Vacina do Brasil-sil-sil!

O governo de São Paulo e o Instituto Butantan adiaram a divulgação dos resultados completos dos estudos de eficácia da CoronaVac, que estava prevista para esta quarta-feira. LINK


Uma parte da população prefere negar, outra está na mão do Dória e dos chineses… desfavor da Semana.

SALLY

Eu nem sei por onde começar… Quando escutava falar que o Brasil não tinha nenhum planejamento para vacinas, não achei que era algo tão grotesco. Esta semana aconteceu a pior coisa que poderia acontecer no atual contexto: uma sequência de erros que minaram a credibilidade das vacinas na cabecinha frágil de um povo que já estava desconfiado.

Vamos por partes. Todos os países do mundo estão em uma corrida para conseguir o máximo de vacinas que lhes seja possível. Se passou da fase 3, estão todos tentando comprar. Exceto o Brasil, cujo Ministro da Saúde fez questão de vir a público dizer que duas vacinas estava mais do que bom. A de Oxford e a chinesa, a Coronavac.

Como vocês sabem, a vacina de Oxford teve problemas na sua Fase 3, graças a uma série de erros que acarretaram o atraso na sua fabricação. Isso deixou o Brasil com apenas uma vacina, uma tábua de salvação. Isso não se faz, isso é burro, qualquer analfabeto conhece o ditado de não colocar todos os ovos no mesmo cesto. Não precisa ser uma mente brilhante para entender que tem que comprar tudo quanto é vacina cuja eficácia seja comprovada.

O Brasil simplesmente ignorou propostas de vacinas com eficácia comprovada, como por exemplo, a da Pfizer. Um grupo político fez da Coronavac uma tábua de salvação. Toda tábua de salvação gera desespero, pressa e erros de discernimento. Na pressa por uma salvação foi feita uma compra de uma vacina com base na promessa de eficácia da China. Nada contra a China, mas você confiaria em uma agência reguladora de um país regido por uma ditadura que mentiu e omitiu dados sobre a pandemia?

Não estou dizendo que a vacina não funcione, estou dizendo que falta transparência. Talvez seja a melhor vacina entre todas as que temos no final das contas… mas talvez não. Então, depositar todas as fichas onde paira uma dúvida é de uma imbecilidade sem fim. Politizar uma vacina é uma imbecilidade sem fim. Não ter um cronograma de vacinação com datas e procedimentos claros é de uma imbecilidade sem fim.

Já existindo essa pulga atrás da orelha, por total incompetência do Governo Brasileiro em fiscalizar e fazer as coisas direito, o que era esperado? Que se tomasse o máximo de cuidado para provar de forma cabal que a vacina funciona e é segura, de modo a neutralizar a resistência da população a ela.

Já que é a única porra de vacina que o Brasil terá por agora, a obrigação era se resguardar e resguardar seu povo, mostrando que ela é segura, eficaz e suprindo o que a falta de transparência do governo Chinês não divulgou.

O que foi feito? Exatamente o contrário. Entregaram dezenas de argumentos para todos aqueles que desconfiavam ou criticavam a vacina chinesa, desde os anencefálicos que a chamam de “vachina” e a criticam pelo Bolsonaro não gostar da China até pessoas da comunidade científica que tinham ressalvas por algumas questões técnicas. Parabéns, jorram argumentos para leigos desconfiarem das vacinas agora, não só dessa, mas de todas.

No dia em que teria que ser feita a divulgação da eficácia da Coronavac, os dados simplesmente não foram divulgados. Veio uma conversa de que a Sinovac, empresa responsável por essa vacina, faria uma divulgação mundial dos dados, compilando informações de testes no mundo todo, pois em cada país ela foi testada em uma faixa etária, por isso, divulgar dados de um único país daria resultados imprecisos.

Logo depois, a Turquia divulgou a eficácia da Coronavac em testes realizados no seu país. Então, de dois um: ou mentiram quando disseram que a divulgação teria que ser dos dados mundiais (e a apresentação dos dados não foi feita por outro motivo) ou a divulgação deveria ser mundial mas está tudo uma zona e tem país divulgando resultados imprecisos, gerando informações falsas. Ambas péssimas.

Isso quer dizer que a Coronavac não funciona? Não. Isso quer dizer que estão conduzindo a apresentação dessa vacina da pior forma possível, gerando medo, desconfiança e pouca credibilidade em uma vacina que, pelo seu país de origem, já tinha uma carga negativa. E isso acaba se estendendo às demais na cabeça do leigo. Isso vira rapidamente um “tá vendo, Gislayne, eu falei que não é para confiar nessas vacinas!”.

Qual é o problema do brasileiro? Passa o ano todo rezando para descobrirem uma vacina e quando aparecem várias, começa com aquele papo de que “a média para fazer uma vacina segura é dez anos, não dá para confiar em uma vacina desenvolvida em um ano”. Qual é o problema de vocês? Sério mesmo, alguém me explica, eu não consigo entender.

Vacinas demoraram dez anos para serem desenvolvidas quando a tecnologia delas partia do zero. As vacinas atuais usam tecnologia que já existia, portanto, pode somar a elas décadas de estudo. O adenovírus não foi criado em um ano. O RNA ativado não foi criado em um ano. Além disso, houve um esforço mundial com todas as informações compartilhadas online para que, juntos, cientistas do mundo todo possam colaborar. Ver uma vacina sendo desenvolvida em um ano é algo lindo para chorar de emoção, não para jogar pedras!

Já estão batendo o martelo que a vacina tem algo terrível que vai matar as pessoas ou controlar seus cérebros (que cérebros?). As fake news dispararam. Já tem gente falando em mortos. Ninguém morreu até agora depois de tomar vacina alguma e muita gente já está imunizada. Os efeitos colaterais detectados são muito menos arriscados do que pegar a doença. Mas todos esses dados serão soterrados por aquilo que o medo das pessoas vai criar como causa para a não divulgação dos dados.

O que parece que aconteceu: o governo de São Paulo obviamente estava usando a vacina como plataforma eleitoral para Dória e inflou as expectativas de imunização que ela teria. Quando saiu o resultado abaixo do esperado, não foi publicado. Para não macular o caminho do Dória à Presidência, tiveram uma postura altamente suspeita e minaram a confiança da população na única vacina disponível e em todas as demais vacinas por tabela.

Até a imprensa, que sempre joga merda no ventilador sem dó em troca de audiência e cliques, parece estar pisando em ovos para falar sobre o assunto. O destaque é o Dória ter ido para Miami bundear enquanto São Paulo e o Brasil estão se fodendo homericamente. Esse é o menor dos problemas, qualquer adulto sem retardo mental saber que os políticos brasileiros não se importam com o povo.

O grande problema, independente de qualquer crítica que se tenha à Coronavac, é conduzir as coisas de um modo desastroso que gere desconfiança da população em relação à vacina. Ainda mais quando falamos de uma vacina sobre a qual já havia uma resistência inicial. Ainda mais quando é a única vacina disponível em meio a uma segunda onda com direito a uma cepa 70% mais contagiosa. Não podiam ter feito essa merda. Simplesmente não podiam.

É o tipo de merda que não tem volta, não tem remendo. Mesmo que a vacina chinesa se prove a melhor, a mais eficaz, e com menos efeitos colaterais, a narrativa está construída: “estão escondendo algo”, “deve ter algo errado” e daí pra baixo. Já tem material para 20 “Ei, Você” nas pesquisas do Desfavor. A quantidade de “explicações” para essa não divulgação dos dados é assustadora e o conteúdo dessas “explicações”, bem, não tenho palavras.

Se o Brasil decidiu aplicar essa vacina (e não cabe essa discussão no tema de hoje), que faça as coisas bem feitas. Além de minar a confiança da população nessa vacina, nas outras vacinas e na ciência, o país ainda mostrou ao mundo como é desorganizado, incompetente e não confiável.

Sério mesmo, depois dessa, se metade da população brasileira se vacinar, eu já considero uma vitória.

Para dizer que não está nem aí para nada além de festividades, para dizer que o lado bom é que o Dória não se elege nem para síndico de prédio agora ou ainda para dizer que ver o Bolsonaro feliz e achando que tem razão te entristeceu: sally@desfavor.com

SOMIR

Quanto mais você avança na sua vida profissional, especialmente se você tem acesso ao funcionamento de diversas empresas por prestar serviços, mais você reconhece o cheiro de incompetência. Às vezes é muito sutil: as pessoas podem até parecer esforçadas, terem discursos muito bons, mas na hora do vamos ver, sempre tem alguma coisa que dá errado de forma inexplicável.

Vejam bem, cometer erros não é sempre sinal de incompetência, mesmo as melhores equipes estão fadadas a fazer alguma besteira eventual. Mas são erros que costuma ser simples de reconhecer e podem ser trabalhados. Os erros causados por incompetência sempre têm algo a mais que dificulta muito a sua correção.

O incompetente sabe, mesmo que inconscientemente, que não consegue entregar o que é esperado dele. Por isso, começa a criar inúmeros mecanismos para esconder seus problemas, e por consequência, os problemas que assolam a equipe que depende dele. O mais comum é a politização do ambiente de trabalho. Muita gente acaba promovida não por ter a capacidade de realizar o trabalho, mas por saber bajular as pessoas certas e isolar qualquer um que explicite suas fraquezas.

Outra característica de processos empresariais contaminados por incompetência é dificuldade de coletar informações: o incompetente sabe que tornar os dados da empresa difíceis de analisar é uma das suas melhores chances de sobrevivência. Ele fica mais seguro dentro dessa cortina de fumaça, e faz o que pode para ela nunca se dissipar.

E é claro, corrupção: faz tempo que dizemos aqui que corrupção não é a doença do Brasil, é o sintoma mais visível dela. O incompetente não consegue avançar na vida fazendo o trabalho que se espera dele, por isso precisa gerar mecanismos alheios à sua função para conquistar dinheiro e poder. E ainda tem o bônus de corromper mais gente no processo, diminuindo a chance de alguém explodir o sistema todo.

Agora, vamos ao tema de hoje: o Instituto Butantan com certeza não é perfeito, mas vinha entregando o que se esperava dele há várias décadas. Como quase tudo no Brasil, com menos verbas do que deveria, mas apresentando resultados mesmo assim. Um espaço para pesquisadores e especialistas em geral que raramente chamava atenção do grande público.

Mas, havia uma pandemia no meio do caminho. Todos os olhos se voltam para o Instituto e o poder público, com sua horda de incompetentes de carreira, se apossa de todo processo. O governo federal decide que seu plano de ação seria negar que algo estivesse acontecendo, mas há a liberação do STF para estados e municípios tentarem se virar. E aí, um processo tocado na base da competência é tomado por chefes políticos, confusos e provavelmente corruptos.

A vacina vira arma numa guerra política entre futuros candidatos à presidência, e a arma de Dória para mostrar poder sobre Bolsonaro, a vacina chinesa, acaba sendo uma das únicas alternativas do país. Dória pode ser incompetente, mas Bolsonaro e cia. jogavam em outro nível. O presidente fica tentando desacreditar a vacina do seu adversário político, o governador joga todas as fichas nela para ter uma grande vitória.

E como essa nova cúpula de chefes do Butantan sempre faz, trazem consigo a falta de transparência. Afinal, ninguém quer ser exposto se fizer algo errado. O método científico precisa de publicidade e revisão para entregar resultados, afinal, não é uma coisa ruim estar errado nesse contexto: ajuda a avançar as pesquisas. O que estamos vendo é provavelmente o governo paulista lendo dados que não entende e tomando decisões sobre o processo que simplesmente não tem capacidade de tomar.

Sobre a parte da corrupção, talvez não vejamos onde vazou dinheiro no processo (São Paulo não é um estado mais honesto, é um estado mais eficiente em esconder), mas já vemos uma corrupção de princípios: é bem possível que a disputa eleitoral antecipada pela presidência esteja atrapalhando a divulgação honesta dos dados. Não por que descobriram chips de controle mental na vacina, mas porque os políticos querem um número que pareça bom para fazer propaganda, não um realista.

E pra completar: a parceria é com a China, que também é uma cleptocracia. Os chineses já provaram que podem fazer coisas de altíssima qualidade nos últimos anos, mas não é possível confiar cegamente em uma ditadura. Especialmente uma que depende de ufanismo para se sustentar. A melhor alternativa para o Brasil era ter dados próprios não contaminados por política, até para poder entregar uma vacina que gerasse confiança para a população.

Eu não estou preocupado com a segurança da vacina e seus efeitos colaterais, basta um pouco de conhecimento sobre o tema para saber que é uma tecnologia que a humanidade domina há séculos. É uma das bases da medicina moderna e já foi testada milhões de vezes. A não ser que você ache que o Bill Gates está colocando fetos abortados da Pepsi em cada vacina ou algo esquizofrênico do tipo, pode ficar bem tranquilo. Não é para ser mais perigoso que qualquer outra vacina. Pode ter uma eficiência mais baixa do que teria se pudesse ser desenvolvida num processo normal, mas as vacinas da gripe também têm eficiência medíocre e ajudam bastante todos os anos.

Eu estou preocupado com a incompetência de gente que não tem nada a ver com a ciência influenciando o processo todo e atrasando a vacinação, aumentando o grau de desconfiança de gente que não entende nada de nada sobre vacinas. Incompetência é contagiosa: assim como o brasileiro médio é pouco engajado na melhoria da sociedade depois de viver sob o controle de sanguessugas, pode ser que acabe desmotivado a se proteger da doença porque tudo o que vê sobre a pandemia é Bolsonaro defendendo Cloroquina para curar uma doença que ele diz que nem é de verdade e Dória indo pra Miami enquanto escondem os dados sobre a vacina.

É muito mais fácil ser brasileiro quando todo mundo é brasileiro ao seu redor…

Para dizer que não é esquizofrênico e sim as vozes na sua cabeça que são, para dizer que a gente sempre acaba batendo nos dois lados, ou mesmo para dizer que tem muita gente nesse país mesmo: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.

    “A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza!”

    RODRIGUES, Nelson

  • Todos nós estamos cansados de saber que o Brasil sempre foi a terra da incompetência, da bagunça, do descaso, da desorganização e do esculacho. Mas neste ano está batendo recordes…

    • E dessa vez, a bagunça está explícita para o mundo todo e afeta o mundo todo. Acho difícil que empresas e parceiros comerciais não percam a confiança no país e, gradualmente, comecem a pular fora.

      • Dá até medo de pensar no que virá depois, com a economia em frangalhos, pouca confiança no país, parceiros comerciais correndo para “abandonar a barca furada” o quanto antes, muito desemprego e pouca ou nenhuma perspectiva de melhora…

  • Deprimente. Brasil já foi referência de imunização e produção de vacinas. Protocolos do sus elogiados em vários países e servindo de modelo por garantir imunização gratuita, com campanhas pra atingir toda população. Fiocruz e Butantan, institutos se renome no meio científico, que deveriam ser aplaudidos pelo trabalho que fazem, estão sendo desacreditados por um bando de imbecis que continuam vivos e saudáveis graças as vacinas que já tomaram. Ninguém nunca reclamou de efeito colateral das vacinas anteriores, mas esses estúpidos dizem que a vacina que ainda não tomaram faz mal.

    Lamentável que os brasileiros não valorizam o que tem, e ainda querem acabar com o que restou.

    • Sim, Brasil foi referência na pesquisa e tratamento de diversas doenças, desde HIV até Zika. E agora, graças a uma cambada de filho da puta, está sujando seu nome internacionalmente e tratando ciência feito merda.

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