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Ele disse, ela disse: Amigos, amigos…

| Desfavor | | 65 comentários em Ele disse, ela disse: Amigos, amigos…

Sally e Somir trabalham no ramo de serviços, não naquele tipo de serviço atribuído a quem (ou a mãe de quem) se discute na internet, mas eles vendem tempo e dedicação de seus corpos e mentes como meio de ganhar a vida. A discussão desta coluna aparece na hora de oferecer esse trabalho para amigos próximos. Ele tem um preço, ela não.

Tema de hoje: Cobrar serviços prestados a um amigo, sim ou não?

SOMIR

Sim. Eu tento evitar relações confusas e dramas o máximo que posso, então nada mais natural do que não colocar idealismo bobo entre eu e meus amigos. Adoraria trabalhar apenas para quem eu quisesse, quando eu quisesse, sem a menor preocupação financeira. Mas este não é o caso de praticamente ninguém neste mundo.

Quem trabalha com serviços sabe como o trabalho envolvido pode variar muito de acordo com o cliente. Tem trabalhos que você resolve em minutos, outros demandam meses de preparação, execução e entrega. Se eu tivesse um mercadinho e um amigo me pedisse um pacote de bolacha, não seria problema algum.

Agora, quando esse pedido do amigo pode significar inúmeras horas produtivas da minha vida, não depende apenas da minha boa vontade. Se eu “entrego” essas horas de graça para um amigo querido, isso quer dizer que me sobra menos tempo para fazer o serviço pelo qual sou remunerado e ganho minha vida.

E numa situação dessas, existem dois problemas: O meu e o do amigo. Por um lado, eu não posso simplesmente deixar de lado o que me comprometi a fazer, mesmo que de forma não remunerada, para atender a um cliente que se não me desperta nenhuma simpatia especial, compensa com dinheiro. Dinheiro que não anda sobrando para quase ninguém.

Do lado do amigo, aquela situação meio chata de cobrar sem poder cobrar de verdade. Se a pessoa está trabalhando de graça para você, é chato ficar apertando e cutucando para que ela entregue o serviço prometido. Você nunca sabe se seu amigo está fazendo as coisas na medida de sua habilidade de trabalho ou se está deixando tudo em segundo plano em favor de clientes que efetivamente colocaram a mão no bolso.

Embora ache bonito o conceito de “para os amigos, tudo”, infelizmente isso não se sustenta na vida real. Para os amigos, tudo o que for possível. Se eu tenho tempo e disponibilidade financeira para oferecer o serviço de graça, não vejo problemas, mas, novamente… não é como se isso fosse uma situação muito provável.

Eu meço minhas amizades não pelo “valor” dos serviços que posso ganhar com elas, meço por honestidade, fidelidade e cumplicidade. Não acho justo cobrar de amigo nada mais do que amizade. Se a pessoa tem um trabalho e depende dele para ganhar a vida, eu entendo que não é má-vontade dela colocar um preço nas suas horas PRODUTIVAS da vida. Tomar umas cervejas no bar não ocupa o mesmo espaço da vida que o trabalho (ou pelo menos não deveria, bando de pingaiada…).

Inclusive, vejo a relação de negócios ideal com um amigo como aquela onde você paga MUITO BEM pelo trabalho dele. Amigo não é oportunidade de mão-de-obra barata, amigo é uma pessoa que você quer ver se dando bem na vida. Quando eu ficar rico, espero poder pagar “preço de governo” para contratar serviços prestados por pessoas mais próximas. Acredito que pagar bem pelo trabalho é uma das chaves de serviço bem feito e qualidade de vida.

E outra, eu SEI que os meus amigos tem visão parecida. Afinal, se fossem espertalhões esperando apenas tirar vantagem de suas relações pessoais, nem acabariam sendo considerados amigos por mim.

Qualidade tem preço e eu gosto de entregar serviços de qualidade. Eu digo a verdade quando menciono que minha visão do desfavor seria completamente diferente se vocês realmente tivessem que pagar para acessar o site. Não é exatamente desdém para com a base de leitores no formato atual, são decisões que eu tenho que tomar baseado em retorno financeiro das horas que dedico a cada coisa. Se ganho a presunção de mercenário por causa disso, que seja. Mais importante do que fazer pose é entregar qualidade no que se faz.

E ainda MAIS importante do que tudo isso é conseguir um bom padrão de qualidade de vida. Eu não vou me aposentar pelo INSS, eu não tenho uma herança para torrar, eu preciso chegar nos meus últimos anos de vida (os próximos dez) com dinheiro o suficiente para não precisar ficar me matando de trabalhar. Digo isso porque pode-se argumentar que daria para se sustentar minimamente bem alocando algumas horas de trabalho para quebrar galhos para amigos. Mas não é assim que as coisas funcionam… Se você ganha apenas o suficiente para se sustentar, as contas futuras começam a não fechar.

E sobre o argumento de que é vantajoso fazer algum serviço de graça para colher vantagens futuras, eu concordo em termos. Isso é uma estratégia de NEGÓCIOS, não de amizade. Se eu trabalho de graça para alguém com o objetivo de lucrar lá na frente, não estou fazendo de forma desprendida e altruísta. Se o beneficiado não precisa ser meu amigo para que isso valha, não é como se pudesse entrar nessa discussão, não?

Dito tudo isso, já trabalhei “de graça” para amigos sim. Mas ênfase nas aspas: Nada é de graça nessa vida. Considero que o pagamento do serviço saiu do meu bolso e a recompensa é ajudar alguém que eu julgo merecedor. Não vou cobrar depois. Já está pago. E até por essa visão das coisas, eu não faço muito doce na hora de dizer não para algum deles. Se eu posso arcar com esse custo, eu arco. Se eu não posso, não posso.

Muito melhor se comprometer com o que pode entregar.

Para me chamar de mercenário (para me chamar de mercenário com fontes coloridas, assine o desfavor), para reclamar que se o desfavor é sinal da minha dedicação ao trabalho nem de graça me contrataria, ou mesmo para dizer que riu muito imaginando o texto todo como se eu fosse garoto de programa: somir@desfavor.com

SALLY

Cobrar para serviços prestados a um amigo, sim ou não? Que fique claro que “serviços” não é um favorzinho de fácil execução, é algo trabalhoso e demorado ligado ao seu ofício, profissão ou função. Algo que vai te obrigar a ocupar sua agenda e talvez abrir mão de outros serviços que seriam remunerados. Minha opinião: NÃO, não se cobra de amigo. Eu não consigo, eu acho escroto.

Amigo não é colega. Amigo é AMIGO. Eu até poderia cobrar de um colega, mas de um amigo jamais. Acho feio, acho mesquinho. Meu conceito de amizade é ajudar a pessoa sempre que ela precisar se mim, seja doando um órgão, seja oferecendo um ombro amigo, seja disponibilizando minhas habilidades profissionais. Se não for assim, para mim não é amizade.

Dizem que os amigos são “a família que a gente escolhe”. Porra, eu jamais cobraria para prestar serviços para minha família, muito menos para a família que eu escolhi. E vou te falar, eu me ofereceria para pagar os serviços prestados por um amigo a mim, mas me causaria um estranhamento se um amigo me cobrasse! Como eu não gostaria que meus amigos fizessem comigo, nada mais justo que eu não faça com eles, caso contrário estaria sendo hipócrita.

Atentem que eu falei em cobrar por SERVIÇOS. Evidente que se o seu amigo é engenheiro e está construindo uma casa para você, todo o material e despesas feitas tem que ser pagos. Só o serviço é que eu acho dispensável. Serviço não se confunde com o material usado no serviço, a intenção não é dar prejuízo a ninguém. E que fique claro que as normas de boa educação mandam que a pessoa se disponibilize expressamente a pagar e só depois de uma recusa enérgica é que ela está desobrigada ao pagamento pelo serviço prestado por um amigo.

Tem quem faça a distinção de acordo com a condição financeira dos amigos. Francamente, eu não concordo com isso. Se o amigo for rico, a pessoa cobra, se o amigo for pobre, a pessoa não cobra. Olha, meus valores não são feitos com base no saldo da conta bancária alheia. Não cobrar de amigo é um valor moral para mim. Além disso, a situação financeira de uma pessoa oscila, você não sabe se o valor cobrado hoje do seu amigo poderia fazer toda a diferença para ele dentro de alguns meses.

Cobrar de amigo é como cobrar da mãe, da irmã ou de qualquer outra pessoa querida próxima. Amizade presume doação: de afeto, de tempo, de disponibilidade, de tudo aquilo que seja necessário para o bem estar do seu amigo. Se a prestação do seu serviço, ofício ou profissão vai beneficiar um amigo, porra, é sua obrigação como amigo fazê-lo se você puder. Se você puder, ou seja, se não comprometer sua profissão, seu sustento ou seus trabalhos em andamento, é mesquinho cobrar.

Confesso que eu sou meio otária, vira e mexe trabalho de graça mesmo para quem não é amigo, só por ver que a pessoa não pode pagar e se eu não a ajudar ela vai se ferrar. Você pode pensar que eu sou otária, e talvez eu realmente seja, mas eu acredito em alguma espécie de Lei do Retorno. Não essa coisa fatalista religiosa e sim que ajudando pessoas você ganha sua gratidão e como o mundo dá muitas voltas, um dia você pode ser retribuído justamente em um momento no qual precisa muito. Não conto com isso, mas acho que quando você ajuda outras pessoas existem boas chances de colher isso no futuro, de uma forma ou de outra.

Então, quem encara trabalhar de graça para amigo como “tomar prejuízo” ou coisa do tipo, deveria repensar essa postura imediatista. Muitas vezes a gratidão de uma pessoa acaba te ajudando muito mais do que uma determinada quantia de dinheiro no bolso. Não que você deva ajudar um amigo de graça pensando em colher frutos no futuro, deve ajudar por amor ao amigo, só quero mostrar que nem sempre ajudar de graça é sinônimo de prejuízo.

Qual é o seu conceito de amizade? Porque acho que a resposta para este Ele Disse, Ela Disse está aí. “Amigos, amigos, negócios à parte”? Meu conceito de amizade é fazer tudo que estiver ao meu alcance para ajudar um amigo, inclusive trabalhar, trabalhar muito se for preciso. Abrir mão do meu tempo livre para ajudar um amigo em algo que ele esteja precisando, dependendo isso ou não de eventuais habilidades profissionais. Mas que porra, amigo não é só para tomar chopp em mesa de bar e contar piada!

Infelizmente está cada vez mais raro ver gente que se sacrifique pelos amigos. As pessoas são amigas e ajudam enquanto isso não lhes atrapalhe. A partir do momento em que a amizade começa a demandar algum esforço, algum sacrifício, começam a surgir as desculpas, as esquivadas. Vergonhoso. Não sei fazer as coisas pela metade. É para ser amigo? Então é para estar do lado da pessoa e fazer o que estiver ao seu alcance por essa pessoa Vale o seu comprometimento com aquilo que você escolheu e não o quanto você ganha financeiramente.

Cobrar de amigo eu acho feio demais. É tratar um amigo como um mero conhecido. Eu ficaria magoada se em qualquer momento da minha vida um amigo me tratasse como uma mera conhecida em qualquer situação. Espero mais dos meus amigos, que por sorte até agora nunca me decepcionaram nesse ponto. Cobrar de amigo é desprezar a amizade, é dizer que a pessoa é sua amiga em algumas horas mas em outras ela é rebaixada à categoria de colega. Quando você precisa de apoio recorre ao amigo mas quando ele precisa dos seus serviços você COBRA? FEIO! MUITO FEIO!

Mas a cabeça das pessoas parece estar voltada para lucro e ninguém parece tolerar a frustração de trabalhar de graça quando podia estar cobrando. Então as pessoas se convencem, se enganam, arrumam mecanismos para justificar para si mesmas e para a sociedade a mesquinharia que é cobrar de um amigo. “Quem trabalha de graça é relógio”. Horrível essa frase. O tempo que seu amigo investe em você é o tempo que seu amigo poderia estar com a família, trabalhando, namorando ou fazendo algo para aprimoramento pessoal. Foda-se se este tempo investido em você é para colocar em prática uma aptidão profissional ou é apenas para conversar, ele gasta tempo com você e não te cobra por isso. Parece justo que você cobre, só porque está realizando uma atividade específica?

Amizade está acima de dinheiro, de lucro, de tempo disponível. Amizades não são apenas bons momentos, também implica em sacrifício, trabalho e colaboração. Para que uma amizade dure por décadas você tem que investir nela de diversas formas, nem sempre muito cômodas. Qualquer relacionamento de longa duração é assim. As pessoas querem o bônus sem ter o ônus e isso não existe. Seu amigo está precisando de um serviço que você sabe prestar? Porra, vai lá e faz de graça! A amizade que ele te oferece não vale esse “esforço” não?

Para me chamar de otária, para dizer que se não cobrar for requisito você não tem amigos ou ainda para se dizer meu amigo na tentativa de conseguir algo de graça: sally@desfavor.com

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