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Ele disse, ela disse: Qual a graça?

| Desfavor | | 58 comentários em Ele disse, ela disse: Qual a graça?

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Apesar das críticas e polêmicas tão constantes no desfavor, o humor é talvez o tom mais recorrente nas postagens até hoje. Exatamente como tanto Sally quanto Somir querem. Mas… quando o estilo do humor ideal para a República Impopular entra em questão, não há sorrisos na discussão. Os impopulares definem qual lado acham mais graça.

Tema de hoje: Qual o melhor humor, o mais elitizado ou o mais eclético?

SOMIR

Para começo de conversa, já defino meu desgosto por qualquer coisa “eclética”. Já até escrevi um texto inteiro sobre isso: Eclético é o gosto de quem não tem gostos, assim como humildade é a qualidade de quem não tem qualidades. Essa coisa vegetal de “gostar de tudo” é a principal motivadora do material de baixíssima qualidade que temos que ver, ouvir e ler todos os dias. Se as pessoas desse mundo realmente tivessem gosto por música, o funk carioca jamais teria aparecido na face da Terra. Vocês financiam esse tráfico, playboyzinhos!

Pois bem… cá estou eu de novo do lado elitista da argumentação. E aposto que muitos de vocês vão se render à tentação “agnóstica” de versar uma opinião confusa e mal fundamentada como se fosse algo realmente inteligente. Não é. Isso se chama covardia intelectual! Medo de exprimir uma ideia que realmente possa ser derrubada numa argumentação.

Sério que vão tentar me convencer que humor dependente de pensar um pouco antes de rir não é muito superior a peidos, quedas e tortas na cara? Não estou nem dizendo que o humor mais rasteiro não rende risadas, porque eu mesmo me pego rolando de rir com as maiores bobagens; meu argumento aqui é que se é para ter alguma linha guia de humor no desfavor, que ela não seja a mera busca por risadas.

Risada é um reflexo praticamente incontrolável, surge até quando não há intenção alguma de fazer uma piada. Praticamente qualquer pessoa nesse mundo consegue fazer outra pessoa rir, nem que seja em ocasiões bem específicas. Não tem gente que ri assistindo Zorra Total? Focar a busca pelo humor apenas nesse produto final barateia o processo todo e gera flacidez mental. Pra quê buscar uma ironia surpreendente num tema se basta gritar e fazer uma careta ao falar dele?

As melhores risadas vem num pacote bem mais completo. Elas são fruto não só de uma situação inusitada que seus sentidos captam, elas são o resultado do seu cérebro fazendo uma conexão surpreendente entre ideias. O comediante de stand-up que só faz macaquice e conta piadas consegue fazer muitas gente rir, mas um George Carlin, Bill Hicks ou Doug Stanhope da vida consegue te tirar da zona de conforto e te fazer rir do que você não costuma rir normalmente. É engraçado, mas te surpreende. E por um pequeno instante parece que o mundo ficou maior…

Mesmo que eles estejam falando algo com o que você não concorda. Não é sobre aquela coisa preguiçosa de só querer que confirmem suas visões prévias de mundo. Humor inteligente é capaz de entrar na sua cabeça e te provocar, sem a “obrigação social” de te convencer de alguma coisa, como numa argumentação natural.

Não, não dá para fazer isso o tempo todo, nem os melhores conseguem… Mas, cacete, se você não quiser algo maior do que um reflexo da plateia… voltamos à analogia da masturbação. Você faz humor porque você quer se sentir engraçado, e não para se comunicar. E isso reflete em todos os envolvidos no processo. Se não tiver a vontade de elitizar o humor, você acaba engolido pelas expectativas da plateia.

Muito engraçado pegar um clipe de funk carioca e analisar cena por cena. Mas se você não tomar cuidado para manter o nível das piadas o mais alto possível, o objeto da piada fica no lugar errado. Acabaremos todos rindo de pobres por serem pobres. Ponto. Só isso. E por mais que eu não seja nenhum defensor do politicamente correto, é de uma mediocridade horrível resumir seu senso crítico à sua habilidade de apontar para o que é diferente. Humor bom tem contexto, tem sutileza, tem referências e motivações para existir.

Vamos rir do banal quando ocorrer, mas vamos rir do sublime como escolha! Do que não se diz por aí. Uma semana histórica cheia de piadas que exigem conhecimento prévio para serem entendidas não pode ser só um tiro n’água. Muito triste que tão pouca gente consiga reconhecer o tipo de piada… Mais triste ainda se nós nos rebaixarmos a preguiça alheia de pesquisar no Google por 3 segundos e começarmos a fazer piadas e referências que qualquer um com um batimento cardíaco consiga entender.

Isso é se rebaixar. Isso é rebaixar quem está lendo também. Se tem que ter uma linha aqui, que ela seja a do complexo. Um enorme pau no cu de todos que ficarem reclamando que não conseguem acompanhar… Seleção natural! Vão rir de gente gritando e se contorcendo histericamente, porque eu não quero nem dividir os mesmos bits e bytes com você.

Desfavor não é inclusão. Nunca foi. Não consegue entender as piadas? Corre atrás. Não quer correr atrás? Divirta-se com as figurinhas. Entendam o seguinte: Em tempos de Google e Wikipédia, ignorância (pelo menos da classe média para cima) é escolha. Em outros tempos vá lá… mas hoje em dia é DEVER cívico não aliviar para quem tem preguiça de aprender.

É impossível evitar humor mais chulo e óbvio, eu sei. Mas isso não significa que devemos achar normal que ele seja um dos nossos objetivos. Não pode se contentar com esse pouco. Uma piada sutil bem colocada num Desfavor Explica tem muito mais importância do que um texto inteiro feito para ser engraçado. A piada que comunica é sempre mais valiosa.

Esse tem que ser o nosso norte. Humor elitizado para não cairmos na vala comum. Quem quer falar para todo mundo acaba não falando com ninguém… Sejamos tudo, menos ecléticos (ha).

Para dizer que não achou a menor graça, para perguntar se meu texto foi uma piada, ou mesmo para dizer que é contra tudo que aliene gente burra daqui (ha): somir@desfavor.com

SALLY

Quem conhece a figura já deve saber que era de se esperar… Somir tirou férias, mas está com um olho no peixe o outro no gato. Já me mandou um e-mail advertindo sobre a importância de manter um certo “nível” no nosso humor, para “filtrar o tipo de leitor que teremos”. Algumas postagens mais populares fizeram soar o sinal de alerta dele. Ele me perguntou se “é assim que vai ser” na ausência dele, se eu pretendo “transformar o Desfavor em um galinheiro” e outras coisas um pouco menos delicadas. Somir acha que o humor que tem valor é o humor inteligente, coberto por referências que só quem tem muita cultura consegue perceber e entender. Somir está contrariado.

Para fazer de um limão uma limonada, resolvemos trazer a discussão para cá: Qual é o melhor tipo de humor, aquele mais sofisticado, composto exclusivamente por piadas com referências elitizadas ou um humor mais eclético? Bom, quem acompanha a gente desde 2009 vai saber claramente como eu vou me posicionar: o difícil não é fazer o difícil, o difícil é fazer o versátil. Nada supera um humor eclético.

A Madame aqui de cima acha que um humor mais elitizado, composto por referências de complexa compreensão sempre será melhor. Muitas vezes o vejo usando esse humor para “filtrar” pessoas, como se pessoas inteligentes sempre quisessem um humor igualmente inteligente. Quem disse? E se a pessoa estiver em um dia exaustivo e quiser rir fácil de algo rápido e imediato? O humor bem-feito é aquele que vem em camadas, como uma cebola, onde em um mesmo contexto se encontram as camadas mais superficiais que não demandam esforço algum de compreensão por parte do interlocutor e as últimas são compreendidas por poucos, muito poucos. Reunir isso em um único lugar é uma arte que poucos dominam.

Essa setorização do humor sempre me chateou. De uns tempos para cá ela vem se tornando ainda mais ostensiva: só se faz programa de humor pensando burro, na base da repetição de bordão. Acabou, é o mercado que domina o que vai ser apresentado. Não precisa ser assim, é possível reunir várias camadas de compreensão de modo a agradar os mais diversos públicos e até, quem sabe, ao introduzir esse humor novo, um pouco mais rebuscado, incentivar quem não está acostumado a pensar a refletir. Sim, eu sou romântica, eu acredito que muito da “burrice” seja consequência da falta de estímulo intelectual, dessa zorratotalização do humor. Vamos apresentar, além do tradicional, um plus? Pega quem quer!

Outra coisa: porque alguém iria querer “filtrar” um público de humor? Qual é o demérito de fazer uma pessoa mais popularesca rir? Acho até mais mérito, pois se a pessoa leva uma vida mais difícil, também é mais difícil arrancar um sorriso dela. Para conseguir isso é preciso descer o nível a ponto de que cabecinhas mais pensantes não tolerem o grau de demência daquele humor? NÃO, PORRA! Dá para fazer tudo.

Dá para criar algo onde, em um primeiro momento, TODOS riam: um analfabeto do Acre, uma vendedora de Acarajé de Salvador, um executivo paulista e um traficante carioca. Tem coisas que são universais, inerentes a todos nós, seres humanos. Dá para fazer humor com coisas básicas, universais e ele não será medíocre… desde que não se limite só a isso. Desde que depois, o humor continue se aprofundando, de uma forma simpática e sem soar como exclusão, de modo a que a vendedora de Acarajé, o analfabeto do Acre e o traficante carioca possam não entender muito bem a piada, enquanto que o executivo de São Paulo rola de rir. Não importa, os outros três já riram o bastante para retornar mais vezes em busca de mais. E o executivo de São Paulo não teve sua inteligência insultada por uma piada rasa que mal o satisfaz. Humor, Meus Queridos Leitores, tem que ser um bufê self-service, onde se disponibiliza de tudo e cada um pega para si o que tiver vontade naquele dia.

Reparem que eu disse “tiver vontade”. Ou seja, não é uma regra rígida que pessoas intelectualizadas, inteligentes, ou sofisticadas sempre quererão um humor assim. Quem já fez uma tese de doutorado sabe que tem dias que o cérebro está dormente, fadigado e não se quer nada além de um bom humor fácil. Por mais que você adore salmão, trufas, caviar ou lagosta, quem te garante que um dia não vai bater aquele desejo por fast-food? O papel do restaurante é servir tudo, para que você, Querido Leitor, escolha o que te atende melhor naquele dia e, sendo o caso, coma de tudo se quiser! É assim, fiel a esta premissa, eu escolho meus temas desde 2009. Sirvam-se daquilo que melhor os aprouver naquele momento. Texto do Desfavor ensina primeiros socorros com a mesma facilidade que fala sobre o que os idiotas andam enfiando no cu.

O fato de escrever um humor popularesco me desmerece? Não. O que desmerece é o fato de SÓ saber escrever humor popularesco. Porém, creio eu, todos os extremos são ruins. Da mesma forma que só popularesco é medíocre, só elitizado também o é. A grandeza consiste em saber fazer se tudo, saber transitar entre várias nuances. O preto e o branco são tão empobrecedores… saber transitar entre as zonas cinzentas é o grande diferencial.

O que impede que em um mesmo texto (ou piada, ou história ou seja lá o que for) se mescle uma referência envolvendo política internacional, física quântica ou um feito histórico com uma situação escatológica, um palavrão bem contextualizado ou uma ridicularização óbvia? Sabendo onde e quando colocar estes elementos de modo a que eles estejam em harmonia ou de forma complementar, teremos um resultado engraçado e versátil. Cada qual aproveita o que pode e o que quer no meio de tantos recursos. Mesmo que você não coma a cereja do sundae, vai usufruir do sorvete, da calda e do granulado.

O humor tem mais valor quando é democrático, quando alcança a todos, ainda que nem tudo seja de compreensão universal. Eu vou além: mesmo quando a diferença é maior do que um simples grau de instrução ela pode ser superada. Se você pegar bons humoristas de Stand Up de outro país, eles te fazem rir, mesmo com todas as diferenças culturais, porque no fundo, somos todos seres humanos. E nem me refiro ao humor brasileiro, isso é mundial. Veja um vídeo de bons humoristas de outros países (recomendo o argentino Fernando Sanjiao), por exemplo. Apesar de toda a diferença cultural (e entre Brasil e Argentina, ela é enorme, mesmo que não pareça), se o humorista for bom, você vai rir. Se um argentino pode fazer um brasileiro rir, um brasileiro pode fazer brasileiros de várias camadas sociais e graus de instrução rirem também.

Até segunda ordem eu continuo achando que a melhor receita é ir de ponta a ponta, desde aquela piada fácil e boba que até criança entende até aquela piada que de tão rebuscada é quase um easter egg. Por mim, boto tudo na bandeja e cada um pega o que quiser.

Para dizer que depois de tantas metáforas gastronômicas tem certeza de que eu sou uma gordinha gulosa, para me perguntar porque eu ainda dou bola para os faniquitos do Somir envolvendo “nível” ou ainda para dizer que muito pelo contrário, em vez de elitizar tem que ser cada vez mais trash: sally@desfavor.com

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