Consideremos que você tenha um evento familiar e queira levar um amigo. Seu amigo calha de ser gay e sua família tem preconceito contra gays. Sally e Somir discordam sobre o rumo das ações depois disso. Os impopulares tiram suas opiniões do armário.

Tema de hoje: você levaria um amigo gay para sua casa, sabendo que sua família é preconceituosa?

SOMIR

Sim. Não necessariamente para brigar com eles, mas para seguir uma lógica simples sobre as pessoas: a via do menor esforço normalmente é a preferida. Dada a opção de gastar energia numa briga e aceitar silenciosamente um pequeno desaforo, a maioria das pessoas tende à segunda. O que pode ser muito explorável para vencer algo como o preconceito.

Entendo que ninguém é obrigado a tolerar quem não gosta em casa, mas não há diferença nenhuma entre levar um amigo hetero e um gay nesse departamento. Se a personalidade da pessoa for repulsiva, completamente compreensível que sua família não goste dela, e aí é criancice mesmo ficar forçando a convivência. Mas antes da pessoa ter qualquer chance de ser rejeitada pela forma como se porta? Se você nunca deu direito da sua família brigar com um amigo seu antes de conhecê-lo, afinal, levava amigos para conhecê-los antes, não é nessa situação que as coisas vão mudar, não?

Não crie brigas na sua cabeça se elas não foram absolutamente necessárias. Pessoas tendem a ter preconceito contra gays por acharem que são inerentemente diferentes das outras pessoas. Não é nem um argumento sobre o ser humano ser naturalmente bom, porque definitivamente não é, e sim sobre algo testado e comprovado ao longo da nossa história: quando as pessoas perdem o medo do desconhecido, costumam ser bem mais agradáveis.

Se você criar todo um clima de agressividade presumida nas atitudes que toma, pode ter certeza que esse clima acaba se manifestando de uma forma ou de outra. O seu comportamento muda, e isso influencia não só sua família como seu amigo. Seja você mesmo o agente da mudança. Ao lidar com a situação com naturalidade, lembrando que não está fazendo nada além de levar um amigo para conhecer sua família como já fez tantas outras vezes, o espaço para a briga fica muito reduzido.

Alguém vai ter que gerar a animosidade, e não vai ser você. E mantenho: na dúvida, as pessoas tomam o caminho do menor esforço. A não ser que esse seu amigo seja ofensivamente afrescalhado, nem é para chamar atenção. E se for, bom, esse é o tipo de pessoa com a qual você quer conviver, pode apostar que sua família já está acostumada ou no mínimo conformada com seu gosto para amizades. As pessoas tem padrões. Seus amigos heteros devem ser bem expansivos e chamativos também caso você tenha escolhido alguém que dê tanta bandeira assim.

Mas, em situações normais de temperatura e pressão, seu gosto para amizades vai se manter estável e o fato dele ser gay nem vai fazer muita diferença. Sim, tem gente chata nesse mundo que escolhe um pedaço pequeno da sua composição e fala sem parar disso, mas na média a personalidade geral de uma pessoa é imensamente maior que suas preferências sexuais.

Não é discurso sobre gays serem iguais heteros para o bem ou para o mal, porque se você precisa de convencimento disso nem teria conseguido entender o que eu escrevi até agora, mas uma noção bem prática que na maioria dos casos, você só sabe mesmo que uma pessoa é gay quando o tema de sua preferência sexual vem à tona explicitamente na conversa. E eu gosto de imaginar que esse não é o único assunto que as pessoas gostam de conversar…

Pode nem fazer diferença. Talvez sua família preconceituosa (e convenhamos, por pura probabilidade ela é) no máximo se ache muito esperta por desconfiar que cidadão é gay. Sem ninguém confirmar ou negar nada. Quando você faz disso um drama, o drama aparece. Dá para usar a tendência natural das pessoas não entrarem nesse tipo de tema para eliminar o clima complicado que normalmente se imagina aqui.

Pode não ser ideal, mas a maior parte da aceitação dos gays na sociedade não veio de protestos e paradas, e sim do simples fato de alguém conviver com um e perceber que é só mais uma pessoa. Que pode ser uma mala sem alça, pode ser muito bacana, pode ser qualquer coisa, mas não muda nada na essência do que é um ser humano. A cura para o preconceito é o conhecimento.

Se a família agir de uma forma muito escrota, está saindo da média. A tendência é que caso você não tenha certeza absoluta que vão perseguir seu amigo com tochas, a coisa seja bem mais tranquila. Tem gente que vai ser babaca? Vai. Mas seriam babacas com qualquer amigo seu que saísse da sua visão limitada das coisas. Não é tão diferente assim, no final das contas.

Se você não teria problemas de levar um Alicate para sua casa, não deve ter problemas para levar um amigo gay também. Problemas entre seres humanos sempre vão acontecer. Cabe às pessoas com um pouco mais de cérebro facilitarem o processo de aceitação e convivência. No final das contas, é só questão de costume. E ficar fugindo disso é desperdício de tempo. Não dar trela para o mimimi alheio é um excelente começo.

Para dizer que levar o Alicate em casa invalida tudo o que eu disse, para dizer que sua família perseguiria com tochas, ou mesmo para dizer que preconceito contra gays é uma viadagem: somir@desfavor.com

SALLY

Você levaria um amigo(a) gay em um evento da sua família, ciente de que sua família é preconceituosa com homossexuais?

Importante deixar claro que, na situação hipotética, é uma família preconceituosa, porém com um mínimo de educação. Não hostilizariam seu amigo de forma alguma. Mas se incomodariam, julgariam e falariam mal dele pelas costas.

Eu sinceramente não levaria. Por mais que a família seja educada, eu sei que eles estariam julgando e reprovando meu amigo e isso me basta para querer poupá-lo dessa situação. Não colocaria jamais alguém que eu gosto em uma situação de reprovação social, ainda que silenciosa, pois não gostaria que fizessem isso comigo.

Um exemplo bizarro, meramente ilustrativo: se a família de algum amigo meu, por qualquer motivo, detestasse argentinos, eu não gostaria de frequentar a casa dele. Não gosto de frequentar lugares onde não sou querida, aceita ou desejada. É mera questão de autoestima.

Quando você sabe que não é bem quisto em um lugar, ou que os donos daquela casa reprovam o que você é, provavelmente você não vai querer se colocar nesse ambiente. Porém, no exemplo de hoje, o amigo está no escuro, desnecessário dizer “olha, meu pais não suportam homossexuais, acham que é doença, que é coisa de degenerado”. O mais correto, a meu ver, para poupá-lo, é não comentar nada e fazer o que estiver ao seu alcance para não colocá-lo ao alcance de pessoas que o tratem como um doente.

Não é sobre coragem para peitar a sua família. Não é sobre fazer valer a sua vontade. Não é sobre você. Meu pensamento aqui está voltado para o meu amigo: o que o fará sofrer menos, o que será melhor para ele, o que será mais agradável para ele.

Não vou expô-lo a pessoas que pensam coisas negativas infundadas a seu respeito. Não vou expô-lo a ser motivo de chacota, fofoca ou críticas pelas costas. Não vou expô-lo, pois tenho certeza que se ele soubesse as circunstâncias reais, o que aquelas pessoas pensam dele, ele próprio não gostaria de estar ali. Sim, eu tenho essa mania de andar com gente cuja autoestima é inteira.

Não tem dessa de levar o amigo para “provar” ou “mostrar” que gays podem ser ótimas pessoas. Meus amigos não são cobaias muito menos experimentos sociais. Estaria criando uma situação de violência para todos os envolvidos, onde eu apenas assistiria o circo pegando fogo.

Sim, seria uma violência contra meus pais também. Supondo que eles pensassem assim, por mais que eu discorde, caberia a mim respeitar. A casa é deles, não minha, logo, quem dita a regra são eles. Se não gostam de franceses, se não gostam de grávidas, se não gostam de ovelhas, pouco importa o quanto eu concorde com isso ou não, não é forçando a presença de quem eles não gostam que vou fazer algum bem. Se leva luz às pessoas através de conversa, de diálogo, de informação, não à força.

Esse papo de “eu não respeito homofóbico”… tô fora disso. Eu não concordo com homofóbico, mas respeitar? Olha, eu juro, eu me esforço para respeitar todo mundo. As pessoas tem graus diferentes de consciência, se a pessoa não consegue entender que não é o buraco no qual se enfia na hora do sexo que vai determinar o caráter de alguém, me resta lamentar e torcer muito por ela, para que, quem sabe em breve, ela consiga ver a coisa por outro ângulo.

Quem sou eu para dar “uma lição” nessa pessoa e obrigá-la a ver a realidade da forma como eu vejo? Cada um tem seu tempo de compreensão e evolução, mexer nisso é cometer uma violência contra a pessoa.

Se são seus pais e se você gosta deles (caso contrário, por qual motivo frequentaria a casa deles, ainda mais levando um amigo?) tenha compaixão e respeite o tempo de aprendizado deles. Você tem suas falhas também, você precisa evoluir também. Querer impor à força seu ponto de vista, suas escolhas de amizade, sua filosofia de vida te faz tão involuído quando um homofóbico. Não seja essa pessoa.

Na sua casa você leva quem você quiser, você faz o que você quiser. Na casa dos outros, as regras que valem são as dos donos da casa. Subverter isso porque você não concorda com as regras dos donos da casa te faz um baita arrogante. É como quando alguém vem aqui fazer ou falar coisas incompatíveis com o que projetamos para este blog: é porta da rua, sem conversa.

Então, por respeito a todos os envolvidos, não vou causar uma afronta dupla e correr o risco de magoar minha família ou meu amigo. Entendo que são pessoas incompatíveis e, como tal, vou mantê-las afastadas. Muito mimado expor todo mundo a uma situação horrível só para fazer as coisas do jeito que eu quero. Verei meu amigo em um ambiente e minha família em outro, a paz e respeito são prioridade.

Para dizer que quer mais é ver o circo pegar fogo, para dizer que não se importa com sua família ou para dizer que não se importa com seus amigos: sally@desfavor.com

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Comments (4)

  • Eu levaria numa boa. Descobri do jeito mais difícil que meus pais são tolerantes e respeitam gays, ateus, etc, desde que tal gay e ateu não seja filho deles. Eu sou agnóstico e larguei a igreja (católica) faz uns 9 anos, mas tive que ouvir muita merda por uns 3-4 anos na época que larguei, e de vez em quando ainda tenho que ouvir merda do meu pai. Minha mãe é mais de boa pelos motivos errados. Ela fala que se eu não voltar pra igreja pelo amor, eventualmente vou voltar pela dor então ela nem fica tentando me “converter” de novo. Ela ainda não percebeu que a vida estar cheia de injustiças e brutalidades é um dos motivos pelos quais larguei a igreja. Não é tendo uma vida fudida que vai me fazer voltar.

  • Só se der pinta que não pode levar. Eu por ex sou gay e minha família nunca soube. Ainda acham que pra ser lgbt precisa ter layout afeminado ou caminhoneira. Tem umas amigas lésbicas que vão na minha casa, meus parentes juram que são minhas peguetes.

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