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Para relaxar…

Para relaxar…

| Desfavor | | 60 comentários em Para relaxar…

Pode parecer estranho no mundo de hoje, mas, precisamos relaxar de tempos em tempos. E pensando nisso, Sally e Somir trabalham em mais uma desavença. Os impopulares decidem para que lado querem ir.

Tema de hoje: qual o melhor lugar para relaxar, o campo ou a cidade?

SOMIR

O melhor lugar para relaxar é sempre o lugar com menos gente. Podem ser todas minhas síndromes de esgotamento da vida moderna falando por mim, mas eu ainda não vejo uma escapatória melhor para descansar do que sair da cidade. E se vocês acham que eu vou fazer um declaração de amor à natureza, pensem de novo. Não estamos comparando civilização com uma floresta tropical, estamos falando de casas de campo. Redutos humanos afastados.

Sally é esperta o suficiente para deixar dúbio de estamos falando de uma casa confortável ou de uma barraca no meio de um trilha deserta; espero que vocês sejam espertos o suficiente para entender que estamos comparando os ambientes: o superlotado assalto aos sentidos da nossa vida cotidiana com a bucólica paz das férias no campo. Ninguém está te dizendo pra virar agricultor, é descanso. Se vai imaginar um nível de conforto num desses ambientes, imagine o equivalente no outro.

O campo é um lugar afastado da cidade, cercado pela natureza, mas que ainda oferece uma estrutura básica para a vida humana. Com exceção das grandes capitais, praticamente todas as cidades tem seus redutos de campo. Lugares onde o concreto e o asfalto ainda não são presenças inescapáveis, onde a densidade populacional é muito menor e por consequência, menos irritante. Essa é a característica que define o descanso: a paz dos outros.

Pense bem, o que te irrita na vida da cidade? O que te faz querer tirar umas férias? Congestionamentos, filas, excesso de barulho, de som, pressão, responsabilidades… todas coisas causadas porque tem muita gente vivendo no mesmo espaço ao mesmo tempo. Cidades são extremamente úteis como conceito, mas a humanidade cagou o conceito concentrando demais as pessoas. Não precisa nem ser avesso ao contato humano como eu, é questão de um exagero que muitos estudiosos de planejamento urbano vem avisando há décadas: precisamos nos desaglomerar antes que seja tarde demais. As grandes cidades já estão pra lá de quebradas, as médias estão chegando lá…

Até animais irracionais sabem: se você está num ambiente que te incomoda, migre para um que não apresente as características que… incomodam! Simples. Um pássaro não migra de um inverno rigoroso para outro, ele vai para um lugar quente! Eu só proponho bom senso: está precisando descansar? Então isso provavelmente tem relação com a vida que você leva na cidade. O campo tem seus problemas, é claro, que lugar não tem? Mas pelo menos não são os problemas que já te fizeram precisar de um descanso.

Uma casa de campo permite um silêncio impossível na cidade. É chegar e escutar no máximo animais fazendo seus barulhos tradicionais. Vai comparar um pássaro cantando com seu vizinho funkeiro? Nossos corpos foram forjados na natureza, e a evolução natural é extremamente mais lenta que a nossa própria: o “natural” é muito mais reconfortante, porque é, querendo você ou não, o ambiente que seu cérebro foi programado para chamar de lar. Como explicar a sensação de pisar na grama? Seu cérebro nem sabe direito o que está acontecendo, mas te diz na hora que você fez alguma coisa certa.

Não é papo de hippie, natureza pode encher o saco sim, mas se você não está pelado e perdido no meio de uma mata fechada e sim numa confortável casa de campo, os problemas ficam bem mais aceitáveis. E lembrem que estamos comparando o mesmo nível de investimento nos dois casos, se suas férias na cidade seriam chiques, pode apostar que sua casa de campo é um espetáculo nessa comparação. E casas de campo boas, apesar de algumas escolhas de decoração duvidosas às vezes, tendem a ser montadas para o aconchego. Cores, formas e texturas, tudo montado para falar com uma parte do nosso inconsciente treinado para achar tudo aquilo reconfortante. Não é uma disputa de design mais arrojado, são fórmulas clássicas que apelam para nossa percepção de relaxamento.

E nem só de ambientes aconchegantes se beneficia a visão. O campo permite algo que eu chamo de “domínio do horizonte”. Na cidade, não importa para onde se olhe, você está vendo a casa dos outros. Lugares tomados, cheios de gente. No campo, você tem a oportunidade de ver o mundo desaparecendo, como se aquela cena toda fosse só sua. É uma sensação de liberdade primal. Por que quase todo mundo acha tão bonita a visão de natureza intocada, de paisagens que se estendem além da vista? Tem algo aí. Na cidade, a poluição luminosa é tão grande que nunca vemos o céu noturno como ele realmente é. E ele é espetacularmente melhor do que costumamos conhecer. Imagina não estar numa cadeira agora, mas deitado na grama olhando pra cima para um céu realmente escuro e lotado de estrelas, silêncio total. Não precisa nem achar poético, não é sobre essas frescuras, é sobre paz. Paz que não é possível no ambiente urbano (pelo menos sem remédios).

Falemos do ar. O ar! Seu pulmão sabe quando se desconectou dos escapamentos e chaminés da cidade, e te recompensa por isso. A gente respira melhor no campo, mesmo que alguns cheiros sejam estranhos pra quem passa muito tempo na selva de concreto. O corpo acostuma rapidinho, a especificação de fábrica já é essa mesmo. O que me leva a mais um ponto: é nosso habitat natural. Somos feitos para aguentar praticamente tudo o que um ambiente como uma casa de campo pode jogar no nosso caminho. Essa história que a natureza nesse nível de controle é algo assustador não faz sentido. A cidade é muito mais perigosa. Muito mais.

E se você tem horror de insetos e bichos menos comuns em cidades, leve um homem junto. No campo basta um pra lidar com 99% dos incômodos. Na cidade é mais indicado uma arma, porque seus problemas não vão ser seres minúsculos que na maioria absoluta das vezes nem conseguem fazer mal para um ser humano adulto. Lembrem: não é floresta amazônica, é uma casa de campo.

E eu já falei que tem menos gente? Porque era basicamente isso. Tem menos gente. É você e quem você escolher estar com você. Isso é descansar…

Para dizer que minha caipirice está aparecendo, para dizer que como sempre o ruim é ser pobre, ou mesmo para dizer que prefere drogas mesmo: somir@desfavor.com

SALLY

Provavelmete você leu uma série de clichês da madame aqui de cima. Normal, todo mundo vai mentir para você sobre o assunto. Romantizam muito a vida no campo. Nos filmes é lindo, mas, minha gente, vida no campo na prática…

Se eu quiser descansar, eu fico é na cidade, onde tem delivery, onde tem infraestrutura para me atender. Eu não preciso ir para um lugar onde o celular não pega para ter paz, pois felizmente inventaram um botãozinho lindo e mágico que, quando você aperta, o celular desliga! Olha que máximo! O processo de desligamento do estresse do dia a dia é interno, e não externo.

Se eu quiser respirar novos ares e relaxar, eu posso ir para um spa receber massagem e ser paparicada. Por que eu iria para o meio do mato, me misturar com a natureza e suas crias do capeta? Todo tipo de insetos, inclusive mosquitos do tamanho de andorinhas, animais nojentos, animais peçonhentos… pra que? Grama, terra, vegetação… vocês ainda não perceberam que a natureza odeia o ser humano e tenta o tempo todo exterminá-lo? Somos um parasita, tipo um piolho da mãe natureza. Tsunami, furacão, terremoto, maremoto, raios, enchentes…

O silêncio do campo, muitos dirão. A paz. Não tem trânsito, não tem o barulho da cidade grande. Essas babaquices que são repetidas sem pensar e acabam virando verdade. No campo, meus amigos, tem barulho. Tem barulho pra caralho. Dá cinco da manhã começam uns pássaros filhos da puta a cantar sabe-se lá para que. Ainda está DE NOITE, ainda não amanheceu e essas porrinhas já estão cantando! E não respondem ao comando de “SHHHHHH CARALHO!” como animais mais inteligente respondem, tipo cães e gatos.

E sempre, sempre, sempre tem um galo maldito que canta, e não canta uma vez, ele canta em intervalos regulares, desde a madrugada até o começo da manhã. Mas não é qualquer canto, o galo mau caráter parece ter um sensor para cantar: ele espera o tempo justo e necessário para você voltar a pegar no sono, e só aí cantar novamente. Uma espécie de tortura, acho que o galo acorda e diz para as galinhas “quer ver eu não deixar aquela filha da puta dormir?”. Certeza que o primeiro galo que assaram foi de raiva por terem sido acordados sistematicamente! Enquanto isso eu estou dormindo isolada acústica e termicamente por um ar condicionado e um blackout, acordando meio dia e indo para um spa.

A menos que você seja muito rico, no campo a infraestrutura é menor do que na cidade. Geralmente você tem que comprar todos os mantimentos que precisa e levar, não tem uma padoca na esquina para te salvar quando acaba o papel higiênico. Daí você, inconsequente que vai para o campo “relaxar”, já parte de uma porra de uma compra no mercado, sendo obrigado não apenas a antever tudo que vai precisar durante a estadia, como também a carregar os mantimentos do supermercado para o carro e do carro para a casa. Isso relaxa onde? Mercadoterapia? Enquanto você carrega suas bolsas feito um corno, eu estou no ofurô do spa.

Chega na casa de campo, que se não tiver caseiro, estará imunda e com cheiros bizarros por passar um tempo fechada. Sendo otimista e pensando que você tem serviçais, ela está arrumadinha, mas, ainda assim, você vai ter que desfazer suas malas, a menos que queira passar o resto dos dias com roupas tão amassadas que pareçam ter saído da boca do cachorro. Tira tudo, pendura tudo, para, alguns dias depois, dobrar tudo, recolocar na mala, levar para casa e ter que lavar tudo junto.

Se você não tiver serviçais, parabéns, você se fodeu, principalmente se for mulher. Nem digo faxina, mas “um jeitinho” você vai ter que dar na casa. E cozinhar. E lavar o que sujou cozinhando. Colocar e retirar a mesa. Fazer cada tarefa doméstica que faz todo dia na sua casa, só que pior, pois os eletrodomésticos serão menos modernos e em menor quantidade. Larga a Nespresso para coar café no coador de pano mesmo, desgraçada! Faz isso com você mesma! Enquanto isso eu estou tomando champanhe no spa (mentira, eu não bebo, mas a frase ficou impactante!).

Não vai demorar até descobrir que você não comprou algum mantimento importante, ou acontecer algum revertério que te faça precisar de um mantimento nem ao menos cogitado (spoiler: Imosec é vida!). Você vai pegar o carro e vai para a civilização mais próxima, que é, na verdade, um mercadinho do tamanho de uma caixa de fósforo que vende basicamente cigarros e biscoito. Boa sorte. Eu estarei fazendo algum tipo de massagem no spa enquanto você tem que se contentar em comprar um vinho para utilizar a rolha para controlar a situação, já que não tem Imosec à venda.

A natureza é escrota, ela cria animais como o Tuiuiu, o Lobo Guará, o Tamanduá Bandeira e outras deformidades sem propósito. Uma dessas aberrações sempre acaba entrando na casa, quando a casa está encravada no meio do seu habitat natural. Felizmente na cidade grande asfaltamos a porra toda e essas aberrações migraram mata adentro, pois ainda não conseguem comer concreto. Mas na casa de campo? Aparece escaravelho com ferrão do tamanho do meu braço! Aparece umas rãs cor de marca-texto que devem ser mais venenosas do que Yakult vencido. Às vezes aparecem umas coisas que você nem ao menos sabe o que é. Certa vez entrou uma coisa amorfa voadora que eu não sabia se era um pássaro ou um inseto. Aí vem o estresse em se livrar do preposto maldito da mãe natureza. Eu não sou obrigada!

A menos que seja um homem muito especial, que mate tudo que você pedir ao primeiro comando com a competência de um Navy Seal, vai ser aquela lenga-lenga que a gente conhece: bufa, levanta vagarosamente com cara de cu e vai se arrastando para ir matar. Isso quando não começa com o “ele tem mais medo de você do que você dele” ou “não faz nada, matar pra que?”. Se nem homem tiver, que beleza, você mesma vai ter que lidar com o enviado alado de satanás! Olha que relaxante, você com uma revista enrolada (porque o inseticida você esqueceu de comprar) tentando se livrar de uma criatura peçonhenta na base da violência! Eu estarei fazendo mão e pé no spa, a quem interessar possa.

Chega e noite e… Não tem o que fazer! Que legal! U-huuuu! Se estiver muito na fissura de sair, vai em uma quermesse da cidade mais próxima, se deprime e volta. Sexo? Não creio. Alergias mil do mofo e poeira, insetos e répteis sem caráter invadindo sua propriedade, convidados no quarto ao lado que tiram sua privacidade, falta de infraestrutura generalizada. Talvez bebendo, nunca saberei. Mas não beba demais se não vai ter que pegar o carro para comprar Imosec ou papel higiênico, o que conseguir primeiro. Eu estarei em um bom restaurante sendo servida, sem precisar cozinhar nem lavar a louça.

Casa de campo é um embuste, minha gente. É furada. Mulher gosta é de conforto, vamos parar de fingir esse espírito aventureiro! Passar dos 30 me libertou, hoje eu bato no peito e digo com orgulho que eu quero é conforto. Já acampei, já fui a casas de campo, já fiz a porra toda, paguei meu débito com a sociedade, experimentei por anos para estar avalizada a dizer: não gosto. Não quero. Não topo mais. As pessoas descansam melhor é na cidade, você não precisa de um mato escroto para se desligar das suas obrigações! Sem infraestrutura só hippie relaxa e descansa.

Para dizer que adora quando eu estou surtada, para se libertar dessa imposição hippie de ter que ir para o mato para descansar ou ainda para dizer que esperava a opinião contrária da Miss Computador aqui de cima: sally@desfavor.com

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