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Idioma universal.

Idioma universal.

| Desfavor | | 10 comentários em Idioma universal.

Nosso mundo é cada vez mais conectado, relações e negócios em geral são firmados independentemente de fronteiras, mas algo ainda provém uma divisão clara entre povos: sua língua. Sally e Somir discordam sobre uma solução possível para o problema.

Tema de hoje: a imposição de uma língua única seria benéfica para o mundo?

SOMIR

Com certeza. Tanto que já fizemos algo parecido e vimos excelentes resultados. Na prática, a língua única já existe, e é o inglês: não importa de onde você venha, atualmente a língua mais valiosa para formar relações globais é a inglesa. Mesmo que não seja oficialmente a mais falada no mundo, é a que sabemos que funciona de uma forma ou de outra em praticamente todos os lugares nos quais queremos nos comunicar.

Podemos argumentar sobre a justiça de acabarmos com essa língua como a mais valiosa para relações internacionais, afinal, foi um misto de poderio militar e econômico projetado pela Inglaterra e a seguir pelos Estados Unidos que estabeleceram essa realidade. Os dois últimos grandes impérios da nossa história calharam de falar a mesma língua, e talvez nem seja tanta coincidência assim: depois do império britânico, onde o sol nunca se punha, iniciou-se a era de hegemonia americana. Já falar a língua imposta pelos mais poderosos nos séculos anteriores criou uma facilidade muito maior de projeção de “soft power” ianque. O terreno já estava preparado.

Não quer dizer que a língua inglesa seja melhor que as outras ou tenha vencido alguma votação para chegar onde está, mas no final das contas, é a língua que acabou ganhando o status de mundial. Hoje em dia, na dúvida, presuma que a segunda língua de qualquer pessoa seja essa. Sinta você alguma rejeição à cultura da anglosfera ou não, a universalização dessa língua teve ótimos resultados no processo de globalização. Pelo menos em alguma coisa dá para se basear na hora de se comunicar com outros povos: alguém vai saber falar inglês. Na hora de fazer contatos e fechar negócios, essa segurança é essencial para que nos mantenhamos abertos para interagir com o resto do mundo.

Então, quando digo que enxergo vantagens na oficialização de uma língua universal para a humanidade, uso o exemplo prático do inglês para sustentar o argumento. Não só das benesses de conseguir se comunicar e consumir conteúdo feito por pessoas dos mais diferentes países como também pela segurança de não perder identidades culturais regionais mesmo falando essa língua. Por mais que seja popular criticar a hegemonia cultural americana e sua influência ao redor do mundo, não é como se tivéssemos perdido a pluralidade cultural do mundo.

Continue sendo o que é, continue tendo seus gostos e hábitos, mas não faz mal que possamos nos comunicar onde quer que estivermos. Falar a mesma língua une povos naturalmente. A simples capacidade de se entender reduz imensamente as tensões, fazendo com que nos sintamos mais seguros para confiar uns nos outros. Toda conversa que precisa de tradutores fica mais tensa, afinal, faz parte do nosso conceito de sociedade ouvir e falar com o outro, e intermediários tornam o processo artificial.

O estabelecimento de uma língua global seria tenso, com certeza. Mas evidentemente não seria feito de uma forma tão desastrada como proibir todas as outras línguas: basta padronizar a segunda língua ensinada ao redor do mundo. Salvo locais extremamente pobres e isolados, já faz parte da mentalidade das pessoas a necessidade de ter um segundo idioma. Seria apenas um processo de ensino bilingue global, assim como se ensina matemática em todas as escolas do mundo, ensinar-se-ia também a língua global. É o que já fazemos com o inglês em diversos locais. E as crianças que aprendem inglês saem do sistema educacional com grandes vantagens sobre as outras: tem acesso a uma quantidade de materiais didáticos muito maior, e a vantagem de entender boa parte do conteúdo disponível na internet.

É um processo focado em futuras gerações, não nas atuais. E quando pensamos na língua inglesa, é algo que já está acontecendo organicamente. A cada geração, o número de pessoas capazes de se comunicar nesse idioma só aumenta. O que eu proponho aqui é oficializar esse processo e deixar claro que daqui a algumas décadas, pararemos de ensinar outras línguas. Assim, filhos poderão conversar facilmente com os pais, mas os bisavôs e bisavós provavelmente precisarão de tradutores. É um preço que a humanidade pode pagar. Até porque várias das línguas atuais em uso no mundo não são muito boas para lidar com o mundo moderno: boa parte das palavras mais modernas tem raízes no inglês: seu bisavô, se estiver vivo, não tem subsídios para entender algo como “deletar”.

É natural que a língua vá se modificando com o passar das gerações, então não seria um passo tão grande assim mudar de língua. Crianças são esponjas de conhecimento, se forem ensinadas cedo a falar duas línguas, não terão dificuldades. As pessoas que já vivem nesse mundo dividido por línguas terão mais dificuldade, mas nenhuma grande mudança de paradigma social é fácil. Eu ficaria chateado em perder o grau de articulação que já conquistei em português, mas se o que receber em troca for a oportunidade de me comunicar com o resto do mundo todo, vale o esforço para dominar a língua mundial.

O segredo é não inventar um novo Esperanto e querer fazer com que todos sofram por igual ao aprender uma nova língua. O inglês está aí, bilhões de pessoas falam ou entendem rudimentarmente. Basta oficializar o que já estamos fazendo, e aproveitar a gigantesca base de usuários da língua para facilitar o processo para quem não entende nada. Não precisa botar na cadeia quem se recusar a falar, é só esperar que aceitem a mudança por pressão social ou mesmo que morram com suas línguas preferidas. Com esse processo dividido por gerações, ninguém vai se ver subitamente incapaz de se comunicar, só vamos mudar os planos futuros.

Em menos de 50 anos seríamos capazes de alcançar toda a população humana com acesso à educação básica. É impossível forçar que todo mundo fale a mesma língua, mas isso não muda o fato que a língua do local é outra. No Brasil tem gente que não fala português mesmo tendo nascido aqui, seja em comunidades de imigrantes alemães no Sul ou tribos isoladas na Amazônia… e isso não muda o fato que a língua falada aqui é o português. E que se alguma dessas pessoas quiser fazer negócios ou acompanhar as notícias locais, vai precisar falar a língua da maioria ou aceitar o que está perdendo.

Com a língua mundial seria a mesma coisa. Sem apontar armas para ninguém, mas deixando claro que ninguém é obrigado a entender quem não sabe ou se recusa a aprender. Demoraria mais algumas gerações, mas até mesmo essas pessoas acabariam aceitando.

E se não concordar comigo, tough luck, kid. It’s already happening, and there’s no going back. Your choice.

Para dizer que eu mudaria de ideia se fosse chinês, para dizer que vai se decepcionar se começar a entender todo mundo, ou mesmo para me mandar to the whore who birted (hue): somir@desfavor.com

SALLY

Seria benéfico para a humanidade a imposição de um idioma único?

Se fossemos pessoas civilizadas sim. Como não somos… não.

O ser humano é muito apegado a tudo que julga ser “seu”. Seu país, seu jeitinho de ser, seu idioma. Não importa o que seja, se é “seu” é especial e merece ser louvado, protegido e exaltado. Dá até preguiça de pensar a respeito.

O ser humano não tem a menor noção da sua insignificância, pois ao flertar com a ideia já sente um mal-estar absurdo, foge, procura negar ou se distrair. Para que se dê um processo onde oito bilhões de pessoas pactuem abrir mão de seu idioma materno em nome de uma melhor comunicação universal, deveríamos ter uma outra mentalidade, focada no todo, na coletividade. Não temos, somos símios individualistas.

Não há consciência suficiente para que todos façam um esforço em nome da coletividade. E quando não há consciência, a transformação só é possível pela força, o que, me parece, não vale a pena por tão pouco. Imaginem o trabalho que daria, a repressão que seria necessária para conter “dissidentes” que insistissem em continuar falando sua língua natal… não dá. Não dá para forçar senso de coletividade em quem não tem. Não dá para forçar nem fiscalizar que todas as pessoas do mundo aprendam e falem o mesmo idioma.

Não dá para colocar a carroça na frente dos bois só por ser o melhor para a humanidade. Pode ser o melhor em tese, mas, se não estivermos preparados, esse “melhor” vai dar merda.

Então, por melhor que seja a ideia de uma linguagem universal (em tese, é uma ótima ideia) simplesmente não estamos prontos, não há consciência, não há evolução, não há preparo para implementar algo assim, em larga escala, de forma pacífica e eficiente.

E, sinceramente, se for para brigar, obrigar, se for para ser mais um motivo para brigas e separação, melhor não. A barreira do idioma já não é tão pesada como era décadas atrás. Aplicativos, aparelhos e instrumentos de tradução instantânea não faltam. Ninguém deixa de ler nada hoje por desconhecer o idioma em que o texto foi escrito. Que se continue amarrando cachorro com linguiça e cada um falando o seu idioma super especial que não pode ser substituído por outro, paciência.

Não há forma de fiscalizar em qual idioma cada pessoa do mundo está falando e muito menos obrigá-la a aprender e falar outro idioma. Estamos falando do ser humano, criatura que cria comunidade Amish e vai viver no meio do mato sem luz, ok? É inviável impor à força algo tão significativo.

Sem contar a infinidade de revoltadinhos-resistência que se insurgiriam contra essa “violação à soberania” e outros rótulos que seriam colados nessa iniciativa. Gente que precisa sempre de uma briga, de uma causa, para se distrair e não olhar para a própria vida, teriam um prato cheio para pregar mais separação, mais antagonismo, mais polaridade. Deixa como tá, que já temos dualidade de sobra.

Quando uma população (de qualquer animal) chega ao assustador número de 8 bilhões de membros, fica praticamente inviável uma decisão coletiva envolvendo a todos. A única forma é a subdivisão em grupos menores (no nosso caso, países) e que estes grupos criem suas regras.

Salvo em caso de uma catástrofe que reduza absurdamente a vida humana no planeta ou do ganho relâmpago de consciência dos oito bilhões que ainda estão aqui, não é viável nem essa iniciativa nem nenhuma que exija concordância e sacrifício por parte de todos.

O ser humano não consegue chegar a um consenso sobre questões muito mais básicas, que sequer implicam em um esforço ou renúncia, imagina se vai aderir de boa a um idioma universal? Tentaram com o esperanto e foi um retumbante fracasso. Tão com vontade de passar vergonha novamente?

As coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. Atualmente o ser humano mata outro ser humano por ele ter um Deus diferente do seu, sem que o outro sequer o obrigue a gostar ou cultuar esse Deus. Tem certeza que dá para trabalhar com esse material?

As coisas acontecerão no seu tempo. Por hora, vivemos em um planeta onde metade das pessoas não tem sequer uma latrina para cagar, onde boa parte delas passa fome, onde se morre de forma precoce por falta de infraestrutura mínima. Tem certeza que cabe exigir que essas pessoas abram mão da única ferramenta de comunicação que tem e sejam obrigadas, sem recurso algum, a aprender um novo idioma?

Por mais legal que seja, um novo idioma é preciosismo. E só se pensa em preciosismo quando o básico está assegurado. Só levanto essa bandeira quando todo o planeta tiver condições dignas de existência.

Para dizer que a internet ficaria insuportável, para dizer que toparia se o idioma universal fosse o português ou ainda para dizer que idioma universal já existe e se chama “inglês”: sally@desfavor.com

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