Por baixo dos panos.

A discussão sobre o uso da burka (traje tradicional islâmico que cobra a mulher dos pés à cabeça) em sociedades civilizadas já foi muito grande em países europeus, mas Sally e Somir imaginam como o Brasil deveria lidar com o tema. Os impopulares se expõem.

Tema de hoje: o uso de burka deve ser autorizado irrestritamente no Brasil?

SOMIR

Sim! Com certeza. Ficaram surpresos, né? Apesar de eu ser o detrator mais radical das religiões por aqui, apesar de eu achar que o mundo precisa tratar religião como uma droga que destrói vidas, mesmo assim… quer usar burka no Brasil? Use. Você não vai estar num país civilizado o suficiente para lidar com isso. E é muito com isso que estou contando neste argumento.

Vejam bem, talvez fiquemos meio iludidos com o verdadeiro estado do “politicamente correto” na sociedade ao conviver com pessoas com um pouco mais de meios e estudo. Se essa vitimização constante surte algum efeito em redes sociais e na grande mídia, as coisas são diferentes quando falamos do grosso da população tupiniquim: não há refinamento algum, sequer a capacidade de entender a fundo o que é um movimento social por igualdade e respeito ao que é diferente. Até por isso nós que pregamos o bom senso ficamos no meio de um tiroteio entre extremistas dos dois lados.

Agora, adicionemos burkas à equação: a maioria esmagadora dos brasileiros são cristãos, católicos ou evangélicos. Não existe penetração suficiente da religião islâmica por aqui para o povo sequer entender que basicamente é a mesma merda da deles, com outro profeta. O brasileiro médio deve entender muçulmano como quem explode aleatoriamente. O que esse povo vai fazer com quem aparecer vestida com uma burka? Bom, considere o que fazem com as religiões afro-brasileiras. Com a cabecinha do tamanho de uma azeitona murcha, já acham que tudo que não seja o zumbi judeu seja coisa do capeta.

E como não parece adiantar conscientizar nossos brasileiros médios a aceitar a religião alheia (se for muito diferente), não faz sentido esperar algo de muito diferente da lida com o islamismo. Até porque as igrejas evangélicas se amarram em puxar uma sardinha para os judeus. Atualmente, não existe um ambiente muito saudável para ser muçulmano no Brasil, e mesmo que seja meio escroto ter um povinho intolerante assim, na soma geral ainda é uma forma de proteção contra uma religião ainda pior que a nossa vigente.

Mulheres de burka vão ser sacaneadas abertamente na rua, o brasileiro tendo a sutileza média de uma criança para lidar com o diferente. Vão ficar apontando, fazendo piadas, e possivelmente até hostilizando. Basta um pastor falar que aquela tenda preta é coisa do diabo que suas ovelhas vão começar a dar o mesmo tratamento para os muçulmanos que dão para os do candomblé e da umbanda. E faz sentido achar que os pastores vão demonizar os muçulmanos: é a maior ameaça financeira ao negócio do cristianismo. As religiões abraâmicas são excelentes para tirar dinheiro e poder de povos abandonados pelo poder público. Quanto mais pobre e ignorante um povo, mais forte ficam cristianismo e islamismo.

Só que num mundo com um pêndulo inclinando cada vez mais para o lado conservador das coisas, os islâmicos oferecem um sistema tão mais atrasado que o atual cristão que com certeza teria algum poder aqui no Brasil se fosse suficientemente divulgado. Claro que com o tempo seria adaptado para permitir mais putaria, mas é como se chegasse outra marca concorrente no mercado deles e não pudessem brincar em serviço para não perder os clientes.

No mínimo os evangélicos tentam defender seu peixe atacando os islâmicos. E como a burka é uma bandeira muito óbvia de uma religião, acenderia os sinais de alerta deles. Por mim, que andem de burka por aí. Só vai criar mais uma camada de proteção contra o islamismo, e com certeza não precisamos de mais uma religião estúpida disputando mercado aqui no Brasil. Vão embora, estamos cheios! Não estou sendo intolerante com quem segue a religião necessariamente, mas estou sendo muito contra a máquina financeira que se estabelece junto com uma religião “pop” como essa.

E tem outra, isso aqui é Brasil. Quanto tempo até começarem a fazer assaltos e outros crimes escondidos dentro de uma burka? Esse povo não respeita nada e é muito criativo nessas horas. Não vai demorar muito até as pessoas ficarem realmente desconfiadas das tendas negras andando pelas ruas. Se em países civilizados tratam essa desconfiança como preconceito e tentam fazer o oposto, por aqui as coisas não seguem esse rumo não. Neguinho desconfiou da burka, já vai levantar aquilo na hora pra ver se não tem um homem armado por lá. Imagina a nossa polícia lidando com isso?

Eu só defendo a liberdade irrestrita de usar burka porque o Brasil não tem estrutura para lidar com ela. E como efeito colateral, tornaria ainda mais inóspito o ambiente para a chegada de uma religião perigosa para esse povo. E, em tese, estaríamos fazendo o certo: liberdade de expressão até nas roupas. Morar no Brasil é meio como ser vizinho do chefe do morro: seria muito melhor se você estivesse num lugar realmente decente, mas existe uma segurança estranha que só gente maluca e sem noção pode te dar.

E, é claro, eu adoraria ver todos os apelidos que esse povo daria. Pra falar besteira e desrespeitar, o brasileiro é um poeta.

Para me chamar de intolerante até tolerando, para dizer que chamariam as mulheres de “teta de nega”, ou mesmo para dizer que uma doença te protegendo da outra ainda te faz doente: somir@desfavor.com

SALLY

O uso de burka deve ser autorizado irrestritamente no Brasil?

Não. Uso irrestrito não. É preciso estabelecer regras, pois além da burka ser incompatível com vários aspectos culturais e até legais do país, brasileiro é uma desgraça que tira proveito de qualquer coisa para se dar bem.

Como a Burka cobre o corpo todo e o rosto, permitir seu uso irrestrito seria uma porta aberta para que qualquer pessoa possa se esconder na hora de fazer qualquer tipo de bobagem. Infelizmente não dá para abrir essa porta, todos nós seriamos prejudicados pelos malandros de plantão, que não são poucos. Você pode até dizer que quem quer cometer um crime sem ser identificado tem a opção de usar uma máscara, mas convenhamos, não vai passar despercebido como passaria com a Burka.

E não me refiro apenas a assaltos ou crimes patrimoniais onde a pessoa possa se esconder, me refiro a um sem fim de babaquices que pode ser feito, como, por exemplo, se valer da presunção feminina que a Burka gera e usar para que um homem entre no banheiro feminino e observe mulheres ou até abuse delas. Duvido que pessoas que tenham a possibilidade de andar com o corpo e rosto encobertos tenham seu melhor comportamento. De cara exposta a coisa já está difícil…

Então, a coisa sai um pouco da esfera religiosa, não se trata de concordar ou discordar com religião. Este primeiro argumento é sobre o Brasil: vivemos em um país onde não há espaço para que pessoas andem todas cobertas pelas ruas pela natureza do brasileiro e pela bosta de segurança pública que temos.

Mesmo trabalhando com a hipótese que apenas mulheres usem a Burka, me parece um tanto quanto desumano obrigar as pessoas a cobrirem tudo, até mesmo a cabeça, com uma lona quente em um país onde o verão pode passar dos 50°. Brasileira não vai sambar de biquíni em países muçulmanos, correto? Seria assustador andar no meio de gente toda coberta, sem saber quem são. Nossa cultura não vê isso com bons olhos. Quem quiser morar aqui que respeite a cultura local. Ter sua cultura é ok, porém quando a sua cultura atritar com a cultura local, quem deve ceder é o imigrante.

Aos olhos da lei brasileira, o uso de Burka fere a dignidade humana, premissa básica de todo nosso sistema legal. Certo ou errado, é a lei do país. Parto do princípio que quem escolhe viver em um determinado país está disposto a respeitar suas regras. Há um grau de subjetivismo onde todos nós podemos transitar, porém também existe um mínimo garantido pela lei. Esse mínimo tem que ser respeitado.

O argumento de ser cultural não me convence. Há culturas que matam bebês, há culturas onde estuprar uma mulher é tradição, há culturas onde deficientes físicos são abandonados para morrer ainda crianças. O fato de ser praticado por outra cultura não quer dizer que seja necessariamente aceitável no Brasil.

Além disso, permitir Burka de forma irrestrita abriria um precedente perigoso: qualquer religião poderia pleitear o uso irrestrito de qualquer vestimenta, adereço ou algo similar. Sabemos que no Brasil o que mais tem é malandro criando religião para se dar bem, ao perceber essa brecha certamente alguns espíritos sem luz tirariam proveito errado desta regra.

Percebam o perigo da palavra “irrestrito”. Sem restrições, ou seja, até foto de documento de identidade poderia ser tirada de Burka. Sério que vocês acham que no Brasil dá para bancar isso? Uma coisa é um troll tirar foto para a identidade usando um escorredor de macarrão vinculado à sua “religião”, outra coisa é ter mulheres que não podem ser identificadas nem mesmo pela sua carteira de identidade.

Já pensaram nas escolas, que beleza? O tratamento que meninas usando Burka receberiam? O brasileiro não sabe lidar com diferenças muito mais sutis do que essa, coitada da criança que tivesse que passar por isso. Além de desmaios na aula de educação física por causa do calor teríamos muita menina apanhando.

Se um indígena quiser estudar em um polo urbano, por ser indígena ele pode ir nu para a escola ou para o trabalho? Não, né? Há limites, há regras. Ninguém é obrigada ao vir para o Brasil (até porque tortura é crime), então, quem vem deve respeitar normas mínimas para não perturbar a pouca paz social que ainda nos resta.

Dentro de casa cada um faz o que quer, desde que não viole a lei e não incomode os outros. Quer usar Burka? Usa dentro de casa ou em templos específicos. Para viver em sociedade no Brasil convencionou-se que as pessoas mostram a cara na rua. Não gostou? Não more no Brasil. São mais de 200 países no mundo e sabe-se lá quantas religiões, já pensou que zona se cada morador deles que vier ao Brasil quiser praticar sua cultura e religião sem considerar se ela é ou não compatível com o lugar?

A liberdade religiosa não é irrestrita no Brasil. Nem mesmo o direito à vida é irrestrito. Liberdade religiosa sim, desde que isso não prejudique a sociedade, desde que não viole a lei e não ataque a dignidade da pessoa humana (sim, é horrível, mas o nome técnico é esse).

Burka no Brasil de forma irrestrita não dá, todos nós sairíamos prejudicados.

Para me chamar de intolerante, para dizer que meus argumentos são muito bonitinhos mas quer ver o circo pegar fogo ou ainda para dizer que gostaria que índios andassem pelados entre nós: sally@desfavor.com

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Comments (17)

  • Sinceramente, o que for religioso não pode ser irrestrito. Isso fere o estado laico e acaba criando muitos problemas. Dar permissividade a religiões faz com que elas extrapolem os limites das liberdades individuais.

  • Na prática, as mulheres muçulmanas já se cobrem completamente por aqui, mostrando apenas o rosto. O brasileiro, no caso, olha meio de lado, fica constrangido por ver a mulherada conversando em árabe com os maridos (e falando, e falando, e falando sem parar), e desiste de ficar achando qualquer coisa sobre o assunto.

    Particularmente, acho que alguém que chega numa loja como a ZARA, baixa todo o estoque disponível e compra quase tudo o que encontra sem pensar duas vezes em botar a conta no cartão de crédito do marido – que tem que bancar tudo, segundo o Islã – é tudo, menos oprimida.

    Entretanto, eu sou eu, e opinião é pessoal.

    • Mas hoje elas são obrigadas, por exemplo, a mostrar o rosto em repartições públicas, hospitais, documentos e outros. Se fosse liberado o uso irrestrito seria complicado lidar com uma Burka onipresente.

      E, de que adianta ter trocentas roupas se não pode sair com nenhuma?

  • Lembro da primeira viagem a trabalho para o Oriente Médio, em que fiquei hospedada em um resort. Algumas das mulheres locais, naturalmente, entravam na piscina não de biquínis, mas de burkinis. Outras entravam com suas burcas mesmo. No calor que fosse.

    Sejam burcas, sejam burkinis, esses trajes eram feitos de material de qualidade, pois, mesmo quando as mulheres saiam da piscina, o tecido não ficava encharcado a ponto de entregar as formas das mulheres. E vejam que o tecido do burkini era fino, quase uma microfibra. Assim como o das burkas. Longe de serem grossos como os trajes de neoprene dos surfistas.

    Dessa forma, penso que aqui o ridículo estaria nem tanto no fato da mulher estar vestida de burca por si só, mas na possibilidade dela usar um traje de baixa qualidade (nacional ou importado da China), e sair encharcada da água denunciando suas formas, justamente o que esse costume visava evitar.

    E, com isso, passar por um duplo constrangimento…

    • Tive que ir ao Google ver o que é um Burkini. Parece um pijama, mas ao menos elas ficam com o rosto descoberto. Burkini no Brasil eu acho que seria viável…

  • Como a Leona mencionou, acrescento que realmente esse monte de pano que os árabes usam é, ao menos originalmente, pra se protegerem do sol escaldante e manter a temperatura do corpo. Tem uma explicação científica pra isso… Até faria sentido utilizar no Brasil.
    O islã, tempos depois, apenas encaixou essa vestimenta nas suas regras (roupas discretas e afins).

    No Brasil já houve umas pequenas polêmicas de muçulmanas que queriam tirar documentos usando véu, no caso era só aquele véu fininho que cobre o cabelo. Mas não duvido que em breve comecem discussões maiores sobre a burca estilo ninja, visto que o islã vem dando uma crescida na América Latina.
    Minha opinião é não justamente pela segurança. E com um monte de espertinho se vestindo burca pra fazer merda, pioraria a hostilidade contra muçulmanos.

    • Até onde eu sabia, isso era utilizado pelos beduínos, onde tecidos finos eram sobrepostos para proteger do sol/calor durante o dia e do frio durante a noite. Essa lona escrota e grossa da Burka tem a mesma função? Como lá mulher é bicho, não achei que fossem investir assim no tecido que as cobre…

      • Bem, o Alcorão menciona roupas modestas (para ambos os gêneros, aliás), mas não há nada específico falando que a mulher tem que sumir dentro de um lençol grosso. Aquela burca azul do Afeganistão sempre me deixa transtornada…
        Geralmente a gente vê o mundo islâmico como uma coisa só, mas como tem muitos países e povos regidos pelo islã, naturalmente há variações nas regras de vestimenta e no formato dos trajes. Envolve fatores históricos, etnia, governo e resíduos da cultura local antes da chegada do islã.

        Mas não descarto a possibilidade de uma interpretação distorcida por razões machistas, é uma religião bem mais restritiva que o Cristianismo (já viu um LGBT se dizendo muçulmano e querendo casar numa mesquita?) e, por mais que alguns relativizadores culturais não gostem de admitir, os povos islâmicos são bem mais atrasados que vários povos que tiveram base cristã…

        • Geralmente nesses casos só se conta uma parte da História, a que escandaliza as mulheres.

          A interpretação que a maior parte do islã prega é que as mulheres tem que ser tratadas como jóias raras, pelas quais se paga bem caro (daí a ideia do dote, obrigatório por parte do homem).

          O marido trabalha para sustentar a casa, mas se ela trabalha o dinheiro que tem não é do marido – é dela (e ele tem que manter todos os costumes e caprichos, daí o “baixar a loja” que muitas muçulmanas fazem nos shoppings caríssimos mundo afora).

          Não pode ser repudiada por qualquer motivo, tem que ser tratada como rainha, mimada o tempo todo… ela é quem comanda as famílias, não o “burro de carga” do marido. Isso é “opressão”?

  • O argumento do Somir até parece meio tentador de se concordar à primeira vista. Mas a seleção natural demora para agir, e em um país como o nosso, dar-se ao luxo de levar tanto tempo para querer ver a intolerância local fazer seu trabalho de livrar-nos das burkas vai proporcionar toda sorte de problemas. Problemas, inclusive, como esses relatados pela Sally. No Brasil daria muita merda: o brasileiroide não saberá lidar com essas diferenças, mas saberá tirar proveito delas. Vai virar disfarce para bandido, e vai ser perfeito para carregar drogas e armas escondidas também.

    • Para isso o brasileiro é muito criativo: surgiriam mil e uma utilidades da Burka para o mal ou proveito próprio. Coisas que nem conseguimos imaginar.

  • Lógico que não. Me desculpem, mas a cara tem que mostrar sim. Exatamente porque a gente não sabe quem está ali embaixo. Ninguém está pedindo para andarem de short-calcinha. Usem uma blusa de mangas compridas e um lenço na cabeça.

    Mas, Sally, lá no oriente médio também faz 50 graus, então eles já devem estar acostumados. E tem religiões evangélicas que as mulheres usam uns vestidos longos, não pode usar calça. Sim, eu sei que não é a mesma coisa, afinal, elas estão mostrando a cara, mas o argumento é o mesmo, né. Elas fazem pela religião, para não mostrar o corpo pois é indecente. Então eu não vejo como eles poderiam criticar os muçulmanos por estarem fazendo o mesmo.
    Somir, confessa aí que você está aprovando a burka para não ter que olhar para gente feia.

    Eu acho que se o islamismo quiser realmente chegar no Brasil a porta de entrada são os presídios.

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