Consumo fiel.

Consumir é parte dessa vida capitalista que levamos. Diante de um mercado cheio de opções e marcas, Sally e Somir discordam sobre a fidelidade no consumo. Os impopulares compram seu lado preferido.

Tema de hoje: O que é melhor para o consumidor, experimentar novas marcas ou manter-se fiel às que conhece?

SOMIR

O consumidor ganha mais experimentando. Por questões pessoais e também pelo bem do mercado em geral, o que acaba voltando em mais vantagens pessoais, no final das contas. E como em casa de ferreiro, o espeto é de pau: marca não é tudo isso não. Marcas são construções do “imaginário” consumidor que podem ou não significar vantagens práticas nos produtos e serviços que a ostentam.

Claro que uma marca que te atende bem por muitos anos gera a sensação de segurança, mas vamos relativizar isso um pouco: uma das questões mais básicas do consumo é a dificuldade (muito razoável) de uma pessoa saber se está mesmo fazendo um bom negócio. Como vocês devem imaginar, essa ideia tem pouco peso na compra de um chiclete, mas chega a ser paralisante quando se quer comprar um carro, por exemplo. A pessoa não tem muito conhecimento sobre o que vai consumir para bater o martelo que aquilo vale o seu suado dinheirinho, mas é claro, precisa tomar uma decisão.

E é aqui que a publicidade (a parte menos podre dela) entra: ela pretende te informar e te convencer que você vai fazer um bom negócio ao consumir determinado produto ou serviço. Num mundo ideal, a publicidade só estaria focada em mostrar os benefícios do que apresenta para o público. As pessoas receberiam as informações (corretas) sobre o que é anunciado e tomariam suas decisões com mais segurança.

Isso, é claro, num mundo ideal… o que costuma acontecer demais é que as empresas concorrentes num mercado não tem benefícios exclusivos no que vendem. Qual a diferença fundamental entre o macarrão que a marca A e a B vendem? Claro que os produtos podem ser muito diferentes para conhecedores aprofundados, mas para o cidadão médio? A tendência é que eles sejam incomodamente parecidos. E se estiverem com preços parecidos, a cabeça começaria a soltar fumaça… sério, qual a diferença entre os macarrões?

Mas não ficamos malucos no supermercado, ficamos? Bom, tirando as filas e as pessoas que andam muito devagar no meio da porra do corredor, é claro. Nós não piramos nessas escolhas entre produtos sem diferenciais óbvios porque temos uma série de informações extras plantadas na cabeça. Um tira-teima que normalmente não é tão aprofundado assim nas características práticas do produto: a marca que a sua mãe comprava, a marca que você viu mais propagandas, a marca que importa da Itália, a marca que você comprou uma vez e achou ok… mil coisas diferentes passam pela nossa cabeça quando tomamos uma decisão de consumo. Tudo muito rápido, rápido até demais para ser registrado.

Mas nada disso quer dizer que você respondeu a pergunta sobre qual produto oferece mais em troca do seu dinheiro. Com uma frequência muito maior do que se imagina, marcas são carregadas pela memória de atributos alheios aos produtos que vendem. Vocês acham que a Coca-Cola precisa fazer propaganda para você conhecer o produto? Mesmo se eles parassem de anunciar por vinte anos, teria gente comprando sem medo. Mas se eles saírem da memória recente do comprador, alguma outra marca vai entrar. E isso começa a virar mais vendas para essa outra marca, que eventualmente pode virar o “default” na mente para a categoria de produto. Ninguém assume esse risco no mercado.

Estou falando disso porque muitas vezes a noção de que uma marca tem o melhor produto não é seu gosto apurado por ele falando, é o “alívio” da sua mente de conhecer uma marca e acreditar que ela vale seu dinheiro. E mesmo que você tenha argumentos sólidos para preferir os produtos de uma marca, eles também não querem dizer que não existam soluções melhores. Não se sabe se aquele biscoito tem um gosto melhor só de olhar para a embalagem. Achamos que dá, e a publicidade tenta te influenciar a achar que é fácil assim, mas a verdade é que essa decisão depende das suas papilas gustativas e de seu estado emocional no momento.

Foi mal aí, mas mesmo que você tenha suas marcas preferidas, grandes chances de você não saber muito sobre o que torna esses produtos melhores do que os outros. Tem gente “cantando essa bola” no seu ouvido dia sim, dia também. Gostos podem ser criados por repetição ou por pura falta de saco para procurar outras alternativas. A verdade é que tem muita marca pequena por aí que faz seus produtos com grande qualidade. Eu lido bastante com pequenos negócios e indústrias, existem padrões de qualidade dos quais não se pode nem escapar. E para quem não sabe, grandes marcas (principalmente as de supermercado) tendem a subcontratar fábricas pequenas para fazer seus produtos.

E também tem a questão da escala: empresas maiores entram numa área de risco diferenciada, com os processos muito automáticos e com uma difusão de responsabilidade gigantesca, erros acontecem. E pela escala da produção, esses erros passam batido. Vocês acham que uma fabrica pequena deixaria ir para o mercado um lote inteiro de achocolatado com soda cáustica? Erros são muito óbvios na pequena escala. E eles são ainda mais mortais para quem não está faturando milhões e milhões. Uma marca menor simplesmente morre se oferecer um produto problemático no mercado.

Se você tentar experimentar marcas novas, vai investindo na diversificação do mercado. Ajuda produtores locais, gira o dinheiro na sua região, ganha produtos mais frescos… não é papo ecochato de economia local (embora seja verdade, se não começarmos a focar em produção local logo a coisa vai azedar), é manter o dinheiro e o interesse ao seu redor. Investir em marcas novas é também barrar a concentração insana de poder na mão de poucas empresas. Hoje em dia, se você está comprando produtos que anunciam na TV, está comprando de umas duas ou três empresas basicamente TUDO o que coloca no carrinho do supermercado. Oligopólios te deixam mais seguro? Eu ainda prefiro pulverizar.

E se quiserem continuar achando que são especialistas em tudo o que compram, continuem. Meu emprego está garantido assim.

Para dizer que essa coisa de novas experiências é muito gay para você, para dizer que vai tentar outra República Impopular então, ou mesmo para dizer que eu fui pago para escrever este texto: somir@desfavor.com

SALLY

O que é melhor para o consumidor, se manter fiel a uma marca ou estar sempre experimentando marcas novas?

Fosse este um país civilizado, eu até concordaria em arriscar, mas estamos falando do Brasil, o país onde leite vem com soda cáustica e fica tudo por isso mesmo. Não, obrigada. Quando eu acho algo minimamente decente eu me mantenho fiel ao produto.

Conhecer é ótimo, desde que seja em um ambiente seguro, de confiança. Nos EUA, por exemplo, se um produto faz mal aos consumidores, isso gera um custo de indenizações para a empresa tão exorbitante que pode inclusive fazer com que ela feche as portas. Há um medo real de causar danos ao consumidor, pois as consequências são dolorosas.

Aqui? Bem, eu já vi brinquedo decepar dedo de criança e a coisa ficar em uma indenização de oito mil reais. Ninguém tem medo de causar mal ao consumidor, a relação custo/benefício compensa. Inclusive muitas empresas fazem economia porca já calculando que terão lucro mesmo em caso de ter que pagar eventuais indenizações.

Quem aqui não se lembra de pelo menos um caso famoso de desrespeito acintoso ao consumidor? Porta-malas de carro que decepa o dedo, alimento com coliformes fecais, produto para o cabelo que faz com que ele caia, os exemplos são muitos. Você quer ser cobaia de produtos que visivelmente são jogados no mercado sem os devidos testes e cuidados? Não, obrigada. Eu fico com os meus produtos conhecidos e, depois que muitos BMs testarem a novidade por muito tempo, eu penso a respeito. Se as mamães tivessem feito isso com a talidomida teriam poupado seus filhos de uma série de deformidades.

O pior é que no Brasil, mesmo marcas renomadas fazem besteiras enormes. No curto período de tempo em que trabalhei com Direito do Consumidor vi coisas que me assustaram muito. Não existe uma marca que esteja acima de qualquer suspeita, nem mesmo aquelas onde o produto todo foi fabricado fora do país, pois neguinho consegue fazer bobagem até na hora de transportar e acondicionar o produto. Uma marca renomada não te garante nada. O único controle de qualidade no qual eu confio é no meu: se eu uso por anos e não me decepcionou, é ali que vou ficar, seja marca conhecida ou desconhecida.

Deixa-se de ganhar ao não experimentar coisas novas? Não necessariamente. O resto do mundo está aí para isso. Converso, pergunto, procuro me informar com pessoas que julgo terem algum discernimento (vocês) sobre eventuais novidades. Não é apenas fazendo a si mesmo de cobaia que se consegue informações sobre produtos novos. Busco nos processos judiciais (está tudo disponível online) reclamações sobre aquele produto, busco em sites de reclamação, procuro me informar de modo a não sofrer as consequências de um produto ruim.

Arriscar é divertido e curioso em países civilizados. No Brasil pode fazer você achar uma larva na barrinha de cereal, um sapo na salada ou até uma lagartixa no seu sanduíche. Não, obrigada. Por mais que o maquinário da empresa atenda a padrões internacionais de qualidade, quem o opera é, no geral, gente com QI de ameba. Não tem nada que um Brasileiro Médio não possa cagar. Não há treinamento que remova burrice, incompetência e desinteresse pela excelência da prestação de serviços.

A fiscalização no Brasil também é lastimável. Eu diria, é quase o mesmo que nada, por estar corrompida em um esquema de propinas digno de políticos. É autuado, multado e até mesmo fiscalizado quem não participa do esquema e não quem não tem qualidade. Fiscalização brasileira não garante nada. A única garantia na qual eu confio é a observação do produto a longo prazo no mercado. E para isso, tenho que ser mera observadora, caso contrário,caio no papel de cobaia.

Isso sem contar que ao levar um produto novo para dentro de casa você não se coloca apenas como cobaia, coloca todos os que estão naquela casa. Se existe uma família, você se torna responsável pelo bem estar deles também ao escolher levar um produto para seu lar. Além de se colocar em risco, coloca em risco terceiros ao resolver “experimentar”. Não, obrigada. Em tempos de produtos baratos e tóxicos feitos na China, eu prefiro não testar marcas surpreendentemente mais baratas. Não tem almoço de graça. O barato geralmente acaba custando caro. Eu pago para não me aborrecer, não adoecer ou não me machucar.

Em um mercado onde a falta de respeito com o consumidor compensa, é preciso se apegar aos poucos que não a praticam. Hoje, eu não tenho dúvidas que existem mais marcas desrespeitando o consumidor do que respeitando. Isso faz de qualquer variação por curiosidade uma grande chance de acabar levando para casa um produto nocivo. Ninguém aqui é perito ou técnico para antever os males que um produto pode causar, por isso, inovar sempre será um risco. Arriscar quando as probabilidades estão contra mim? Não, obrigada.

Felizmente não tenho aquela arrogância padrão de achar que comigo nunca vai acontecer nada, aquela ignorância propagada em larga escala de achar que é tudo alarmismo para conseguir continuar vivendo em um mundo todo errado. Se você consegue tapar o sol com a peneira dessa forma, bacaninha, no final das contas você vai ser mais feliz do que eu (até um dia tudo dar errado). Eu não consigo. Por isso eu não arrisco, por saber que estamos em um mar de perda e as chances de pegar um tolete são bem maiores do que as de pegar um peixe.

Se você arrisca, bem, só tenho a te agradecer por ser minha cobaia. Graças a pessoas como você, pessoas como eu não precisam correr tantos riscos.

Para se ofender por ser minha cobaia, para dizer que não mora no Brasil e por isso pode arriscar ou ainda para dizer que é hippie e fabrica seus próprios produtos industrializados em casa: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Verdade, Marina
    “…somos todos cobaias. Melhor ser cobaia com mais opções.”
    Sally, somente agora soube que experimentar produtos novos no mercado ajuda a movimentar a produção local.
    Marcas tradicionais, obviamente não assegura qualidade perpetua. (“O seguro morreu de velho”) Quando se reflete que os membros da familia também estão envolvidos nesta decisão, é hora de ‘abrir um olho’.

  • Concordo com o que o Somir disse, se deve experimentar o novo para movimentar a economia da região, mas eu nunca vou provar marcas que não conheço apenas comprar os produtos que estão dentro de meus padrões de qualidade

  • Gosto de experimentar dentro de “faixas”. Ração dos cachorros é sem corante, de proteínas “boas” e com níveis mínimos de proteína, cálcio e fósforo. Dentro desses quesitos, a mais barata. Em caso de dúvida, ligo pra uma amiga zootécnica.

    Suco sem corante e sem conservante já experimentei um monte, cada mês tem uma marca nova no mercado, umas boas outras nem tanto.

    Macarrão da Barilla tem um monte de concorrentes à altura (Renata é outro tipo, pra mim não são alternativas diretas), e só procurar grano duro, sem ovos, de preferência italiano.

    Fora as alternativas locais e pouco conhecidas. Prada, LV, etc, são excelentes marcas, mas muitos dos grandes homens de negócio usam camisas e ternos feitos sob medida (e mais baratos que nas lojas grandes), e sapatos feitos em empresas menores como a The craft shoes factory, que tem sapatos bem mais baratos mas tão bem feitos quanto os primos famosos.

    Como as grandes marcas tbem erram, me manter presa a elas tb pode trazer dissabores. Então que seja pelo menor preço…

  • Concordo com o Somir. Na minha casa nem entrava outro refri que não fosse o de marca famosa , até eu experimentar o abacaxi da Convenção e adorar. Minha irmã nem provou porque disse que era “de pobre” e ficou na onda de propaganda mas eu nem ligo.

  • Olha, eu tendo a ser fiel à marca, mudo só se ela apresentar algum defeito no produto adquirido, daí eu passo a repensar e quem sabe mudar meu conceito sobre a marca. Bom, é claro que depende também do produto, né? No texto parece que vocês focaram só nos produtos de consumo básico, de supermercado e tal. Fosse brinquedinhos eletrônicos e uma bolsa da prada, eu de fato, não abriria mão da qualidade da alta costura dessa marca de jeito maneira.

    Off: Somir, macarrão tem diferença sim! hehe
    A massa da marca Barilla é o que há, já aquele macarrão “Renata”, pelamor! A massa não solta direito, não cozinha direito, tem ovos demais, semola de menos, e por aí vai… (Mas aqui já estaria entrando no mérito do que acho melhor ou pior, então… deixo quieto! rs)

    • Eu amo macarrão Renata!
      Só compro Barilla quando tá na promo e sim eu sou infiel se a concorrente for mais barata.
      Bizu do titio: O sorvete Oggi de musse maracujá e o iogurte com frutas vermelhas são o Paraíso terrestre!

      • Não sabe o que é bom! rs
        Na verdade, pra alta gastronomia o ideal mesmo seria massa caseira, né? Mas… hoje em dia, duvido que os restaurantes, ao servirem massas, não usem esses macarrões por aí…

        Mas poxa, eu, na experiência de cozinheiro, não gosto de usar a massa da Renata não. Alguns tipos como o fetuccine e o cabelo de anjo não ficam tão bons quanto os da Barilla.

  • Eu sempre comprava as marcas mais baratas e me ferrei muito, hoje em dia eu sei que pelo menos 4 produtos tem que ser de uma marca boa: eletrônicos, sapatos, chocolate e carros

  • O melhor para o consumidor é experimentar novas marcas.

    Gostei muito do texto do Somir. Concordo com tudo.

    Mas, assim como a Sally, também não tenho a arrogância (ou a ingenuidade?) de acreditar que comigo não vai acontecer nada de ruim. Mas também não acho que o conhecido é seguro. Nada é seguro.

    Mesmo que a marca seja reconhecida por não desrespeitar o consumidor, não usar mão-de-obra escrava, não ter produtos contaminados… não há garantias de que ela vai continuar sendo assim. Um exemplo é o Toddynho, uma das marcas mais caras e consideradas seguras para crianças, que recentemente causou queimaduras em dezenas de pessoas por um lote, sabe-se lá como, ter saído da fábrica com PH de soda cáustica. A Nestlé já teve que recolher produtos por suspeita de salmonela em alguns lotes de chocolate. Já foram encontradas larvas de inseto em chocolates famosos, como o sonho de valsa, em suco del valle, considerados impróprios para consumo, em leite em pó caro…

    Mas, se tudo é perigoso, experimentar novas marcas não é mais arriscado do que continuar na mesma. Ser fiel não garante que o outro lado corresponderá da mesma forma. Mudar é correr o risco? Sim. Mas confiar também é. Confiar é um risco grande, tão grande quanto experimentar o novo. Não há garantias, nem segurança possível: somos todos cobaias. Melhor ser cobaia com mais opções.

  • A minha curiosidade fala mais alto do que o medo de ser cobaia. Já me decepcionei nessa de trocar de marcas, mas também já me surpreendi positivamente e valeu muito.

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