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Caindo a máscara.

Caindo a máscara.

| Desfavor | | 22 comentários em Caindo a máscara.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse nesta quarta-feira (1º) que parte das compras que seriam feitas pelo Brasil de equipamentos de proteção individual para uso na rede de saúde devido ao novo coronavírus “caiu” após os Estados Unidos adquirir um grande volume de produtos da China. LINK


Bolsonaro estava seguindo os passos de Trump, mas na hora do aperto, o americano tem condições de bancar a aposta errada. O brasileiro não. Desfavor da semana.

SALLY

O sonho do Brasil sempre foi ser os EUA. O sonho do brasileiro sempre foi ser americano. E, quem diria, veio um evento para ensinar, da forma mais dolorosa possível, que desejar ser o outro, se espelhar no outro, se portar como o outro é a maior furada. Você nunca vai ser o outro. Você pode ser melhor, você pode ser pior, mas se tem uma coisa que você não pode ser, é o outro.

Desde o começo da crise, o Bolsonaro vem emulando o comportamento do Trump. Aliás, desde o começo de seu mandato o Bolsonaro vem emulando o comportamento do Trump, como o Somir explicou muito bem em um texto recente. Acontece que dessa vez, Trump estava errado. Apostou todas as fichas e perdeu, por uma série de motivos que vão desde burrice até teimosia, os EUA se viram mergulhados em um caos como há muitas décadas não ocorria.

A diferença é: eles têm competência, agilidade e recursos para reverter qualquer merda que lhes aconteça da forma mais rápida possível. Não vai evitar a morte de muita gente, mas certamente vai minimizar significativamente uma tragédia que poderia ter sido muito maior.

Já o Brasil… o Brasil cometeu os mesmos erros dos EUA, com a diferença de não ter nem competência, nem agilidade, nem recursos para limpar a bunda que sujou. Isso ensina uma valorosa lição: se você quer ser tão bem sucedido quanto outro país, não adianta implementar o modelo dele. Se você não pode bancar, uma hora tudo vai desabar. Não é o modelo que assegura o sucesso de um país, é a capacidade de executar esse modelo.

O fato é que o Brasil parece aquele idiota que é pobre mas finge que é rico por vergonha e vai jantar com amigos ricos em um restaurante caro para se enturmar. Quando a conta chega, todo mundo paga de boa, talvez até com algum esforço, mas o idiota que estava fingindo ser o que não é faz um rombo no cheque especial que desgraça sua vida. Se emburaca todo para sentar ao lado de amigo rico e viver essa ilusão por algumas horas.

Deu ruim. Deu muito ruim. Os EUA reagiram. Trump atravessou na frente de todo mundo, até de países europeus (e do Brasil inclusive) para comprar todo o suprimento de equipamentos de proteção contra Coronavírus que a China estava vendendo. Mesmo aqueles que já estavam vendidos para outros países. Foi lá, ofereceu mais e levou. Os EUA, por mais criticáveis que seja, tem o que é necessário para providenciar socorro para seu cidadão, se tudo mais der errado.

O Brasil? Bem, parece ter dado tela azul na cabeça do Bolsonaro. Um misto de negação e riso de nervoso de desespero fazem surgir aberrações que deixariam constrangido qualquer ditador obtuso de republiqueta da América Central. O máximo que ele conseguiu foram uns testes que tem percentual de erro de 75%, criando falsos negativos que induzem ainda mais a erro um país que já está tateando no escuro faz meses.

A palhaçada é tanta, que se perdeu qualquer cuidado em mentir com um mínimo de credibilidade. Divulgaram um comunicado dizendo que o primeiro caso de Coronavírus no Brasil foi em janeiro e, diante da enxurrada de críticas por não terem se preparado, adquirido equipamentos, alertado a população, suspendido o carnaval etc, no dia seguinte emitiram uma nota dizendo que não era bem assim, que foi um erro de digitação, que na verdade chegou ao final de fevereiro. Chega a ser ofensivo.

Em um princípio de desespero, ao ver centenas de profissionais da saúde contaminados e afastados do front, estão convocando profissionais de outras áreas para atuar no SUS cuidando dos contaminados. Uma lista bizarra de 12 profissões que não tem a menor capacidade de cuidar de doentes, como veterinários e profissionais de Educação Física, sejam da área pública ou privada, podem ser compelidos a trabalhar em hospitais. O Governo não se preparou, os hospitais estão sem equipamentos de proteção e veterinário vai ter que ir arriscar a vida no SUS? Vão pro inferno.

O que começa a acontecer (e vai se intensificar nas próximas semanas) é que o Brasil chegou em um ponto onde não tem mais qualquer condição de ser macaco de imitação dos EUA. Os países tomaram caminhos diferentes, pois o Brasil não teve fôlego para acompanhar seu ídolo. E quando seu projeto é ser o outro e o outro não é mais uma opção, fica um vazio que tem que ser preenchido com o que você realmente é. E, senhoras e senhores, a partir do dia 20 de abril todos nós teremos a oportunidade de ver o que o Brasil realmente é.

E se você não sabe quem você realmente é, pior ainda. Não sabe quais são seus pontos fortes para jogar, não sabe quais são seus pontos fracos para tomar cuidado. É como tentar sair de um labirinto no escuro. Será que o Brasil sabe quem é depois de séculos sem uma reflexão, sem olhar pro próprio umbigo, aderindo sem pudor a estereótipos, a cópias de modelos de outros países, a surfar na onda da vez?

Francamente, isso vai muito além de partido. Não quero nem imaginar o que seria uma pandemia com a Dilma na presidência. Não foi Bolsonaro quem quebrou o SUS. Esse filho feio é de todos os pais que já sentaram na cadeira de Presidente da República e do Congresso. Em qualquer tempo que essa pandemia tivesse chegado, teria feito sérios estragos. A única diferença com o Bolsonaro é o grau de humilhação. Nunca um presidente do Brasil teve essa fama internacional de debilóide.

Fica a lição macro, mas que também pode ser aplicada à vida de todos nós: emular um projeto do outro nunca dá certo, por sinal, acredito que esse seja o motivo do fracasso da maior parte dos casamentos, o homem adere a um projeto de vida da mulher. Não pode. Ou constroem juntos, ou vai ruir. Mas aí entra a preguiça de construir um projeto de vida, de se conhecer para saber o que é, o que quer, o que deseja. Dá trabalho, mas vale a pena.

Seja você. Tenha consciência do seu potencial, dos seus pontos fortes e fracos. Melhore os pontos fracos. Trace estratégias levando em conta o seu perfil, onde possa explorar melhor seus pontos fortes. Seja sempre precavido, aprenda a antever o que pode vir, aprenda com o erro dos outros para, assim, quem sabe, não precisar errar. Saiba quem é, assim você saberá o que te faz bem, o que te faz mal, o que você quer, o que você não quer. Quem não sabe que procura, não vai reconhecê-lo quando o encontrar.

O Brasil teve a oportunidade de ver o que estava acontecendo com a China, com a Itália e com outros países. Em vez de observar o que deu errado, em vez de se observar para perceber seus pontos fracos e corrigi-los, optou por fazer o que os EUA faziam, sem ter como bancar essa escolha. Essa conta está chegando e vai ser muito cara de pagar. Espero que vocês não me decepcionem e tenham a resiliência, a perseverança e a lucidez de fazer o que precisa ser feito. Fiquem em casa.

Quem se contaminar agora, provavelmente vai manifestar sintomas no pico, no auge da doença no Brasil, quando não existirão mais leitos de hospital nem públicos, nem privados. Faça o que for preciso, mas fique em casa. Se possível, tentando entender que isso não é um castigo ou um apocalipse, e sim um expurgo para que algo novo e melhor aconteça. Esse ponto de vista te tira do medo, do ódio, da revolta.

Quando entra um organismo nocivo no nosso corpo, temos uma forte diarreia para tentar expeli-lo. Ele não pertence ao nosso corpo, ele está causando danos ali. Pois bem, encarem essa crise como uma forma macro disso. Um expurgo. Uma grande fodelança que vai fazer ruir muita coisa, mas que vai permitir o surgimento de um país melhor.

Se não fosse uma guerra mundial sangrenta, não teríamos os Direitos Humanos. Se não fosse muita dor e sofrimento, não teria ocorrido a Revolução Francesa. Se não houvesse um período de trevas, não teria surgido o Iluminismo. A história confirma: de tempos em tempos é preciso destruir o velho para dar lugar a algo novo e melhor. Temos o privilégio de assistir a este momento crucial da história, com as mudanças se desdobrando diante dos nossos olhos. Sejam espectadores, não participantes. Sejam observadores, não vítimas do caos.

O momento é de recolhimento, reflexão e aprendizado. Desde o aprendizado macro, sobre planejamento, sobre não se macaco de imitação até o aprendizado micro, sobre o que realmente é importante, sobre não precisar de tantas coisas para viver. Reflitam. Façam essa merda valer alguma coisa de bom e tirem o máximo de aprendizado que conseguirem, pois se este momento não servir para cada brasileiro aprender valiosas lições, terá sido em vão e outros desgraçamentos serão necessários, até que um dia, finalmente, as pessoas aprendam.

Para dizer que não vai sobrar gente para aprender nada, para dizer que tem zero esperanças do brasileiro aprender qualquer coisa ou para dizer que está torcendo pelo Coronavírus: sally@desfavor.com

SOMIR

Mais de 90% da produção global de equipamentos de proteção individual para saúde (como máscaras) está na China. O que até uns 3 meses atrás não era um problema: eles produziam muito mais barato e davam conta da demanda sem nenhum problema. Mas, o mundo de 3 meses atrás parece algo muito distante hoje em dia. Com a maior parte dos países vivendo a crise do Covid-19, nem mesmo a imensa produção chinesa está dando conta do recado.

E aí, a economia faz o que faz de melhor e pior. Quem tem condição de pagar mais, leva. Isso não é novidade, todo mundo sabe que é assim que as coisas funcionam, quem tem mais dinheiro normalmente leva muita vantagem em qualquer relação comercial. Os EUA demoraram para reagir ao vírus e agora estão tendo que cuidar de uma imensa população doente com medidas desesperadas.

Mas se a condição é atrasar o planejamento de crise, não tem lugar melhor para fazer isso do que em solo americano: não só são a maior economia do mundo, como tem uma moeda valiosa em todos os cantos deste planeta. Todos os países aceitam e gostam de dólares, e só os americanos têm a impressora desse dinheiro. Podem se dar ao luxo de pagar mais que todos os outros países do mundo pelos mesmos recursos. E se não bastasse isso, tem poder militar e influência suficiente para negociar sempre de uma posição vantajosa.

Trump não está dando um bom exemplo de liderança por lá, mas havia margem de manobra para começar a se mexer só quando a água estivesse chegando no pescoço. Os EUA compraram o direito de um certo grau de incompetência depois de décadas de hegemonia global. Pode até ficar provocando a China de tempos em tempos! Você sabe que sua posição de líder é forte quando até mesmo o segundo lugar tem que te engolir para continuar funcionando.

O que não é o caso de países como o Brasil. Não temos a conta bancária, os contatos e nem mesmo os seguranças que os EUA têm. Precisamos jogar com as regras de quem não está na liderança. Mas, como já até escrevi recentemente, um pouco pela decisão de Bolsonaro de emular Trump, um pouco pela mania do brasileiro de imitar o americano naturalmente, a resposta também ficou atrasada por estas bandas. Só que pra variar, a versão de camelô da democracia americana quebrou assim que chegou em casa: não temos trilhões para injetar na economia nem mesmo estrutura para resolver o problema de saúde na última hora.

E agora, eu prevejo que a conta vai chegar numa progressiva revolta contra a quarentena: se o povo estivesse vendo o governo agindo direito contra o Covid-19, em todas suas esferas, talvez se esforçasse um pouco mais para ajudar. Mas, com Bolsonaro ainda rebelde e os casos aumentando sem parar, a sensação que vai tomando conta da sociedade é que não tem muito o que fazer mesmo. O estado natural do brasileiro é não se importar muito com a coletividade, afinal, as coisas funcionam tão mal que o instinto de proteção pessoal sempre está acima da confiança no Estado.

É a realização que não somos os EUA e nem é razoável querer ser os EUA. Primeiro por motivos muito práticos como a impossibilidade de repetir os passos que eles deram para se tornar uma potência hegemônica, e também por questões culturais: latinos são diferentes. A China só conseguiu crescer porque adaptou o capitalismo ao povo que tinha (doa a quem doer). O Brasil não pode esperar que só admiração por americanos e israelenses (como é comum entre o clã Bolsonaro) resolva o problema.

Até porque, como podemos ver claramente nessa história dos EUA pagando mais pelas máscaras que seriam enviadas para diversos países, quando a coisa fica difícil, cada país vai cuidar dos próprios problemas. Vivemos num mundo onde o Brasil pode até ser uma economia grande para a média mundial, mas está atrás de países imensamente mais ricos. Não dá para usar as estratégias deles. Quem não pode pagar o extra por fazer as coisas em cima da hora tem que se planejar.

E quando se vive numa república das bananas onde governo federal e estadual estão brigando, o ministro da saúde fica ameaçado de cair no meio de uma pandemia e o risco da quarentena acabar por decreto é o maior do mundo no momento, não estamos nos planejando. E isso não é só a incompetência habitual da autoridade tupiniquim, é reflexo dessa ilusão de que podemos agir como um país muito mais forte e influente do que realmente somos. Que não precisamos nos preocupar muito mais com o futuro, como os governos do PT falharam ao sangrar a economia para ganhar votos, como o governo Bolsonaro falha ao achar que é só deixar meia dúzia de velhos morrerem para voltar tudo ao normal.

Não existe pensamento futuro. Os planos brasileiros não duram mais que um ano, quando muito um mandato. Se você tem trilhões de dólares para imprimir quando bem entender, pode ter o Trump no poder. Quando não tem, está caminhando para um desastre.

Para me chamar de alarmista, para me chamar de comunista ou para me chamar de maquinista: somir@desfavor.com


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