Fazendo cena.

Com muito mais canais de distribuição do que a TV aberta, cenas mais ousadas de sexo começaram a aparecer com mais frequência em filmes e séries. Algumas até ficaram famosas por isso. Sally e Somir passam longe de ser moralistas, mas mesmo assim existe uma discórdia sobre o… valor artístico… dessas cenas. Os impopulares esquentam o clima.

Tema de hoje: Existe cena de sexo necessária para um filme ou série?

SOMIR

Sim. Uma das melhores regras para se seguir ao fazer um filme ou série é a do “show, don’t tell”, ou, traduzindo: Mostre, não conte. Quanto mais o espectador puder se sentir parte da história, melhor. Mostrar o que acontece e deixar quem assiste decidir como se sentir a partir da cena é extremamente importante para valorizar a experiência.

Vou ser justo: nem toda cena de sexo é necessária. Muitas vezes é só desculpa para mostrar a nudez de pessoas atraentes na expectativa de faturar mais. Sexo vende, oras. Como eu me amarro em filmes B (C, D e E), estou careca de ver situações onde represa-se toda a história só para mostrar um par de peitos.

Agora, dizer que nenhum cena de sexo explícita é necessária é forçar demais a barra. Explícito é o antônimo de implícito, é mostrar ao invés de sugerir. Não precisa imaginar uma cena de filme pornô com genitálias em close, qualquer cena com alguma nudez e os movimentos característicos do sexo já cai nessa categoria. A cena explícita não deixa dúvidas sobre o que se faz, mas definitivamente não precisa ser uma aula de anatomia da reprodução humana.

Voltando ao “show, don’t tell”: Claro que é possível sugerir que dois personagens fizeram sexo sem mostrar um milímetro de pele a mais do que se vê numa praia, mas muito se engana quem acha que definir quem está transando com quem é o único motivo para se ter uma cena de sexo num filme ou numa série: sexo é algo carregado de significados para nós.

Pode-se estabelecer detalhes sobre o relacionamento de duas personagens através de uma cena de sexo: a mecânica do ato varia de acordo com os sentimentos envolvidos. Sexo é (ou pelo menos deveria ser) algo íntimo, um momento de vulnerabilidade e entrega entre duas pessoas. Uma cena de sexo inteligente e explícita pode te mostrar como as personagens reagem ao momento e a companhia uma da outra.

Movimentos mais erráticos e explosivos denotam atração e urgência, movimentos mais controlados e lentos sugerem intimidade e segurança… o jeito com a qual duas (ou mais, por que não?) personagens fazem sexo pode falar sobre como elas são e o estado do relacionamento que dividem. Pode-se demonstrar que alguém é possessivo, inseguro, egoísta só pelo jeito que se comporta na cama.

E repetindo: sexo é uma parte da vida. É algo que se espera que as pessoas façam, um momento que muitas vezes é indissociável do caminho delas pela história. Um exemplo recente: imaginem o “Lobo de Wall Street” versão censura 12 anos? Você pode até entender o clima, mas nunca teria noção de quão ‘perdidas’ estavam as personagens. Não haveria o mesmo impacto se só contassem essa parte.

Até porque a cena de sexo acontece num ‘ponto do espaço’ único dos filmes e séries: a intimidade alheia. E é mais do que voyeurismo. Você não se sente um terceiro invasor, e sim uma testemunha. De uma certa forma, é no sexo que você faz aquela cara que não mostra em nenhuma outra situação. Estar lá para ver esse momento te mostra quem é a personagem de uma perspectiva única.

E outra, cena de sexo às vezes estabelece o local. Em “Game of Thrones”, o sexo constante e muitas vezes impessoal demonstra como funciona aquele lugar: sem empregos para mulheres e sem muitas formas de entretenimento. O desprendimento das personagens na cena demonstra como o próprio ato sexual é visto pela sociedade: num misto de tabu e necessidade econômica de acordo com o berço de cada um.

E é claro, alguns filmes e séries podem querer estabelecer um tom erótico! Se o tema gira ao redor do sexo, mostrar sexo é basicamente inescapável. É a isso que o material se propõe. Sim, eu sei que muita da graça está na antecipação, mas filme erótico sem sexo é que nem filme de ação sem briga, tiro ou perseguição! A não ser que você esteja preso em algum século passado e ache que não existe arte de cunho erótico.

Pode-se sugerir muita coisa, menos o ato em si. O clímax da atração se faz necessário em inúmeros casos. Existem milhares de casos de cenas de sexo necessárias para a trama, mesmo que você não concorde com o ‘didatismo’ da cena. Fiz uma resenha recentemente sobre o filme “Ninfomaníaca” onde disse que as cenas de sexo explícito (agora o sexo e não a cena) davam todo o clima de pornografia da pornografia necessário para passar a mensagem do filme. Até posso fazer uma concessão e dizer que dava para ter pegado bem mais leve nas cenas, mas seria impossível contar a história apenas com sugestões e cenas implícitas.

Cá entre nós, eu também tenho outro motivo para achar cenas de sexo necessárias: elas tornam os filmes não recomendados para menores. Filme com classificação etária de 18 anos (em cinema não-pornô) é um oásis de tranquilidade num mar de crianças e adolescentes infernais. Sem contar que ao isolar esse grupo de menores do público alvo do material, você evita que pais e mães retardados exijam mudanças no material.

Essa cruz não é minha! Eu quero ver material para adultos sem necessidade de ensinar porra nenhuma para fedelhos e fedelhas. Se você faz um filme de temática adulta sem cenas de sexo, abre a porteira para qualquer imbecil que não presta atenção no que está fazendo e leva os filhos para assistir! A coisa que mais estragou o cinema nos últimos anos foi o fim das cenas de sexo e nudez em filmes de grande público, tem que agradar quem leva os filhos para o cinema. (Pode violência, mas não pode peito… sabe-se lá por quê).

E só para acabar: cena de sexo em filme te ofende? FODA-SE. Foda-se muito se te ofende.

Para dizer que eu só digo isso porque gosto de ver mulher pelada (e? eu e mais da metade do mundo), para dizer que arte depende dos seus gostos, ou mesmo para dizer que a Sally tem que trocar a HBO pelo Discovery Kids: somir@desfavor.com

SALLY

Já perdi. Mas não importa, vou dar minha opinião mesmo assim. Não existe nenhum filme ou seriado para o qual seja necessária uma cena de sexo explícito, quem as coloca, as coloca porque apela. Cena de sexo explícito só é necessária em filme pornô. HBO, aquele abraço!

Não sou puritana, nem estou zelando pela moral e bons costumes. A política no Brasil é mais imoral do que zoofilia. Minha argumentação passa pelo bom gosto e bom senso. Eu acho de péssimo gosto colocar uma cena de sexo explícito em um filme ou seriado que não se proponha a ser pornográfico. Pra que? Não precisa mostrar detalhes para que o espectador compreenda que um casal estava fazendo sexo.

Insinuar, mostrar de forma sutil, me parece de bom gosto e ainda permite que o espectador desenhe na sua mente aquela cena da forma que melhor lhe aprouver. O excesso de “demonstração”, de “explicação”, está matando a dramaturgia. Os cérebros estão atrofiando a um ponto que hoje a Globo precisa colocar narrador para explicar as chamadas da novela, porque as pessoas não conseguem mais entender o comercial que mostra o que vai acontecer no capítulo do dia.

Eu jamais escreveria uma obra com cenas de sexo explícito. Como disse, não por moralismo, mas porque quero ter a certeza que as pessoas estão apreciando minha obra pelo que ela é, e não por causa de peitos, bundas e sexo. Eu me acho boa o bastante para prender a atenção do espectador sem precisar inserir esse chamariz. Pelo visto não devo ser, mas paciência, continuo me achando. Acho ofensivo subornar visualmente o espectador para ter audiência e, como espectadora, fico meio puta quando tentam fazer isso comigo.

Inserir cenas de sexo em filmes e seriados é como participar de uma competição esportiva usando anabolizantes: desleal e a vitória não pertence a você, e sim a um fator externo que em nada tem a ver com a sua competência. Pornografia, na minha opinião, é o anabolizante da dramaturgia. Tira todo o mérito da audiêcia.

Fora o fato de ser constrangedor. Você consegue assistir cenas de sexo explícito ao lado dos seus pais? dos seus avós? dos seus filhos? Desculpa, mas já me peguei sozinha em casa abaixando o volume da TV enquanto passava Game of Thrones por vergonha do que os vizinhos pensariam. Acho constrangedor e desnecessário esse grau de “explicitude”. É vulgar, é apelativo, não acrescenta em nada para a obra, apenas atrai audiência vazia.

Quando se tira as cenas de sexo de uma obra é que se pode ver o que resta de interessante nela. Infelizmente sexo ofusca o resto por uma falha evolutiva do ser humano, que o faz superestimar qualquer coisa de cunho sexual. Principalmente o brasileiro, povo bunda que acha mérito ficar ostentando o quanto gosta e o quanto faz sexo. Ao inserir cenas de sexo, se suborna visualmente o espectador e o conteúdo do seriado ou filme em si fica em segundo plano.

Que tipo de autor quer que o conteúdo da sua obra fique em segundo plano? O medíocre, aquele que não tem conteúdo para, por si só, prender um espectador. E como os medíocres são maioria, quase todo filme ou seriado hoje tem cenas bem explícitas. A consequência é que o espectador fica “viciado” (no sentido de mal acostumado) com isso e chega a sentir estranhamento quando não vê conteúdo de cunho sexual.

Em vez de parar, pensar e refletir, os autores acabam se valendo de uma fórmula que sabem dar certo e inserem suas ceninhas de sexo, para garantir audiência. Ninguém quer mudar nada para aprimoramento pessoal ou social, as pessoas querem repetir a fórmula do que dá certo, e com isso estamos inovando cada vez menos. Ao inovar menos, pensamos menos, saímos menos da zona de conforto e ficamos cada vez mais medíocres.

Hoje, eu faço questão de prestigiar filmes e seriados que se dignam a não inserir nenhuma cena de sexo explícito em seu roteiro. Dou preferência, pois sei que os autores são pessoas que pensam “outside the box” e, no mínimo, tiveram a ousadia de tomar o caminho mais difícil. Se um filme ou seriado emplacou sem se valer desse recurso, deve ser mesmo muito bom. É uma peneira que eu recomendo a todos.

Acompanhar tendências é fácil, qualquer um faz, basta ser um mero papagaio social e repetir o que já está dando certo. Não faz meu estilo. Os bons são os que inovam e conseguem ver um passo além, serem os primeiros a lançar uma tendência. Dentro desse raciocínio, inserir cenas de sexo me parece medíocre e desnecessário, coisa de gente acomodada. Dá para fazer melhor. O caminho mais fácil costuma sempre ser o mais medíocre.

Um filme ou um seriado tem algo a te dizer, algo a contar. E para te contar, te mostrar ou te ensinar algo não é necessário enfiar uma cena de sexo explícito. Aqui não está em questão se você gosta de ver cenas de sexo ou não, e sim se isso é NECESSÁRIO. Necessário não é, coloca quem quiser, como um plus, como uma apelaçãou ou sei lá com que intenção, mas, vamos combinar, necessário não é.

Para dizer que se você gosta é necessário, para dizer que fica mais legal e por isso é necessário ou para confundir de qualquer outra forma seu gosto pessoal com necessidade: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Acho que sempre vai depender do teor do filmes, sua história os personagens e etc.

    Mas concordo que em alguns filmes é completamente desnecessário. Robocop não é igual a 9 1/2 Semanas de Amor.

      • Sally, como disse depende do teor do filme, em filmes como Instinto Selvagem e Atração Fatal e outros com esse tipo de temática acho até válido. Mas em filmes como A Fuga e O Especialista não tem o menor sentido que não seja puro marketing, esses filmes venderam mais pela divulgação das cenas de nudez da Kim Basiger em A Fuga e o outro pelas cenas envolvendo o Stallone e Sharon Stone, pois se analisar friamente o roteiro, são completamente desnecessárias.

          • Talvez não Sally, na minha opinião essas cenas sejam necessárias para mostrar o quanto estão envolvidos um pelo outro. E para convencer o espectador da relação e do desenvolvimento e acontecimentos durante o filme.

            Talvez se o Robocop (o bom de 87 ) não tivesse o nível de violência vista no filme, não teria alcançado o seu objetivo que era justamente a sua crítica. O Robobocop do Padilha falhou miseravelmente por não ser violento. Então como imaginar filmes no naipe de Instinto Selvagem sem as cenas de sexo?

            Mas fica tranquila, o cinema atual só tem essas porcarias de filmes de HQs e imitações de Crepúsculo.

            • Violência eu acho necessária. É outra coisa. Mostrar violência explícita tem um papel pedagógico, cumpre uma função de alerta, denúncia, reflexão. Mas sexo? Não consigo visualizar qual o ganho demostrar cenas explícitas…

              • Eu acho que tem um ganho para a própria arte. Não em todos os casos, lógico, mas a cena do investigador com a esposa em Instinto Selvagem é emblemática. Não acho que teria manifestação mais “explicativa” sobre o que o cara estava sentindo, a dúvida, o desejo e como isso atrapalharia na investigação do caso de assassinato.

                A maioria é só “para vender” mas acho que tem histórias que não transmitiriam toda a carga emocional com duas pessoas suadas deitadas lado a lado, por exemplo…

  • De uma coisa eu concordo muito.

    “Violência pode, peito não?”

    De uma forma geral o primeiro é muito mais prejudicial.

    No ramo da dramaturgia me ligo muito a história contada (odeio quando alguém reclama perto de mim “cadê os dragões do Game Of Thrones”. Porra vê a história caralho!) e se cabe violência, sexo, mudança de dinamismo abrupta ou até mesmo o silêncio quem me diz é o contexto.

  • Hahaha…A Sally, nao sei…Mas meu filho de cinco anos so vivce me pedindo esse tal de Discovery Kids. E eu nem sei que diabo é isso!

    Olha, cenas de sexo sao importantes na TV sim. Alias, ate ajuda a desmistificar o coneceito religioso de que sexo é pecado. É natural, indispensavel, faz parte da vida…Tem mais é que mostrar mesmo.

  • É o que sempre digo, em se tratando de banda por exemplo, uma das formas de saber se um artista é realmente um ARTISTA, é respondendo as perguntas:
    -Ele usa dançarinas gostosas e bundudas como suporte quando a banda se apresenta?
    -Ou mesmo se este artista é uma mulher, ela faz uso de semi-nudez no palco? Ou danças e poses sexuais? Ou é um grupo de rockeiros fodidos, barbudos, feios e velhos que consegue manter uma multidão por horas por si só? Sem hacks.

  • Existem, mas são poucas. O estupro em “Irreversível” ou a relação em “O Amante” (adaptação de “O amante da China do Norte”, da Marguerite Duras”) têm efeito dramático e contribuem para chocar ou sensibilizar o espectador. A cena de sexo em Coração Satânico também tem efeito dramático, assim como a revelação explícita de que a moça é um travesti em ” Traídos pelo desejo” faz o maior sentido para colocar o espectador no estado de espírito do protagonista. As demais cenas de sexo shampoo (gente jogando os cabelos para lá e para cá) ou de banhos femininos antes do psicopata chegar só servem para descabelar o palhaço.

    • Essa cena em “Irreversível” é chocante mesmo, parabéns aos atores. Se não me engano são 14 minutos sem corte.

    • Concordo. Sexo explícito é apenas uma forma de sexo – conjuntural ao que pretende demonstrar. Tem filmes ‘românticos’ nos quais uma cena de sexo explícito pode acabar com qualquer sentido que o filme tenha se proposto, mas em uma trama política, uma tragédia doentia, ou mesmo em filmes de guerra, o sexo explícito pode muito bem ser a metáfora para uma ‘violação’, de uma maneira que sugestão ou insinuação poderiam perder em carga da mensagem – ou como o Lars colocou, uma maneira de demonstrar que o sentir ‘violado’ pode ser uma coisa que transcende o que entendemos por sexo. Outro filme que me divertiu muito com esta questão foi o “Cabaré Mineiro”, filme das antigas.

      Hoje eu discordo do ‘sexo banalizado’. Com as hordas de crentelhos, recalcados e religiosos, o que mais tem são filmes que apelam para o ‘não sexo’, de uma maneira a justificar ‘a moral e os bons costumes’. Dizer que NENHUM filme ou história necessite de sexo explícito beira este tipo de justificativa.

  • Pode até não ser necessário, mas eu sempre quis uma cena dessas entre Lilly e Scotty em Cold Case porque eu shippava muito os dois. Eles tinham uma química especial, eram lindos e gosto de pensar que havia uma tensão sexual enorme entre os dois. Eu odiava qualquer mulher que olhasse pro Scotty porque se não for da Lilly, não é pra ser de mais ninguém. Se fosse um namorado meu não seria tão possessiva kkk Atualmente to shippando Jane e Maura de Rizzoli & Isles, elas também tem uma química e acho que se completam.

  • Sempre achei q cena de sexo foi feita pra porno. Quando a história ta caidinha dai eles apelam pra exibir sexo tentando salvar a audiência. As vezes da certo mas eu acho q não combina.

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