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Ele disse, ela disse: Opção de compra.

| Desfavor | | 132 comentários em Ele disse, ela disse: Opção de compra.

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O tema prostituição divide as opiniões de Sally e Somir não é de hoje, principalmente no que tange a legalidade da atividade. Talvez como uma extensão da discussão, desta vez discute-se o quanto de escolha tem as mulheres que acabam nessa vida de vender o corpo. Os impopulares param nesta esquina escura e dizem o quanto cada lado vai valer.

Tema de hoje: Há um ponto onde prostituição se torna a única saída para a mulher?

SOMIR

Sim. E eu não quero fazer isso de forma injusta: Não se considera aqui casos de mulheres que tem de fazê-lo obrigadas DIRETAMENTE por coerção alheia. Afinal, sequer haveria uma discussão se fosse o caso. Estamos falando aqui de casos onde a mulher fica sem nenhuma outra alternativa viável para conseguir seu sustento (ou da família) a não ser a prostituição.

Sally quer convencê-los que SEMPRE haverá uma alternativa viável. Vejam bem: Eu acho louvável que ela acredite nisso, denota grande fé na humanidade. Infelizmente, eu estou aqui para argumentar que a vida real não é um quadro que se pinta com cores tão alegres… Honestamente eu até preferiria que ela estivesse certa, mas faz parte de uma dieta intelectual saudável entender que nem sempre o que achamos melhor é o mais realista. Para lidar com um problema, é necessário entendê-lo.

Gostaria de começar esta argumentação com uma pergunta: Por que você não é rico(a)? Sério… pense um pouco.

Considerando quanta gente lê estes textos diariamente, posso até acreditar que alguns de vocês nem considerem a questão por já estarem ricos. Mas na média, eu aposto que a maioria aqui pelo menos tentou responder a pergunta… Existem muitos motivos possíveis para você não estar rico. Alguns deles até te fazer sentir uma pessoa melhor, não? “Não estou rico porque sou muito legal… muito honesto(a)… não ligo para bens materiais… não nasci em berço de ouro…”. Sei do meu histórico de sarcasmo nesse tipo de argumentação, mas nesse caso não estou fazendo julgamentos prévios sobre a sua resposta. Cada um tem a sua. Oras, tem gente que nem acha que vale a pena formular uma resposta. Direito de cada um.

Sei que isso está parecendo completamente fora do tema, mas continuem comigo aqui: Se alguém viesse te dizer que você não é rico(a) SÓ porque é vagabundo(a) e não fez escolhas melhores… Você acharia uma boa explicação sobre a sua vida? Você concordaria com isso? Não parece uma bobagem dizer que “ser rico(a)” estava na mesma lista que “ficar no vermelho na conta bancária todo final de mês” e que você escolheu a segunda? Como se fosse fácil assim.

Pouca gente fica rica. Algumas nascem assim, mas pelo menos algum dos antepassados dessas pessoas teve que se destacar bastante do bando para conseguir o status. Tem quem fique rico com uma grande ideia, tem quem fique rico com muita sorte, tem quem fique rico com uma dose absurda de trabalho duro, tem quem fique rico explorando outros seres humanos… Não são acontecimentos comuns: São pessoas ou situações extraordinárias. Simplesmente não acontece para todo mundo, e não é SÓ falta de vontade. E aqui eu imagino que a maioria de vocês deva concordar.

Até porque o impopular médio vive nos arredores da Classe Média. Vários de vocês são estudados, passando longe da linha da miséria. Entre conta atrasada e falta do que comer tem chão… muito chão. Se eu não falasse do exemplo de ser rico, talvez a maioria de vocês não conseguisse o grau de empatia necessário para minha próxima afirmação.

É cruel e ignorante exigir que TODA pessoa pobre (não pobre pacote básico de TV a Cabo, e sim pobre papelão ao invés de parede) tenha em si o que necessário para fazer escolhas que as “subam” na pirâmide social. Você que estudou e nunca passou fome provavelmente não fez ou não fará a escalada até o mundo dos milionários. Não necessariamente porque você é folgado ou “nasceu podre”, mas porque a sua vida não permite esse passo a mais… ou mesmo porque você não tem interesse em pagar todo o preço dessa mudança; seja em suor, seja em escrotice.

História de luta contra tudo e contra todos para escapar de uma vida de merda não vira livro ou filme à toa: Pouca gente tem sequer a CHANCE de fazer isso, quanto mais o impulso. Nada além de elogios para quem encarou a briga e venceu, mas eles não são a maioria. E é pura maldade exigir que todos sejam assim. Para cada história de vencedor, mil de perdedores. É uma loteria, um que costuma premiar quase que exclusivamente as pessoas corajosas e esforçadas, mas ainda sim depende de muito mais do que vontade. Esqueça essa merda de “você pode tudo” de filme da Xuxa e palestra de auto-ajuda, você não pode tudo o que quiser. E isso não pode ser culpa só sua.

Essa história de dizer que toda a mulher que entra para a prostituição (tirando os casos que defini no começo) porque quer – insinuando que são todas vagabundas querendo vida fácil – é a mesma coisa que Datenas da vida dizendo que todo criminoso nasceu ruim e só está no crime porque quer. Se fosse SÓ escolha pessoal, esses modos de vida não seriam seguidos prioritariamente por gente pobre que nasce pobre.

Escolha? Uma mulher que vende sexo está numa das profissões mais escrotas desse mundo. Sério que ir para um quarto escuro com um homem que não identificado para fazer sexo parece algum tipo de “caminho fácil” para vocês? Muito fácil achar que prostituição é só essa coisa de modelo/manequim/atriz/acompanhante que ganha milhares de reais para dar para executivos ricos em hotéis de cinco estrelas.

Só que na vida real o grosso da prostituição está em ruas escuras, beiras de estrada, bares e clubes de quinta categoria que atraem homens que nem de longe lembram um príncipe encantado. As CRIANÇAS que se prostituem para pagar comida e (infelizmente) drogas estão fazendo escolhas maduras e racionais sobre seu modo de vida? Ah, vá ser cara de pau assim lá na esquina!

E outra: Podem jogar pedras, mas mulheres trabalham principalmente com telefones, teclados ou balcões. A oferta de profissões BRAÇAIS para mulheres é bem menor. E por uma lógica de mercado, são essas as profissões mais fáceis de se entrar (não exatamente de sair, mas…). Uma mulher que chega no ponto de considerar prostituição não está exatamente nadando em escolhas. Todo mundo tem que dar seu jeito de viver.

Imaginar uma escolha é diferente de TER uma escolha. A mulher, seja qual for, pode e deve almejar coisas maiores do que fazer sexo em troca de dinheiro, isso eu não disputo. Agora, isso não significa que ela seja obrigada a ter algo tão excepcional em si (talento, dedicação ou sorte) que torne prostituição uma mera escolha. O mundo é injusto. Muita gente boa acaba encurralada pela vida, subir num pedestal para criticá-las é covardia. Pura e simples covardia.

E se vocês acharem que eu estou errado, eu escrevo um texto explicando porque vocês são um lixo por não serem ricos mesmo tendo nascido na classe média. Assino como Eike Batista. Claro, seria injusto porque ele recebeu tudo o que tem de bandeja, mas e daí? O que vem de baixo…

Para dizer que foi o argumento emocional mais bem disfarçado que você já leu, para explicar porque você não está rico(a), ou mesmo para dizer como as prostitutas de beira de estrada que estão se dando bem nessa vida: somir@desfavor.com

SALLY

Existe um ponto onde a prostituição pode ser a única saída para uma mulher? Desculpa aí, mas eu acho que não.

É fácil? Não. É simples? Não. É tranquilo? Não. Eu nem ao menos condeno uma mulher que prefere se prostituir a trabalhar em minas de carvão ou em qualquer outra situação que para ela seja insalubre ou degradante, cada um faz do corpo o que quer. O que eu condeno é esse argumento de fazer parecer que não havia qualquer outra saída que não fosse prostituição. Outra saída sempre há, ainda que não valha a pena para aquela mulher em específico.

Já vi gente fugir do país em porão de navio, já vi gente miserável alcançar altos cargos estudando, já vi mulher sem esperança casando por interesse. Já vi de tudo nessa vida, só não vi uma mulher que fosse “obrigada” a se prostituir por não ter outra opção. Vi mulher inclusive entrando para o tráfico e para a criminalidade, mas se recusando a ser prostituta. É melhor? É pior? Não interessa, não é isso que está sendo discutido aqui hoje. O que está em pauta é se existem outras alternativas, e elas existem. Elas sempre existem.

Não é como se a prostituição fosse um mar de flores. Constante exposição a risco de doenças, algumas delas mortais, constante risco de apanhar, perda da independência, sacrifício da vida pessoal e tantos outros possíveis desdobramentos fazem com que esta seja uma escolha sofrida para a mulher. Então, não venham me dizer que quando a outra opção é de alguma forma sacrificante ela não existe, porque prostituição por si só é uma opção sofrida. Fazer sexo com pessoas que você não gosta, não se sente atraída, muitos sem noções básicas de higiene não é o melhor dos quadros. Por mais que as outras opções sejam ruins, não são necessariamente piores.

Quem de nós não conhece alguma mulher que teve uma vida muito, muito, muito difícil, muito sofrida, que poderia muito bem em algum momento ter apelado para a prostituição por achar que não tinha mais escolha, mas não o fez e venceu (ou ao menos sobreviveu) de outra forma? Eu conheço várias. Sempre existe outra saída, por mais que não seja propriamente o sonho de vida da pessoa. Sempre existem opções. Caso contrário, todas as mulheres miseráveis seriam prostitutas, o que não procede, pois muitas conseguem sustento de outras formas. Cabe à mulher ponderar se a outra saída vale a pena ou não – e pode ser que não valha. Mas daí a negar sua existência…

Quer uma prova que existem outros meios? Prostituição não é uma carreira a longo prazo. Alguém já viu uma prostituta com 60, 70 anos de idade? Ainda assim, estas mulheres conseguem continuar se sustentando quando o corpo não lhes é mais rentável por motivos de força maior. Sinal que havia outras formas, né? Caso contrário toda prostituta morreria de fome ao passar de certa idade. Nada contra quem opta pela prostituição, cada mulher sabe o que é lhe convém mais entre as opções que tem. Tudo contra quem faz parecer que não foi opção e sim única solução possível.

Talvez seja a única opção que pague tanto de dinheiro com tão poucas horas trabalhadas, mas porra, que existem outras opções, existem. Se vale a pena ou não, tanto faz, a opção existe. Querer comparar o rendimento de uma prostituta com o de uma funcionária de telemarketing ou vendedora de uma loja para justificar não ter opção é se enganar. A opção existe, só que ela implica em algumas renúncias ou em alguns sacrifícios. Quer dinheiro rápido, em quantidade? Vai fundo, mas saiba que havia outra opção.

Eu nem duvido que em situações extremas, por exemplo quando a outra opção é um trabalho braçal, ou um abuso dentro de casa ou violência doméstica a prostituição seja, inclusive, a melhor escolha. Mas repito: continua sendo uma escolha, sempre há algo mais que pode ser feito. O fato de ser a melhor escolha, a mais vantajosa, não quer dizer que não haja escolha. Há, sempre há. E há pessoas no mundo que são incapazes de se prostituir, não importa o que aconteça. É escolha pessoal e acho um erro que as pessoas precisem se convencer ou convencer os outros de que não havia escolha para que este caminho seja aceito. Não tem qualquer problema topar, mesmo havendo outros caminhos. O corpo é da mulher, ela tem esse direito.

Acho até meio machista essa ideia de ter que ficar repetindo que não havia outra opção, pois, se houvesse, a mulher certamente a tomaria. Quem disse? Pode ter gente que prefira se prostituir e tá tudo certo, sagrado direito da pessoa.

Vai ter quem diga: “Mas Sally, o cafetão pode obrigar a moça a continuar nessa vida, muitas querem sair mas não conseguem”. Ok, mas o cafetão não foi lá na casa da menina do nada com uma arma na cabeça dizendo “Você TEM QUE se prostituir”, o ingresso no mundo da prostituição é voluntário. E, até onde eu sei, é crime ser cafetão, explorar a prostituição. Então, ainda tem a opção de procurar a polícia denunciar.

E se por alguma fatalidade estilo tráfico de mulheres a mulher for induzida a erro e estiver sendo mantida em cárcere privado e sendo obrigada a se prostituir, aí teremos um ser humano escravizado e privado de escolha. Não era a única saída, simplesmente não há saída alguma para essa pessoa. Ela está coagida. Coação não é escolha. E é crime.

Se a mulher escolheu esse tipo de vida para si (sendo maior de idade), não precisa ficar convencendo ninguém que não tinha outra saída para se sentir menos pior. A mulher tem o sagrado direito de dizer que aquela saída, com dinheiro rápido, foi a de sua eleição. E isso não deveria ser motivo para que ela seja recriminada. Quem merece nosso desprezo é o homem que é bosta o bastante para precisar pagar por sexo e não a mulher que lucra em cima dele.

Para desmerecer meus argumentos porque eu nunca passei fome, para dizer que eu não posso falar sobre o assunto porque nunca me prostituí ou ainda para dizer que está ofendido por ter sido chamado de bosta: sally@desfavor.com

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