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Ele disse, ela disse: Final traumático.

| Desfavor | | 88 comentários em Ele disse, ela disse: Final traumático.

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Quando falamos de séries, é muito comum que os fins não justifiquem os meios… Sally e Somir costumam dividir o gosto por várias séries, mas é no desgosto que surge a desavença. Os impopulares colocam um ponto final na discussão.

Tema de hoje: Qual é o final mais cagado da história das séries?

SOMIR

Quase quatro anos desde o último episódio e eu ainda não perdoei LOST. Com certeza existem outros finais cagados nas séries que acompanhei, mas nenhum com os requintes de crueldade da história dos sobreviventes do vôo Oceanic 815. No final das contas parece que você assistiu um programa do João Kléber, onde ele fica prometendo algo incrível por horas a fio e na hora do vamos ver é a mesma merda de sempre, inclusive faltando mais da metade dos elementos que ele prometeu.

Se eu tenho o bom senso de nunca ver um programa do João Kléber, nada poderia me preparar para o mesmo tratamento numa série que começou tão bem! Ação, tensão, mistério, ficção e personagens para as quais você podia torcer. LOST estabeleceu-se pelo desenrolar de sua trama e pela expectativa de entender a relação entre a enxurrada de referências e sutilezas colocada entre as partes mais tradicionais de beijos e tiros.

Entendo que o roteiro da série foi ficando cada vez mais impossível de se amarrar com tanta coisa acontecendo, mas entre responder as perguntas principais e tocar o foda-se para quem assistia, LOST escolheu a segunda. Era até bacana deixar alguns pontos misteriosos na trama para os fãs continuarem confabulando depois do término, mas… foda-se tudo? Não é nem o caso de “se escrever num canto” e não ter capacidade de explicar tudo o que jogou no roteiro (oi Dexter!), os escritores de LOST arregaram na hora H mesmo.

O final cagado de LOST é muito mais punhalada nas costas do que o do Dexter, por exemplo. Primeiro que Dexter morreu de cansaço: desde o começo sabíamos que a história duraria pelo tempo que Dexter durasse. Você poderia resolver quase todos os pontos da história e mesmo assim recomeçar no ano seguinte… o sucesso da série “forçou” mais temporadas. Desde a quinta temporada foi morro abaixo e quando chegamos na última o final horrível era uma CERTEZA. Dar sentimentos para o psicopata era receita de desastre. A última temporada toda de Dexter foi uma desgraça porque tinham que criar tensão onde ela não existia mais.

O final de Dexter é a namorada que embaranga com o passar dos anos e não faz questão de disfarçar, você fica se quiser. O final de LOST é uma que te faz esperar para fazer sexo só depois do casamento e te larga no altar para ficar com o padre! Sacanagem! E não das boas… Sei que estou abusando das analogias, mas coito interrompido é a melhor definição do final de LOST. Admito que o final na igreja irritou-me mais do que a maioria das pessoas e qualificou ainda mais o crime, mas não é só a rejeição à ficção de pobre, é também a incoerência com o desenvolvimento da série.

A babaquice de fé do Locke tinha raízes mais profundas do que mera propaganda religiosa, era até aturável como contraponto para a razão do Jack enquanto metáfora para o grau de controle que temos da realidade. Sempre tinha algo a mais do que fantasia pura. Até por isso o enorme papel da Dharma durante a série: era quem tentava fazer senso da ilha. A guinada “mágica” durante os últimos capítulos acabou alienando boa parte do público que estava interessado em desvendar o mistério.

Alguém avisa o Zequinha: Por que sim É resposta, no final das contas. Se queriam fazer uma série assim, tudo bem. Eu vejo Game of Thrones onde a explicação de quase tudo é mágica e não me incomoda… nunca fizeram-nos acreditar que seria diferente. Premissa é um elemento básico para contar boas histórias, se LOST não tivesse nos enganado com anos de promessas de explicações “científicas” eu não estaria reclamando. E mesmo que o científica viesse depois de ficção, eu ainda aceitaria como coerência.

E a forma de entrega desse final cagado também é escrota: tínhamos poucas indicações que a série estava caminhando para um final vazio; por isso a cada semana a gente sentia que não ia dar tempo de explicar porra nenhuma, mas ainda sim mantinha uma esperança de que já estavam e não estávamos percebendo ainda. Eu juro que esperava uma daquelas sacadas geniais no final, do tipo que te faz perceber diversas cenas estranhas durante a série encaixarem na narrativa para explicar as coisas.

Ei, eles fizeram isso com o primeiro flash forward. E não vou colocar na minha conta esperar demais dos escritores, eles mesmos se enrolaram nas promessas. Quando sobra para fãs amarrarem todo o conteúdo para explicar a série é sinal de que o roteiro falhou. Tem uma ótima teoria sobre manifestações “vivas” de passado (sombra) e presente (luz) que praticamente salva a série, mas você tem que ignorar boa parte dos últimos capítulos para que ela funcione. Está na cara que quem escreveu não tinha mais ideia do que fazer para fechar a série. A última temporada tem quase nenhum peso na história geral.

LOST ficou muito popular para o seu próprio bem. Dexter foi uma série famosa, mas nunca chegou perto de ser o fenômeno da cria de Lieber, Abrams e Lindelof. Dexter podia sacanear religião, moral e a estupidez humana em geral; LOST flertou com essa postura no começo, mas acabou arreganhando para agradar a legião de fãs “humanos médios” conquistada. Por isso mais um agravante: aposto que boa parte da história foi cagada porque o povão não ia acompanhar nada mais complexo do que “todos foram para o Céu”. E mesmo assim, ficou tão ruim que o universo LOST morreu com seu último capítulo. Cabiam uns 20 spin-offs, uns 3 filmes e sabe-se lá o que mais nesse cenário, mas não tinha mais o que fazer depois de passar por aquelas portas. Tudo perdeu o significado, o mistério esvaiu-se em mágica barata.

Por isso que eu prefiro namorada Breaking Bad: ela pode até ir embora antes do que você queria, mas faz valer o tempo junto e não deixa nenhum assunto mal resolvido.

Para dizer que sua memória não volta mais do que um ano, para dizer que entendeu LOST e eu que sou burro, ou mesmo para dizer que séries terminam antes de acabar: somir@desfavor.com

SALLY

Não é a toa que Somir já fez um texto só sobre o final de Lost e eu só sobre o final de Dexter, finais cagados nos frustram. Hoje estamos aqui para ouvir a opinião de vocês. Qual é o final mais cagado da história das series? Com muita dor ambos vamos ignorar o desprestígio que fizeram com Dr. House, mas que conste que eu ainda estou puta com aquilo. Em todo caso, na minha nunca humilde opinião, o final mais cagado da história das séries é do Dexter e ninguém chega nem perto.

O charmoso serial killer para o qual todos nós torcíamos, virando uma porra de um lenhador. Não tem perdão. Tem explicação: a mente genial do roteiro saiu e o resto dos roteiristas não deu conta. Mas não tem perdão. Uma história que desde o primeiro momento firmou um compromisso com a coerência, cuja proposta era ser o mais realista possível, cujo ponto alto era a coerência do seu protagonista, vivendo uma vida de regras, códigos e condutas tão marcantes que faziam dele praticamente um Samurai de comportamento duvidoso.

Minha escolha não significa que eu tenha gostado do final de Lost. O final de Lost foi péssimo, mas para mim não foi um final predominantemente cagado. Correndo o risco de passar atestado de burra aqui, foi um final perdido, desconexo, incompreensível. Confesso que eu mesma não tenho muita certeza de ter compreendido o final. Mas, mesmo se compreendi, tenho certeza de uma coisa: ele não precisava vir por caminhos tão tortuosos. Um bom roteiro não é aquele que é difícil de entender, isso é pretensão intelectualóide. Um bom roteiro é aquele totalmente compreensível e que te prende por sua estrutura.

Dexter conseguiu algo muito difícil. Quem tem alguma noção de dramaturgia sabe que grande desafio inicial ao se escrever é fazer com que o público se apaixone pelo personagem e torça por ele. Para isso roteiristas usam chamarizes apelativos, como por exemplo dar um cachorrinho simpático a personagens menos palatáveis (“Melhor impossível”) ou fazer personagens excessivamente bonzinhos, indefesos ou que recaiam no modismo do momento. Tudo para conseguir que o público se identifique e torça por ele. Dexter não. Arregaçaram as mangas e fizeram o difícil: fizeram o público torcer por um psicopata que torturava e matava suas vítimas. Inverteram todos os manuais de personagens e fizeram de um assassino um protagonista e da polícia e lei os antagonistas.

Dexter não precisou de nenhum recurso apelativo para fazer o espectador se encantar por ele. Dexter foi um personagem do caralho, muito bem construído, cuja personalidade encantou a todos mesmo sem necessariamente haver identificação. Ele já era querido e já torciam por ele antes mesmo do seu trauma de infância ser revelado. E é por isso que o final Lenhador doeu. Porque Dexter é um bebê que nasceu desenganado pelos médicos em um parto muito difícil onde todo mundo achava que ele ia morrer. Mas, contra tudo e contra todos, ele cresceu, virou uma criança forte e saudável mas morreu engasgado com uma batata frita. Uma palavra define: frustrante.

Lost teve duas ou três temporadas boas e daí para frente o roteiro começou a se perder. Nunca vou esquecer a analogia que o Somir fez quando comentou o final de Lost em um texto específico sobre o assunto aqui no desfavor: um maratonista que começa a corrida muito bem mas vai perdendo folego e cruza a linha de chegada todo cagado. Tentaram falar difícil como recurso para parecerem interessantes. Eu abomino esse tipo de recurso. Dexter não. Dexter era feijão com arroz e, ao contrário do que alguns acham, na minha opinião foi bom até a última temporada.

O final de Lost não fugiu à proposta da série: algo confuso, bizarro e dúbio para parecer inteligente. O final de Dexter destoou de tudo que foi apresentado sobre o personagem: alguém que era incapaz de sentir empatia ou compaixão começa a sentir culpa, tal qual Pinóquio virando um menino de verdade. Alguém que sempre teve como regra suprema zelar pelo filho o abandona nas mãos de uma envenenadora. E, acima de tudo, alguém que tinha uma compulsão patológica por fazer justiça assassinando simplesmente para com isso. O que sobrou do Dexter no final de Dexter? Nada. Enquanto isso, dez anos depois da estreia de Lost, o seriado ainda é notícia com Damon Lindelof insistindo que eles não estavam todos mortos no final.

Cagado ou não, o final de Lost foi coerente com todo o nonsense que envolveu as últimas temporadas. O final de Dexter foi uma quebra abrupta, um atentado à memória de Dexter Morgan. Lost se segurava com dezenas de personagens, com efeitos especiais, com mistérios sobrenaturais, com uma trama de ação em um cenário paradisíaco. Tudo podia acontecer em Lost: viajavam no tempo, havia um monstro “mágico” no meio da floresta. Dexter só tinha Dexter. E acharam legal cagar a única coisa que era o pilar de sustentação do seriado. O final de Dexter fez o público se sentir traído: até ontem era um psicopata, mas hoje, tal qual homem de lata, adquiriu um coração, meio que por mágica.

Lost foi uma vítima que morreu envenenada e agonizou na nossa frente por anos, já se esperava sua morte. O final de Dexter foi uma punhalada repentina, inesperada. Convenhamos, nem mesmo os fãs sabiam o que fazer com Lost, não tinham a menor ideia de que final aquilo teria. Dexter tinha pelo menos cinco finais plausíveis e bacanas, ou seja, dava para fazer algo decente. Dexter não estava irremediavelmente cagado como Lost e é por isso que eu nunca vou perdoar o “final lenhador”. Preferia que Dexter tivesse sido assassinado, tivesse se matado, tivesse sido preso. Preferia tudo menos o que fizeram com ele.

A proposta fantasiosa de Lost se manteve até o final. A proposta realista, o pacto com a coerência de Dexter foi arrasada, seja na essência, com ele abandonando o filho seja nos pequenos detalhes como um menor de idade sair do país sem autorização dos pais ou Dexter sair do hospital carregando o corpo da irmã sem qualquer interferência. O tamanho do tolete foi maior em Dexter. E a merda também foi mais fedida. Lost eram muitas tramas complexas mas em Dexter os roteiristas só tinham UM trabalho: respeitar o personagem que dava nome ao seriado. Parabéns por não conseguir o básico. Você fica com mais raiva de quem queima um pato ao molho de laranja ou de um imbecilóide que consegue queimar um miojo? Pois é.

Enquanto o elenco de Lost surfava e tirava férias em uma ilha paradisíaca, Michael C. Hall, o ator que protagonizou Dexter, fazia quimioterapia e tentava vencer um câncer, um linfoma de Hodgkin, enquanto gravava o seriado usando uma peruca para que ninguém perceba. Tudo para que? Para darem um final indigno para seu personagem (e basicamente para todos os outros).

O final de Dexter foi um desrespeito com todo mundo, não tem precedentes um seriado com uma trama tão simples acabar de uma forma tão escrota. O cara que era bom saiu da equipe? Porra, faz o básico. Mas não, o roteiristão tentou inovar. Fato da vida: Sempre que um idiota tenta inovar dá merda. Podiam ao menos fazer a gentileza de lançar um final alternativo no DVD, para que a gente não fique com esse gosto amargo na boca.

Para dizer que você não torcia pelo Dexter, para dizer que ao menos o final de Dexter você entendeu ou ainda para fazer reclamar mais sobre o final de House: sally@desfavor.com

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