Skip to main content

Colunas

Arquivos

Desgosto.

Desgosto.

| Desfavor | | 54 comentários em Desgosto.

Um assunto da mais extrema importância e que com certeza trata de questões universais que nada tem a ver com gostos pessoais: alimentos odiados. Sally e Somir tem suas listas de indesejáveis, mas colocam no topo de suas listas dois alimentos bem diferentes. Os impopulares sentem o gosto da participação.

Tema de hoje: qual o pior dos alimentos?

SOMIR

Sabe, às vezes é reconfortante não ser muito diferente da média… dessa vez eu vou de passas. Sim, aquelas uvas abortadas que empesteiam a culinária mundial. Verdadeiros crimes contra o paladar humano, passas e frutas cristalizadas em geral parecem só existir para irritar a grande parcela da população mundial que as odeiam. Na verdade, eu até desconfio de um complô silencioso entre as pessoas que dizem gostar de passas só para tornar a alimentação daqueles que admitem não gostar um problema. O ser humano sendo escroto, para variar.

Sally quis ser a diferentona hoje, talvez encontre defensores, mas acredito que essa ficou fácil pra mim: entre o que ela escolheu e passas tem muito chão. Tanto que é muito mais comum encontrarmos detratores dessas versões defeituosas de uma fruta perfeitamente agradável em seu estado natural do que ela escolheu. Existe algo sobre as passas que as tornam ofensoras ainda maiores.

Em primeiro lugar, o alimento em si não tem sabor suficiente para ser a estrela de um prato nem sutileza suficiente para complementar outros sabores. Gosto muito característico que pouco ou nada lembra a fruta original, e um excesso de açúcar que elimina quaisquer nuances possíveis no sabor. Consigo entender uma lógica histórica para sua criação, em tempos onde era basicamente impossível conservar um alimento in natura por tempo suficiente, encher algo de sal ou açúcar tinha sua função.

Mas, o mundo evolui. Poucos alimentos preservados à moda antiga sobreviveram ao teste do tempo, com sabores muito abaixo do padrão de qualidade que temos nos dias atuais. Uvas passas tem gosto de algo que azedou cheio de açúcar, assim como carne seca tem gosto de ranço muito salgado, por exemplo. Mantidos na dieta humana por um misto de tradição e falta de condições de consumir algo melhor, ainda encontram espaço em muitas mesas por aí. Muito embora já não façam o menor sentido em tempos de transporte rápido e refrigeração.

Que cada pessoa empesteie seu paladar com porcarias ancientes não é minha preocupação, mas quando esses gostos muito abaixo do padrão de qualidade moderno influenciam a satisfação alimentar de pessoas em pleno século vinte e um, é caso para se pensar. Precisamos das passas ou só temos a mania de continuar enfiando elas nos alimentos que consumimos e é difícil parar? Tendo à segunda opção.

Passas, como era de se esperar de um alimento estragado conservado não letal para o consumo humano por meios extremos, tem um gosto invasivo em todos os pratos que toca. Sim, é de praxe que os sabores que não gostamos sejam os mais reconhecíveis nos pratos que consumimos, seja lá o que você não gosta, a tendência é você sentir o gosto imediatamente e não conseguir se concentrar em mais nada; mas há uma diferença considerável aqui: a passa não se mistura com o resto da comida, ela fica lá para te relembrar constantemente do que você não gosta, estragando a experiência de comer.

O que gera a TPP, Tensão Pré-Passa, aquela sensação terrível de que você vai morder uma delas a qualquer momento se não passar pela vergonha de retirar uma por uma da sua comida. E mesmo assim, passas parecem fazer um desvio pelo universo paralelo para onde somem as tampas de caneta, desaparecendo da realidade enquanto você procura por elas só para voltarem triunfantes entre seus dentes quando já é tarde demais. Infelizmente, ao contrário das tampas de caneta, as passas sabem voltar.

E não bastasse infestarem doces, seres humanos horríveis, muito horríveis, acharam uma excelente ideia enfiarem elas no meio de alimentos salgados. Eu já acho de um barbarismo inaceitável misturar doce e salgado (coisa de bicho querer comer tudo junto ao mesmo tempo, talvez por medo de outro animal vir roubar…), mas misturar doce e salgado com passas é a versão hedionda do crime. Motivo torpe e execução cruel num mesmo pacote. Um arroz ou uma farofa perfeitavemente aceitáveis são inutilizados imediatamente por essa afronta ao equilíbrio de sabores.

Sem contar a afronta estética. Tudo o que eu não quero ver nas coisas que vou comer são elementos que me remetam a insetos. Aqueles pontos pretos geram uma imagem mental desagradável, como se fossem começar a andar pelo prato a qualquer momento. E não bastassem as passas pretas e marrons, ainda existem as verdes, as malditas que quase ficam transparentes quando cozidas. Se incomodam menos a visão, são mais perigosas ainda ao paladar por ficarem camufladas até soltarem seus sucos nefastos junto com o que você estava gostando de comer até ali.

E sempre tem uma pessoa chata para te criticar por não gostar de passas, como se fosse mero capricho não querer comer um alimento supérfluo que desvaloriza os outros sabores de um prato. E nem é o caso de dizer que está deixando de comer algo nutritivo por gosto, passas não servem pra muita coisa numa dieta balanceada. Eu não sou muito de comer frutas nem em seu estado natural, mas não nego que estou perdendo coisas que me fazem bem por isso. No caso das passas, nem esse ponto serve.

Passas tem utilidade reduzidíssima no mundo moderno, não melhoram a sua dieta, tem um gosto que não serve como principal ou como complementar, incentivam o barbarismo da mistura de doces e salgados e além de tudo, deixam os pratos mais feios. Você nunca ouviu dizer que alguém envelheceu bem como uma uva passa, não?

Para dizer que adora quando falamos sobre nada, para dizer que é muito drama por pouca porcaria, ou mesmo para ser aquela pessoa chata: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é o pior dos alimentos? Contrariando a cultura popular, eu voto no pimentão.

Eu odeio pimentão. Eu não suporto pimentão. Mas eu não suporto uma quantidade considerável de alimentos, então, permitam explicar por qual motivo escolhi a porra do pimentão. Sim, eu vou passar duas páginas falando sobre pimentão, é isso mesmo.

Começa pela origem. As passas nascem dignas. Tem todo um processo, um cuidado. Uvinhas são colocadas para desidratar ao sol, na tentativa de conservar o alimento por mais tempo, graças a adversidades como intempéries climáticas e guerra. O pimentão? Pfffff… Encontraram esta porra jogada no chão e pensaram: “bacana, vamos comer?”.  E nome? Coisa tão escrota que nem mereceu uma designação própria: “parece uma pimenta, só que gigante, vamos chamar de pimentão?”. Grotesco.

Eu sei que alimento mais odiado da cultura pop são as passas. Também as odeio, parecem pequenas baratas enfiadas no arroz. Mas acho o pimentão pior. Passas você pode remover da comida e deixar em um cantinho do prato e o problema está resolvido. Já o pimentão… um cubinho de pimentão contamina de forma irremediável toda a água de uma piscina olímpica! O pimentão é tóxico! Por onde passa esmaga outros sabores e predomina. Não adianta remover o pedacinho de pimentão, onde ele encostou, está arruinado para todo o sempre! Ele vaza esse sabor forte e desagradável por toooodo o prato.

Passas são pretinhas, fáceis de separar. Você as encontra com facilidade no arroz, no sorvete ou em qualquer alimento que não seja preto. O maldito pimentão, além de vir em várias cores (amarelo, verde e vermelho são as mais comuns, mas existem outras, como branco, roxo e preto) também se confunde com outros alimentos. Quem aqui nunca levou à boca um pedaço desta hediondeza achando que era um tomate? Aí vem aquele amargor, aquele desalento, aquele desamparo ao perceber que não era tomate coisa nenhuma, era uma caralha de um pimentão! Pronto, três dias com esse gosto na boca, arrotando pimentão.

As passas são socialmente marginalizadas. É ok não gostar de passas, tinha comunidade no Orkut para gente que não gostava de passas. Pimentão não. Pimentão é um câncer silencioso na nossa alimentação. Chega de mansinho travestido de tempero e, no que toca a panela, vira prato principal. Sufoca o sabor da carne, da salada, do risoto. E se você reclama, as pessoas se espantam “Como assim você não gosta de pimentão?”. É dura a vida dos odiadores de pimentão, não temos qualquer apoio social e ainda somos hostilizados! Já me conformei que se quiser comer cachorro-quente digno, eu mesma terei que prepara-lo.

As passas são feinhas, mas porra, elas vem prontas. É basicamente tirar da embalagem e jogar na comida. O demônio do pimentão, além do sabor hediondo e tóxico, ainda dá trabalho para preparar. Tem que tirar as sementes que estão no meio e, se você for um cozinheiro cuidadoso, tira a pele também, em um processo chato e perigoso onde certamente queimará os dedos e deixará a casa com esse cheirinho azedo do inferno. O troço é ruim para quem come e ruim para quem prepara!

Qualquer comida temperada com pimentão fica com o mesmo sabor: de pimentão. Foda-se se é peixe, carne, frango, hambúrguer ou macarrão. Os outros sabores morrem. Passas são mais respeitosas com os colegas alimentos, tanto é que vão no arroz e no sorvete e só ousam espalhar seu sabor quando alguém as morde. Sério mesmo, tenho a impressão que o pimentão se vinga dos humanos e urina na comida quando está dentro da panela, só isso explica essa contaminação azeda.

Justamente por já portar um estigma alimentar, as passas são tratadas com certa parcimônia pela gastronomia no geral. Restaurantes não saem metendo passas em tudo quanto é prato, pois sabem que os clientes ostentam um ódio muito saudável por essas coisas escrotas enrugadas. Pedir para que um prato venha sem passas é aceitável, eu diria, até esperado. O mesmo não se pode dizer do maldito pimentão. Muitos pratos levam pimentão e, não raro, ouvimos que não é possível fazer o prato sem ele, pois “vem no molho”. Por consequência, temos que aturar essa desgraça na salada, na carne e nas massas. Até no fast food o pimentão aparece para arruinar o dia e cagar nosso cachorro-quente.

Passas são alimentos sazonais: elas ganham um destaque no final do ano, nas proximidades do natal, depois voltam para a escuridão e as trevas de onde nunca deveriam ter saído. Eventualmente ganham algum espaço no prato de malucou ou excêntricos. Pimentão é o ano todo desgraçando a nossa existência! Você vai em qualquer restaurante self service e, feliz da vida pega uma porção de salada ou um risoto e, quando menos espera, na primeira garfada, o gosto dessa desgraça alimentar está lá! Tinha pimentão, mesmo que seja picadinho do tamanho da cabeça de um alfinete, super camuflado, ele arruinou todos os outros sabores. Self service é roleta russa alimentar graças a essa infelicidade chamada pimentão!

Repito: eu não suporto passas, mas isso não me impede de comprar alimentos que eventualmente vem com passas, como granola e outros. Basta catar essas baratinhas doces e jogá-las no lixo, pronto, o alimento está próprio para consumo. Já alimentos que contenham pimentão? Não compro nem com um cano de arma encostado na cabeça! Estarão irremediavelmente contaminados…

Por sua furtividade, por sua toxicidade e por seu aspecto hedindo, pimentão é muito pior do que passas!

Para parabenizar a ambos por segurar duas páginas cada um com um assunto tão merda, para perguntar se semana que vem vai ser um tema de profundidade maior que uma colher de chá ou ainda para compartilhar suas birras alimentares: sally@desfavor.com

Comentários (54)

Deixe um comentário para W.O.J. Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.