Skip to main content

Colunas

Arquivos

Presentes do passado…

Presentes do passado…

| Desfavor | | 27 comentários em Presentes do passado…

Relacionamentos tem suas dificuldades pelo simples fato de lidar com outro ser humano, mas sempre pode ficar pior: Sally e Somir discutem o que é mais complicado quando adiciona-se ainda mais outro ser humano nessa situação. Os impopulares trazem suas opiniões a tiracolo.

Tema de hoje: qual é a pior bagagem que uma pessoa pode trazer de um relacionamento anterior?

SOMIR

Filhos. Salvo se for o seu primeiro relacionamento amoroso na vida, todo mundo sempre traz algo de suas tentativas anteriores que vai criar complicações futuras. Faz parte, eu sei. Se a pessoa realmente vale a pena, você pega uma das alças dessa bagagem e vai carregando junto, porque a pessoa perfeita simplesmente não existe. Posto isso, das possibilidades mais comuns, filhos são das bagagens mais pesadas e presentes desse conjunto.

E agora, eu vou começar a ser uma pessoa horrível: do ponto de vista que eu escrevo, filhos parecem piores porque meu público-alvo são mulheres, e mulheres são, em média, muito mais conectadas com suas crias que o sexo oposto. Se você se relaciona com homens, tende a lidar com uma versão mais branda da experiência de “adoção forçada” das crias alheias. Na maior parte dos casos, um casal divorciado tem guarda dos filhos com muito mais tempo na conta da mãe do que do pai. Pra Sally é mais fácil escolher outro ponto, porque depois de uma separação, e podem me odiar por isso, “paternidade” pode ser escrita com aspas. Maternidade por sua vez…

Encarar filhos que vieram de bagagem do relacionamento anterior um ou dois dias por semana é consideravelmente mais fácil do que todo o resto do tempo. E, salvo honrosas exceções, pais se importam um pouco menos com filhos do que mães. Vendo pelo o meu lado então, escolher uma mulher que tem filhos é basicamente aceitar ficar em segundo plano na maior parte do tempo, escolher um homem com filhos cobrando muito menos da rotina diária do novo casal. Sim, é possível que a pessoa chegue com um filho sozinha, mas vamos concordar que a norma é existir pai ou mãe na jogada.

O que nos leva ao problema de um ex presente. Sou do time que não é seguro o suficiente para levar numa boa o contato da minha mulher com um homem de seu passado, e não tenho planos de me tornar uma pessoa melhor nesse sentido. Filhos significam um Zé Ruela que já deveria estar fora da vida dela aparecendo de tempos em tempos. Ter um filho gera um laço poderoso entre duas pessoas, algo que eventualmente as une numa causa comum e exige contato. Pior: pelo fato de não achar que filhos são coisas inconsequentes, eu ficaria preso entre situações ruins, ou ela tem que ficar em contato com o ex por causa da criança, ou eu perderia o respeito pela pessoa se cagasse pra um filho e deixasse tudo na mão do outro.

E nem estou falando só de um eventual ciúme do ex, é uma faixa de interações entre duas pessoas com imenso potencial de dar dor de cabeça: mesmo que não gere uma proximidade incômoda, mesmo que a relação deles seja de desprezo e incômodo com as respectivas presenças, as inevitáveis discussões sobre como criar o fedelho ainda vão impactar no humor médio dessa mulher. Tem um cidadão com poder de encher o saco e criar problemas para sua mulher num estalo de dedos. Não é bacana ter essa ponta solta na vida.

E, é claro, tem uma criança ou um adolescente na jogada. Filhos adultos podem ser extremamente chatos, mas considerando a fase da vida onde filhos adultos são uma realidade, a passionalidade da situação é consideravelmente menor, com muita experiência para contornar os problemas e muito menos contato diário com filhos. Então vamos continuar nos casos de filhos mais jovens. Crianças e adolescentes podem ser mais agradáveis na convivência (mentira, adolescentes nunca) se você está mais próximo da normalidade do que uma pessoa como eu, mas mesmo assim, ter dor de cabeça com gente nessas idades é inevitável. Mesmo gente desnaturada acaba tendo muito trabalho diário com filhos. Aquela coisinha é responsabilidade (inclusive legal) da pessoa, e isso vai vazar pra qualquer um que se coloque suficientemente próximo dela.

Você querendo ou não filhos, escolher uma pessoa que já venha com um é basicamente comprar essa briga. Crianças passam muito tempo com os pais e exigem atenção constante. Muita inocência achar que não vai ter de lidar com essa criação, e mesmo no caso “light” do homem que só vê nos finais de semana, ainda sim é estar em segundo plano em toda comparação (novamente, se não ficar, eu vou perder respeito pela pessoa, essa porra toda é uma armadilha) e nem ter muito para onde correr. Vai fazer o quê? Pedir para uma mãe deixar de dar atenção para um filho pra passar mais tempo com você? E eu estou tentando manter esse tema suficientemente “limpo” da mentalidade de quem não quer ter filhos. Porque aí a coisa engrossa de vez: eu não quero filhos porque não quero o que vem junto com eles, escolher uma mulher que já tenha um ou mais significa basicamente viver a vida oposta a que eu escolhi. Não vou cuspir pra cima e dizer que nunca vai ter uma que valerá essa pena, mas na prática é abdicar de um projeto de vida querido para entrar no inferno da conformidade.

E, vamos ser honestos, crianças cagam o ambiente romântico. São recompensas por si só para quem as escolhe, mas não facilitam em nada uma vida afetiva/sexual de adultos próximos. Essas coisinhas sempre acham formas de precisar de atenção e destruir climas. E não precisa ter raiva de criança para se incomodar com isso, elas são justamente as que não tem culpa alguma na situação. Largar um namorado pra ir cuidar de sua criança melequenta é claramente a coisa certa a se fazer, mas o certo nem sempre vem satisfação imediata. Não se pode ter duas prioridades máximas na vida, alguma coisa sempre vai perder. E nesse caso, com um filho na jogada, não faz sentido que outra coisa seja secundária.

E só para finalizar, eu concordo que o que a Sally vai defender é terrível também, mas… entre pessoas com sentimentos mal resolvidos no seu passado afetivo e pessoas sem filhos, é possível encontrar pessoas sem filhos.

Para dizer que fica feliz por uma pessoa egoísta assim nunca chegar perto de crianças, para dizer que eu não entendo a mágica dos filhos, ou mesmo para dizer que a pior bagagem é uma DST: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a pior bagagem que uma pessoa pode trazer de um relacionamento anterior? Sentimentos mal resolvidos.

Olha, vou te falar uma coisa, hoje tá bem difícil de argumentar, pois eu quase, quaaaase que concordo com o Somir. Filhos de um relacionamento anterior (principalmente filhos pequenos) são uma bagagem pesadíssima, quase que insuportável de se carregar.

Porém, filho alheio é um transtorno, mas é alheio. Em última instância, o ônus recai em quem fez o filho e você leva apenas um dano colateral. Não que não seja incômodo, mas ao menos não detona diretamente o relacionamento. Sentimentos mal resolvidos pela pessoa anterior são uma afronta direta à atual relação e causam uma mágoa forte e certeira no novo parceiro.

Não adianta, quando há sentimentos mal resolvidos de relações anteriores não há terreno fértil para plantar uma nova relação. É como construir um castelo em areia movediça. Não tem carinho, não tem amor, não tem compreensão que resolva, a coisa começa cagada e está fadada ao fracasso. Você só pode entrar quando a outra pessoa sai e, se você aceita ficar com alguém enquanto a outra pessoa não saiu, desculpa a sinceridade, você vai se foder. Não vai ser bonito. Você vai sofrer. Ficar com alguém que nutre sentimentos mal resolvidos por ex é como tentar peidar no meio de uma crise de diarreia: não importa o quanto você se esforce, seja cuidadoso ou se planeje, é certo que cedo ou tarde vai dar merda.

Filhos são um ônus, mas você pode se distanciar deles. A criança encheu o saco? Vomitou? Se cagou toda? Está chorando? Bem, como diz o ditado, quem pariu Mateus que o embale. Você pode simplesmente se afastar da situação: finge uma hecatombe intestinal e se tranca no banheiro até o demonho (sim, com NH – acho que dá ênfase!) voltar a ser convivível ou até, em casos extremos, sai de perto mesmo, vai dar um pulinho no supermercado, vai para a academia ou vai comprar cigarros pensando se um dia voltará ou não. Fora o maravilhoso e infalível clássico de ter que trabalhar final de semana. Esse não falha nunca.

O que importa é: no caso de filho alheio, existem vários níveis de rota de fuga. Sentimentos mal resolvidos por ex estão sempre presentes, ainda que de forma silenciosa. Não há como fugir deles e eles fazem danos constantes, diários e acumulativos à relação.

Filhos não estão sempre junto do pai ou da mãe full time, principalmente em caso de casais separados. E, nesses tempos modernos bizarros, onde se joga criança em creche/escola o dia todo, é provável que quem se relaciona com uma pessoa com filhos só os veja poucas vezes na semana, no final do dia. Além disso, quem convive com o filho alheio pega para si apenas o que quer, se for o caso, brincadeiras e lazer. A parte pesada, como limpar a bunda, convencer uma criança a jantar, tomar banho ou dormir, cabe a quem colocou a criança no mundo.

Ao contrário de sentimentos mal resolvidos pelo ex, que estarão presentes a cada segundo. Um gesto seu pode gerar comparação com seu antecessor. Uma escolha, uma fala, uma risada. Tudo estará sendo medido, comparado e, lamento informar, você sairá perdendo na maioria dos casos. A pessoa que está com você sofrerá uma luta, um dilema constante, com seu antecessor invadindo sua cabeça. A pessoa estará pensando no(a) ex boa parte do tempo que está com você, nem que seja para odiá-lo. Não sobra tempo, energia nem disponibilidade emocional para construir algo sólido e bacana com você, pois isso está sendo canalizado, ainda que involuntariamente, para outra pessoa do passado.

Em ambos os casos é uma merda, pois a atenção e energia da pessoa está voltada prioritariamente para outra pessoa que não você. Sim, é uma merda uma relação onde você não seja a prioridade da vida do outro, mas ao menos, no caso do filho, não é desleal e é totalmente aceitável que ele seja a prioridade. O que seu parceiro gasta em matéria de tempo, energia e disponibilidade emocional com um filho não é da cota da relação, assim, pode ser, eu disse PODE SER que exista uma chance de dar certo, se você tiver uma paciência de Jó, um saco infinito e um controle emocional de monge budista. Ressalto que pessoas surdas tem mais chance de sucesso nessa empreitada.

Além do que, sempre existe a chance das pessoas mais normaizinhas se enturmarem de alguma forma com crianças. Mesmo quem não é muito chegado a crianças deve gostar de crianças que representam algo especial em sua vida (como sobrinhos, por exemplo). Supõe-se que o filho de uma pessoa amada é uma extensão da pessoa amada e que, ao fazê-lo feliz, você faz a pessoa amada feliz. É, pois é, deve ter gente com esse tipo de nobreza no mundo, tenho fé que tem. No caso de sentimentos mal resolvidos, não tem como vencer, não tem como tirar nada de bom disso, não tem nem ao menos como lutar contra isso.

Filhos são um saco, mas ao menos as cartas estão na mesa: é isso aí, vai ter um serumaninho enchendo o saco do seu par pelos próximos 10, 15 anos e de brinde, contato constante com a(o) ex que ajudou a fazer este filho. A regra é clara, é pegar ou largar. No caso de sentimentos mal resolvidos, nada é claro. É um fantasma na relação, você não consegue mensurar o tamanho do problema. Fica difícil embarcar em uma viagem onde não se sabe nem o risco, nem o trajeto nem o destino.

De criança a gente se afasta, dá um perdido aqui, uma desculpa de trabalho ali. Já sentimento mal resolvido, meus queridos, não tem para onde correr…

Para dizer que diante disso o melhor mesmo é ficar solteiro, para dizer que nós dois somos intratáveis e vamos morrer encalhados ou ainda para dizer que, assim como filhos, exs também podem morrer: sally@desfavor.com

Comentários (27)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.