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Ele disse, ela disse: Caro trabalho.

| Desfavor | | 23 comentários em Ele disse, ela disse: Caro trabalho.

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O mercado de trabalho está repleto de oportunidades. Não para todos, mas com certeza elas existem. Imaginando uma situação ideal onde uma pessoa pode escolher entre dois tipos de ocupação bem distintas no que tange a qualificação e a remuneração, Sally e Somir discordam sobre a opção mais vantajosa. Os impopulares estão contratados para essa tarefa.

Tema de hoje: O que é preferível, um trabalho qualificado que paga pouco ou um popular que pague mais?

SOMIR

Até por questão de coerência, não vou me desviar do caminho mercenário: Trabalho que paga mais, por mais banal que seja. E eu quero chamar atenção para a palavra mais importante do enunciado desta coluna: “Preferível”. Não é uma sentença definitiva ou uma solução perfeita, é um juízo de valor abrangente… e acima de tudo, temporal.

E só para deixar claro: Escrevo pelo ponto de vista que vou escrever pelo o que entendo ser o tipo de leitor habitual do desfavor. É no-brainer para o brasileiro médio, para o bem ou para o mal. Pois bem…

Se você não tem uma resposta automática para a questão de hoje, grandes chances de você ser do tipo que seria mais feliz ganhando mais. Claro, esse tipo de materialismo não é visto como algo muito nobre, e isso é compreensível principalmente se você vem de uma criação mais educada: Gênios abnegados e artistas revolucionários passam muito mais perto de serem ídolos de quem aprendeu valorizar um padrão de excelência humana mais… erudito. E se a questão do texto de hoje sequer parece realista para você, posso apostar que você tem uma base cultural mais extensa.

O emergente ostentador é visto como brega e alienado. O pobre prodígio intelectual e/ou artístico por sua vez parece bem mais digno e heróico; oras, ele sofre por nós! É natural que gente oriunda de um ambiente mais estimulante do ponto de vista educacional nutra essa simpatia por esses e tantos outros mártires da evolução social e cultural humana.

A questão é que essa é uma visão romantizada e relativamente superficial das coisas. Boa parte da população mundial acha o máximo que alguém se vanglorie por ganhar dinheiro fácil, até porque essa considerável parcela de pessoas vive num mundo onde idealismo faz tudo menos colocar comida na mesa. Esse povo todo precisa enxergar o caminho entre sua condição precária e o sucesso da forma mais clara e direta possível: Não há tempo a perder.

Essa distorção de valores não pode ser analisada do topo de um pedestal, como se modos de vida com baixa exigência de qualificações fossem migalhas que deixamos para os menos afortunados; como se dignidade fosse condição análoga à formação ou berço. Há de se considerar algo muito mais básico na nossa existência: A relação entre custo e benefício.

Muito se engana quem acha que todo sacrifício rende frutos. A maior prova disso está nos bilhões de miseráveis que se sacrificam todos os dias neste planeta. Não é só o sacrifício, é a recompensa. Trabalhos mais qualificados nem sempre significam satisfação pessoal mais elevada. Na verdade, com poucas exceções nos campos científicos e artísticos, tende muito mais a ser mais encheção de saco do que qualquer outra coisa.

Trabalhos mais complexos exigem mais esforço mental, oferecem mais pressão, estressam mais, misturam-se mais à sua vida fora do trabalho… É mais responsabilidade! Não é fácil te substituir e por muitas vezes colocam pepinos com consequências sérias nas suas mãos (e na sua bunda se você falhar). E são raras as pessoas que tiram disso satisfação pessoal genuína e abundante o bastante para encarar uma baixa recompensa financeira.

Em tese é lindo, na prática… Na prática a ideia de remuneração por trabalho é a escapatória que a humanidade encontrou para preencher vagas. Tudo bem que é limitante se pautar apenas por dinheiro, mas preferir um salário ou lucros polpudos não significa fixação por dinheiro. É com esse dinheiro que se vive a vida, e de preferência é com esse dinheiro que a pessoa se desloca dessa corrida diária pelo sustento e pode se concentrar em fazer o que gosta.

Querer trabalhar em algo mais simples e ganhar mais dinheiro pode ser um meio de passar mais tempo com gente querida, dedicar-se à saúde, ao aprendizado… Por mais que a nossa sociedade insista em dizer o contrário, há vida fora do trabalho. Percebam que estou falando de recompensas num sentido muito mais amplo que só dinheiro. Dinheiro é um meio, não um fim.

Mas como não é realista deixar todo mundo escolher um trabalho simples e lucrativo para se dedicar a outras coisas, propagandeia-se a ideia de que o dinheiro é tudo para os mais pobres e de que a qualificação é sublime para os mais abastados. Assim, tudo continua funcionando: Tem gente para ocupar todas as variações entre qualificação e remuneração no espectro de trabalhos possíveis.

Fazer o que gosta é fazer o que te recompensa. A mais óbvia é que vem precedida por cifrões; não é a única, mas para muita gente nesse mundo é a mais tangível. Quanta gente não se qualifica para exercer profissões que não gosta? Boa sorte decidindo sua vida aos 17 anos de idade! Pode ser muito mais difícil do que parece encontrar uma vocação que seja a recompensa em si. E mesmo assim, ela pode depender demais de você ter dinheiro para se manter para ser agradável de verdade.

Na dúvida, fique com a recompensa que pode ser trocada por outras recompensas. Essa é a função do dinheiro! Moeda de troca. A não ser que você tenha GRANDES indícios que vai ser mais feliz trabalhando para o que é mais qualificado, pode dar exatamente no mesmo atender telefone ou fazer balancetes semestrais para a qualidade de vida no trabalho. Um não te estimula, o outro te sufoca.

Só que um acaba com o fim do expediente. O outro dorme com você. E se nesse caso do texto o trabalho mais besta paga mais, ainda tem essa diferença no final do mês. A ideia de que trabalho mais qualificado é sempre uma ideia melhor é uma construção social para manter pessoas ocupando essas vagas. Assim como o sonho do dinheiro fácil é uma das correntes que aprisionam pessoas mais pobres onde elas estão.

Preferencial é fazer a escolha com a melhor/maior recompensa. E é mais difícil do que parece tirar o sucesso financeiro do topo dessa lista.

Para dizer que as entrelinhas me entregam, para reclamar que eu tenho Enveja de empregos chatos e complicados, ou mesmo para dizer que eu não estou convidado para passar lá na sua comunidade hippie: somir@desfavor.com

SALLY

A questão começa com “o que é preferível (…)”, ou seja, pressupõe que a pessoa tenha uma ESCOLHA a fazer. Quem precisa de dinheiro não tem escolha. Quem tem conta vencendo para pagar e não tem como não tem escolha. Por isso, foco no que está sendo proposto: SE a pessoa tem escolha, o que é preferível: um trabalho qualificado que pague pouco ou um trabalho popular que pague mais?

Existindo a escolha, eu acho preferível um trabalho qualificado que pague pouco, porque eu ainda sou romântica e tenho a esperança de que se você fizer o seu, bem feito, mais cedo ou mais tarde alguém que está vendo vai te abrir uma porta. Respeito totalmente quem discorda de mim, porque na prática, já vi numerosos casos de profissionais brilhantes cujas portas não se abriram a tempo por outros motivos bem distantes de competência e que hoje dirigem táxi, porque paga melhor. Mas eu gosto de acreditar que se a pessoa tiver disponibilidade de tempo para esperar, a oportunidade aparece, mesmo que demore. Se é verdade ou não, são outros quinhentos.

Mas, ainda que não apareça a tal oportunidade… talvez seja melhor viver com menos mas executando um trabalho que faça a diferença no mundo, para o qual a pessoa estudou e se preparou, que lhe dá prazer. Nem tudo é salário, nem tudo é dinheiro. Não estou mandando ninguém passar fome nem viver na precariedade, atentem para isso, é apenas uma escolha de viver ganhando menos e não de viver na miséria. Um trabalho popular que pague mais pode ser fonte de uma enorme infelicidade que, com o perdão do clichê, o dinheiro não vai comprar.

Em outros países mais civilizados, qualquer trabalho é trabalho e qualquer trabalho é digno e minimamente remunerado. Infelizmente essa não é a realidade brasileira, logo, em função do preconceito e da desvalorização que a pessoa vai enfrentar, acho melhor ficar no trabalho qualificado que pague menos, pois seu valor social será maior e isso abre portas (ou ao menos não as fecha), por menos louvável que seja. As coisa são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem.

Quem está acostumado a prestar trabalho qualificado pode cair para o trabalho popular a qualquer momento, porque lhe sobram requisitos. Mas quem migrou para o trabalho popular vai encontrar muita dificuldade em retomar espaço no mundo do trabalho qualificado. Não digo que seja um caminho sem volta, mas é uma volta bastante difícil de realizar. Mais um motivo para pensar mil vezes antes de fazê-lo. Isso sem contar que, dependendo do trabalho qualificado, algum tempo fora da prática te inviabiliza uma volta com a mesma precisão técnica de antes. Afastamento, ainda que temporário, pode acarretar uma queda na qualidade do profissional.

Se o dinheiro era tão importante, não seria o caso de se perguntar porque a pessoa escolheu uma profissão mal remunerada quando fez faculdade? Eu sei, eu sei, uma série de fatores podem ser utilizados em defesa dos vestibulandos: a pouca idade com a qual são obrigados a escolher uma carreira, as variações do mercado em poucos anos e a dificuldade em passar para determinados cursos universitários podem ter consequências desastrosas nos salários.  Ser obrigado a desistir por motivos de força maior é uma coisa, querer desistir para ter uns trocados a mais no final do mês é outra, muito mais sofrida.

Não é só o dia a dia profissional que se perde ao fazer esta troca de um trabalho qualificado para outro mais… popular. É a rede de convívio também. Quem antes convivia com um determinado grupo, terá que se adaptar do dia para a noite a conviver com outro. É um baque, não tem como não ser. Se a pessoa não vai sofrer com isso, maravilha. Mas deve ser levado em conta. Tem que ver se essa nova realidade com esse novo grupo de pessoas é compatível.

Se por um lado se ganha mais dinheiro, se perdem outras coisas: anos de investimento em estudos e em crescer dentro de uma profissão, um entorno com o qual a pessoa já está adaptada e a prática na sua área de atuação. Tem que refletir bem, pois é muito a perder.

Para ficar na dúvida, para dizer que o ideal mesmo é casar com uma pessoa rica ou ainda para dizer que todo castigo para quem insiste em um erro é pouco: sally@desfavor.com

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