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Rede não essencial.

Rede não essencial.

| Desfavor | | 24 comentários em Rede não essencial.

Hoje em dia, redes sociais são sinônimo de internet. Com diversas funções, trazem o melhor e o pior do ser humano, com uma tendência para a segunda opção… Sally e Somir discordam sobre qual delas poderia deixar de influenciar as pessoas. Os impopulares se conectam.

Tema de hoje: se você pudesse fazer uma rede social desaparecer, qual escolheria?

SOMIR

WhatsApp. Apesar de todas as vantagens que oferece, é provavelmente a mais perigosa de todas. Facebook, Instagram e todas as outras mais especializadas com certeza não são inocentes, mas pelo menos não te facilitam tanto assim se enfiar numa câmara de eco e só escutar o que você quer do resto do mundo.

Claro que as mensagens instantâneas são muito úteis para o dia a dia, muito mais que o desfile infinito de bundas (literais e figurativas) do Instagram, mas esse monopólio da comunicação rápida que o aplicativo tem é muito mais resultado da ganância das operadoras de celular brasileiro que mérito dele. Nos EUA, o WhatsApp quase não é utilizado, por exemplo. E não é que eles usem o Telegram, é que por lá o preço das mensagens de texto (lembra do SMS?) é tão minúsculo que ninguém precisa dele.

Qualquer plano básico de celular por lá já vem com mensagens suficientes para atender até mesmo seres que passam 24 horas por dia mandando mensagens para 400 pessoas diferentes, vulgo 99% das mulheres com menos de 60 anos de idade. E o melhor, como por lá nunca se acostumaram com WhatsApp, não existem mensagens de áudio. John Lennon só não colocou “imaginem um mundo sem mensagens de áudio” na música porque morreu antes delas surgirem…

Como as operadoras brasileiras não queriam cobrar menos que o rim do seu primogênito por cada mensagem de texto, o mercado para o WhatsApp surgiu. Nos EUA o mercado se regulou e os preços da mensagens caiu tanto que o aplicativo não teve muito sucesso, mas em outros países onde é mais fácil controlar as agências reguladoras e formar cartéis, tentaram derrubar o aplicativo para manter uma cobrança elevada por mensagem. Não é à toa que o WhatsApp é especialmente popular em países emergentes. De uma certa forma, é o novo Orkut: gigantesco no Brasil e na Índia.

Se o WhatsApp sumisse, você provavelmente teria alternativas para mensagens instantâneas como “estou chegando” ou “manda o relatório” em SMS ou algum chat de outra rede social. Não existe mais um mundo sem esse tipo de mensagem, no seu ponto mais crucial, o WhatsApp é substituível sim. Mas, então por que eu estou falando em deletar o aplicativo se ele cumpre uma função essencial? Simples, por causa dos grupos. Esses sim um veneno para a sociedade.

Os grupos de WhatsApp permitem que pessoas se escondam em pequenas comunidades que apenas ecoam suas próprias ideias sem nenhuma objeção externa. Claro que isso não impede muita baixaria em forma de brigas internas, mas isso raramente é ideológico, é apenas macaquice de gente barraqueira. Numa rede social aberta, por mais que você se junte com pessoas de pensamento parecido, você continua exposto ao contraditório. Ainda está entrando em contato com estranhos e se sentindo minimamente responsável pelo o que escreve. Não é à toa que o grosso da estupidez brasileira circula por grupos de WhatsApp: se tem uma coisa que esse povo gosta mais do que dar opiniões ignorantes, é dar opiniões ignorantes sem nenhuma consequência.

Apesar de ser um grande defensor da privacidade, eu não a misturo com ausência de repercussões pelo o que você escolhe divulgar para o mundo. Se você postar uma opinião estúpida, informação falsa ou conteúdo ilegal no Instagram, por exemplo, é bem provável que seja responsabilizado por isso. Agora, no WhatsApp, só depende do grau de coesão do seu grupo. Não há mais nenhuma forma de pressão social para moderar seu comportamento. E eu nem estou falando de ser preso por uma opinião, estou falando de não poder esconder do resto do mundo que você é um imbecil. Sagrado direito de ser quão ignorante quiser se não for ilegal, mas com esses grupos fechados, fica fácil demais fermentar essa burrice até o ponto do radicalismo.

Se você estiver falando algo extremamente estúpido e ninguém te confrontar, você vai se convencendo daquilo até um ponto onde provavelmente não há mais volta. Não tem nada de bom acontecendo nos grupos de tiozões reacionários e lacradores no WhatsApp, vão apenas confirmando o que já acreditam e ignorando totalmente as falhas nas suas visões distorcidas da realidade. E aí, quando vão conversar fora dessas bolhas de aprovação, ficam putos da vida com qualquer divergência. Se a pessoa não for treinada a lidar com adversidade ideológica, vai acabar ficando violenta quando sair dessa realidade paralela.

E ainda tem a questão dos conteúdos ilegais: quando tem operação da Polícia Federal para prender pedófilo, pegam gente que fica trocando foto de criança em grupos do WhatsApp. Muito do crime organizado no país só é organizado hoje em dia por causa do WhatsApp. Esquemas de corrupção são organizados por lá. Um grupo fechado facilita muito a vida de quem está cometendo crimes. Gente assim sempre vai se comunicar de alguma forma, mas os grupos fechados facilitam demais o processo.

Sim, eu também desprezo o Instagram, sei que tem muita estupidez e até mesmo conteúdo ilegal na plataforma, mas pelo menos é praça pública. Existe um mínimo de responsabilidade pelo o que se posta e você está exposto à opinião alheia para não viver eternamente dentro dessa bolha de validação. Incentiva a futilidade? Claro. Mas entre radicalismo e futilidade, eu prefiro lidar com a segunda opção. Uma anta que só posta foto da bunda e um exército de perdedores elogiando cada novo ângulo de suas nádegas não são o melhor que a humanidade tem a oferecer, mas considerando o mundo atual, é bem fácil de lidar.

Eu me sinto mais seguro com bundas à vista do que com merdas escondidas.

Para dizer que é limpinho e não tem rede social, para dizer que tem muita bunda no WhatsApp, ou mesmo para dar bom dia para o grupo: somir@desfavor.com

SALLY

Se você pudesse fazer apenas uma rede social desaparecer para o mundo todo, qual seria? E aqui não fala apenas de extinguir a rede em questão, e sim o tipo de rede social no mesmo estilo, para que essa dinâmica seja abolida e não surja outra similar que ocupe seu lugar.

Instagram, além de ser a pior socialmente falando, é que mais encontra terreno fértil para expandir. Acredito que seja mais nociva e também a que menos acrescenta. O problema nem é a rede social em si, e sim o uso que as pessoas fazem dela. Qualquer rede social pode ser útil, educativa e divertida, mas, convencionou-se utilizar cada rede para uma coisa, e o Instagram ficou com o papel mais deplorável.

Dentro dessa convenção, o Instagram é utilizado como forma de massagear o próprio ego, de ostentação, de evasão de privacidade, de criar uma vida falsa, uma autoimagem falsa. Mais desinteressante e nocivo impossível.

Não se perderia nada se o Instagram acabasse. Quem perderia seriam os escrotos que exploram a insegurança, a baixa autoestima e necessidade de se anestesiar de pessoas com a cabecinha fodida. Esses sim deixariam de lucrar, ao serem impedidos de postar toneladas de mentiras para que gente ferrada da cabeça viva a vida dos outros por não gostar da sua.

Por mais que as pessoas rasas que vivem de acompanhar a vida (mentirosa) alheia e as pessoas carentes, que vivem de expor e ostentar a própria vida (mentirosa) sentissem uma perda com o desaparecimento do Instagram, seria, na verdade, um ganho, pois com sua ausência, acabariam sendo obrigados a levar uma vida mais saudável, mais focada na realidade e em si mesmos, ainda que por falta de escolha.

Por mais que o WhatsApp encha o saco, eu preciso dele. Não há qualquer condição de pagar uma ligação internacional cada vez que eu quiser conversar com meus amigos. Via WhatsApp se podem trocar livros, se pode fazer uma reunião de trabalho, uma avó pode ver seu neto que há semanas não vê por causa da pandemia. Há coisas úteis e bacanas que podem ser feitas.

No Instagram não, é basicamente postar foto. Não tem nada que possa ser feito pelo Instagram que não possa ser feito por outra rede social. A única diferença é que no Instagram há permissão para que seja tudo falso. Se você postar algo falso, biscoiteiro ou ostentador no Twitter, por exemplo, será massacrado.

No Instagram é permitido e aplaudido. É tudo comercial. É tudo mentira e ostentação. É um retrocesso social prestigiar uma rede social de fotos, essa egotrip só faz mal, vicia, gera uma expectativa irreal. Caso o Instagram acabe, o dano social é perto de zero: os ególatras ou os viciados na vida alheia sofreriam um pouco, mas não haveria dano maior para a sociedade. Se suprimir o WhatsApp (e, por consequência, todas as ferramentas de comunicação no estilo) se comprometeria em muito a comunicação humana. Francamente? Fake News você pode divulgar de qualquer lugar.

Não apenas dá para viver sem o Instagram, como dá para viver melhor. Parando de expor sua vida pessoal, parando de bombardear os outros com informações desinteressantes sobre a sua vida e parando de gastar tanto tempo de olho na vida alheia. Como qualquer viciado, em um primeiro momento essas pessoas sofreriam, mas depois perceberiam que uma vida melhor e mais saudável as aguarda.

Quem sabe sem uma rede social de fotos as pessoas param de viver a vida pelas lentes de um celular, mais preocupadas em fazer um bom registro do momento para ostentar do que em vivenciar o momento em si. Quem sabe invistam mais em conteúdo do que em aparência. Quem sabe parem de se expor no meio de uma pandemia para ter conteúdo para continuar ostentando.

Não é achismo meu. Cirurgiões plásticos afirmam que o número de procedimentos para que as pessoas pareçam mais bonitas em selfies aumentou muito após a febre do Instagram. Médicos afirmam que os distúrbios de autoimagem também. Então, lamento se tem pessoas te enche o saco no WhatsApp, você pode silenciá-las e usar a ferramenta só para quem te acrescenta alguma coisa. O mesmo não pode ser dito do Instagram. Qual é a foto da vida alheia que é fundamental para seu aprimoramento como pessoa?

Fora que, o WhatsApp faz o que o Instagram faz (compartilhar fotos), mas o Instagram não faz o que o WhatsApp faz (permitir um diálogo de forma rápida e eficaz). Então, se a ideia é compartilhar uma foto com uma pessoa, faça-o via WhatsApp. Mas aí não tem graça, né? Não tem centenas de pessoas vendo e jogando biscoito, para que, em troca, você vá jogar biscoito nas fotos delas.

Isso sem contar a tonelada de publicidade ilegal, abusiva, disfarçada e camuflada que existe no Instagram. A pessoa é exposta a todo lixo manipulativo que existe no mundo da publicidade, a todo tipo de “profissional” estelionatário ou amadores curiosos. Esse mundo de coaches e psicoterapeutas do inferno é mais tóxico do que Chernobyl.

Fora a hipocrisia, pois é um meio que promove tudo aquilo que seus integrantes discursam contra: objetificação da mulher, racismo, ostentação de bens materiais e estereótipos no geral. Bela perda de tempo consumir ou passar o dia tirando fotos para postar. Quem tem essa necessidade de reconhecimento pelo olhar de terceiro não deve saber seu valor e precisa dessa constante aprovação. Sugiro terapia, em vez de selfie.

Para o mundo que eu quero, para o mundo que eu considero melhor, foto da vida alheia é irrelevante. Foto da maquiagem alheia, do carro alheio, do jantar alheio, do quarto alheio, da sala alheia… Não, obrigada. Pode descartar, certamente surgirá uma coisa melhor para colocar no lugar. Tenho fé que em alguns séculos, historiadores se referirão a esta era ególatra como um período negro da humanidade, de pouca evolução e muita futilidade.

Para dizer que duvida que eu não tenha um Instagram (não tenho), para dizer que acha injusto que eu elimine uma plataforma que tira dinheiro de otários ou ainda para dizer que é uma boa hora, já que vem surgindo muita foto de gente feia por lá: sally@desfavor.com


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