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O existir e a depressão.

O existir e a depressão.

| Desfavor | | 6 comentários em O existir e a depressão.

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O existir e a depressão.

Certo dia minha irmã me emprestou um livro chamado “Quando Nietzsche Chorou”, escrito pelo psicoterapeuta Irvin D. Yalom. No livro, o filósofo recebe tratamento do Dr. Josef Breuer, renomado médico austríaco criador dos fundamentos da psicanálise. Utilizando personagens reais em sua obra de ficção, Yalom narra o árduo processo de uma desilusão amorosa e o constante sentimento de ser incompreendido que atormentavam Nietzsche. Diante de diálogos inteligentes e lapsos criativos que impulsionam complexos debates filosóficos, ao longo da obra ambos os personagens vão demonstrando suas fraquezas e o quanto são impotentes diante de suas próprias existências.

O fato de existir tem intrigado filósofos ao longo da história, não por acaso René Descartes diz “Penso, logo existo” em seu Discurso do Método, publicado em 1637. A tradução, que também pode ser interpretada como “Penso, logo sou”, revela um dos princípios do pensamento cartesiano que é encontrar a verdade e estabelecer o conhecimento em bases sólidas. Para atingir esse objetivo, é necessário descartar todas as coisas que levantem o menor sinal de dúvida. Duvidar da própria existência, dos próprios sentidos, da realidade que nos rodeia. Todas as coisas podem ser apenas ilusões que nos confundem e a única maneira de escapar da dúvida é a busca pela verdade. A verdade cartesiana nesse sentido é implacável, pois ela é a procura pela verdade absoluta. Dessa forma, Descartes abriu portas para o início do método científico e da filosofia moderna.

Nietzsche era contra o método cartesiano e isso o levou a colocar o Homem como um ser primitivo cuja realidade é o mundo em que vive. Em “Assim falou Zaratustra”, livro dificílimo que li logo na sequência por ter ficado intrigado pelo pensamento Nietzschiano narrado por Yalom, o filósofo alemão inverte a metafísica e os dogmas religiosos. Defendendo um posicionamento da inexistência da alma, do espírito ou de qualquer divindade, fica a cargo do Homem definir seus próprios valores, suas próprias vontades e o seu desenvolvimento potencial ao máximo, tornando-se assim um “Super-Homem”.

Acredito que foi exatamente a palavra “Super-Homem” que me levou a reler algumas das centenas de histórias em quadrinhos da minha coleção e para minha surpresa foi ali, na arte até então menosprezada pela alta cultura, que encontrei elementos de como enfrentar a própria existência é o maior fator depressivo da sociedade moderna. Lendo Superman entendi melhor a filosofia Nietzschiana de um ser que extrapola os limites da humanidade e que tenta a todo custo superar suas próprias limitações. Porém, apesar de toda sua força, de todos os seus poderes, Superman é um ser solitário por ser um estrangeiro, um incompreendido, um ser que não se enquadra em nenhuma sociedade da Terra.

Superman em sua essência é reflexo gráfico de Nietzsche que, apesar de sua percepção do ser superior, era frágil e tinha muitos problemas de saúde. Ao morrer de sífilis, deixou como legado a ideologia de que apenas o mais forte sobrevive e que a morte dos fracos é uma necessidade para a evolução da espécie. Esse pensamento, desencontrado de seu todo, foi uma das máximas utilizadas por Hitler na criação do terceiro Reich. Dentre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha passava um período conturbado. Pessoas passavam fome e a economia ia de mal a pior. Nesse cenário, Hitler tentou um golpe de estado e foi preso. Na prisão, ditou o livro que ficaria mais conhecido com Mein Kampf, cujo discurso antissemita era fortemente inspirado por ideais similares aos defendidos nas obras de Nietzsche. Até que se prove o contrário, tudo não passou de uma interpretação radical.

De qualquer forma, a Segunda Guerra Mundial causou a morte de milhares de pessoas e colocou a humanidade em risco de extinção. A Guerra Fria que veio na sequência amargou ainda mais os anseios da humanidade, a ponto de ter um relógio simbólico representando a aproximação do apocalipse. Foi nessa época que o Homem, ao sair da Terra tal qual Superman, notou de uma vez por todas o quão insignificante é sua própria existência. Se por um lado estávamos guerreando pela liderança mundial, por outro estávamos no meio de um universo infinito que fazia da humanidade nada tão especial assim.

O fato de encararmos o abismo que é o infinito tornou o niilismo cada vez mais presente em nosso cotidiano, colocando em xeque a razão da existência humana. Mesmo com o fim da Guerra Fria, a globalização entre os países, o avanço dos meios de comunicação e o crescimento populacional do mundo, a melancolia e o vazio existencial caminharam a passos largos. O sentimento de solidão, mesmo que no meio da multidão das metrópoles e das mais diversas formas de comunicação, faz com que a existência do Homem se torne um fardo.

Nietzsche, tão influenciado pelo pessimismo de Schopenhauer, previu a maior mazela de um mundo que grita pelo fim dos limites e pela libertação dos oprimidos. Os grilhões da existência estão se arrebentando, as pessoas se tornaram individualistas a ponto de criarem gêneros e subgêneros da própria espécie. Superman, que já era introspectivo nos quadrinhos, esteve presente em filmes que o transformaram em sua maior fraqueza: ser mais humano que os humanos.

Se estivessem vivos hoje, tanto Nietzsche quanto Descartes se sentiriam inseguros diante da quantidade de exigências que são bombardeadas a cada segundo atualmente. Creio que abismado, Descartes diria: “Se não pensamos, deixamos de existir”. Já o alemão, mais soturno, complementaria a frase: “Matar a Deus não foi o suficiente, precisamos nos matar”.

Tender.

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