse de mim o mundo seria ainda melhor: somir@desfavor.com

SALLY

O tema de hoje é curto e grosso. Dar esmolas: sim ou não?

Por mais que muitas vezes eu morra de pena e tenha vontade de dar, eu tento me segurar e não dar. Pode parecer irrelevante, mas se ninguém desse, ninguém estaria tentando pedir. A partir do momento que um dá, todos começam a ter esperanças e pedir. No dia que um popular pedir o cu de uma mulher no meio da rua e essa mulher der, em questão de horas teremos centenas de homens pedindo cu para tudo quanto é mulher na rua. É assim que a coisa funciona.

Pode parecer mesquinho não dar esmola, afinal o que para a gente não é nada pode ser a diferença entre comer ou a fome para quem pede. De fato acredito que algumas pessoas se encontram em uma situação tão calamitosa que precisam desta ajuda urgente. Só que boa parte daqueles que pedem esmola não precisam porra nenhuma e geralmente usam a esmola para comprar tudo, menos comida.

Uma pesquisa recente foi feita aqui no Rio de Janeiro onde se constatou que quem pede esmola nos locais mais receptivos da cidade acaba recebendo uma média de dois reais por esmola e cerca de vinte esmolas por dia. Isso dá um total de R$ 40,00 por dia e R$ 1.200,00 por mês. Ganham mais do que muita gente que trabalha oito horas por dia e tem um diploma, com a vantagem de não ter que aturar chefe chato e poder fazer seu horário de trabalho. É ou não é um incentivo à mendicância? Eu mesmo conheço um infeliz que trabalhava ganhando R$ 800 e largou voluntariamente seu trabalho de carteira assinada para mendigar, porque trabalha 4 horas por dia e ganha quase o dobro.

Não faz muito tempo vi um documentário na TV sobre esses “mendigos profissionais”. Eles saem de casa de banho tomado, muitas vezes de carro e quando chegam no seu “local de trabalho” vestem roupas xexelentas e contam histórias tristes. Após 3 ou 4 horas de trabalho voltam para casa, tomam um banho e curtem a vida. Francamente, recompensar esse tipo de conduta é muita burrice. Eu sei que nem todos fazem isso, mas a partir do momento que se recompensa quem faz isso, se estimula a que mais pessoas o façam.

“Mas Sally, por causa de uns safados devo virar as costas para quem está passando fome?”. Não. Dê um prato de comida, uma quentinha, em vez de dar uma esmola. Assim você ajuda quem em fome e desencoraja os golpistas.

Tem também os danos colaterais da esmola. Não sei se em todos os lugares do Brasil acontece, mas aqui no Rio há uma “indústria de aluguel de crianças” para esmola. Mães alugam seus filhos para que eles passem o dia todo acompanhando um pedinte, já que a presença de crianças tende a amolecer o coração de quem dá esmolas. Também tem as mães que tiram os filhos do colégio e os colocam para fazer malabares no sinal para complementar a renda familiar. Definitivamente não quero contribuir com isso.

Temos ainda as esmolas que financiam o uso de drogas ou o alcoolismo. Não raro vemos gente que pede esmola “para comprar comida” usando esse dinheiro para comprar cachaça, drogas ou qualquer outra merda. Você não sabe o que aquela pessoa vai fazer com o dinheiro, por isso dar esmola pode acabar sendo contraproducente. A pessoa que você deu uma esmola pode comprar uma pedra de crack, fumar e matar o filho de alguém em um assalto dez minutos depois, por estar completamente alucinado e querer mais dinheiro para comprar mais drogas. Parece um risco que você queira correr?

Nada contra fazer doações. Tem um casaco em casa que não usa mais? Tem um cobertor sobrando? Quer comprar agasalhos só para doar? Ótimo, para no sinal e dá para alguém. Ninguém cheira ou injeta cobertor (a menos que seja o marido daquela leitora que tinha um cobertor chamado “Cheirinho”). Doando você sabe a destinação que será dada ao bem. Dando dinheiro não. Dando dinheiro você pode estar contribuindo para uma centena de coisas que você abomina. A gente mal confia no discernimento das pessoas que nos cercam, quem dirá no discernimento de alguém que não conhecemos e está na rua jurando que quer dinheiro para comprar comida.

Dar esmola é colocar seu dinheiro à disposição de uma incógnita. Você não sabe ao certo o que vai ser feito desse dinheiro, talvez a destinação dada acabe prejudicando a pessoa que o recebeu ou até te prejudicando em um futuro próximo.

Até pouco tempo pedir esmola era considerado contravenção penal, de tão socialmente nocivo que o comportamento é. Para quem não sabe, contravenção é uma espécie de “mini-crime”, é algo reprovável, pero no mucho, que não chega a ser crime mas tem uma pequena punição para desencorajar as pessoas a fazê-lo. Boa coisa não é.

Eu tenho plena consciência que tem muita gente que pede porque realmente precisa, porque realmente passa fome, porque realmente tenta trabalhar e não consegue. O mercado de trabalho está uma bosta até mesmo para pessoas com diploma. E minha negativa em dar esmola não se baseia apenas em questionar para onde vai o dinheiro e em desencorajar esse comportamento, mas também em acreditar que esmola não resolve. Quer ajudar? Dê o que a pessoa precisa, na forma de bens: cobertor, alimento, medicação… Nada contra ajudar, tudo contra dar esmola. Você dá uma esmola hoje e amanhã o problema continuará ali. Esmola não apenas não resolve como ainda adia a solução do problema.

A esmola me soa como uma crise de consciência. Porque no Brasil tem isso da pessoa se sentir culpada por ter dinheiro, como se o dinheiro na sua conta bancária fosse tirado da conta bancária de quem pede esmola. Não é. As pessoas que estão na miséria não se encontram nessa condição porque você ganha um salário digno e sim porque o dinheiro público destinado a elas direta ou indiretamente (educação, saúde…) está na conta bancária de um bando de filhos da puta que vivem de embolsar verba.

Dar esmola não é a única forma de ajudar, se fosse talvez até valesse o risco, mas não é. Existem outras formas mais eficientes. Dê emprego, dê comida, dê qualquer coisa que você sabe que será usada para o bem, mas não dê esmola, porque além de correr o risco de se prejudicar, ainda prejudica o resto da sociedade.

Para dizer que quer ajudar mas não o suficiente para se dar ao trabalho de comprar a comida você mesmo, para dizer que não só não vai parar de dar esmola como também vai começar a pedir cu nas ruas ou ainda para meter política, religião e outros assuntos impertinentes ao tema dos comentários: sally@desfavor.com

Comentários (57)

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