Dia da Mentira 2021

Hoje é Dia da Mentira aqui na República Impopular do Desfavor, tínhamos até plano B para fazer uma postagem temática caso não achássemos alguma mentira cabeluda para comentar durante a semana. Mas, o Brasil nunca decepciona. Na mesma semana, o Ministério da Saúde coloca em xeque as vacinas mais uma vez, e o sistema do SUS fica fora do ar justamente na época que a variante Ômicron vai ganhando espaço. E é claro, o brasileiro se engana achando que já está tudo bem.


Por aqui, mentira é política de saúde pública. Desfavor da Semana.

SALLY

O ser humano tende a se agarrar a informações agradáveis e desacreditar ou ignorar informações desagradáveis. Todos temos uma inclinação, em maior ou menor grau, a ouvir de forma mais receptiva aquilo que nos convém, que casa com nosso ponto de vista, que nos é favorável. Por isso a indústria da desinformação não para de crescer: as pessoas gostam de acreditar naquilo que lhes é agradável.

Normalmente, seria só um pequeno vexame ou fazer papel de idiota repetindo algo que não se sustenta. Mas, em uma pandemia, isso pode ser a diferença entre a vida e a morte – sua ou de terceiros. Em uma pandemia não pode haver espaço para ilusões, desinformação ou fake news.

O ser humano é capaz de filtrar e distinguir uma informação falsa de uma verdadeira independente de suas crenças pessoais e fazer uma avaliação imparcial e racional do que chega para ele? Não, óbvio que não. O ser humano acredita na Mamadeira de Piroca, em homeopatia e em astrologia. Então, partimos da premissa que não dá para contar com o discernimento humano.

Logo, o melhor caminho para evitar que a desinformação se instale é não divulgando a desinformação. A mídia vai deixar de ganhar relevância e dinheiro parando de divulgar um conteúdo que, apesar de não ser verdadeiro, é o que as pessoas querem consumir, arrastando milhões para seus canais? Claro que não. Vão publicar aquilo que atrair público, foda-se o dano social que isso pode causar.

E assim estamos. Assim caminha essa pandemia. A pandemia da desinformação, onde o que as pessoas mais gostam e o que mais se alinha com a cabeça delas vira pós-verdade. Não é hoje o Dia da Mentira, foi o ano todo. Sim, eu sei, não é de hoje que a mídia mente, manipula e distorce, mas é que agora está custando vidas, está causando um dano mundial e pode fazer com que não consigamos sair dessa porra de pandemia tão cedo.

Um hacker que invade o sistema e tira do ar todos os dados às vésperas de um dos feriados que mais movimenta dinheiro no Brasil e de outro feriado que mais movimenta turistas é bastante conveniente, não? Mais de dez dias sem informações sobre quem tomou vacina? Nada de passe sanitário, todo mundo pode entrar em qualquer lugar e comprar tudo que quiser.

Não testar para covid e dizer que os casos estão caindo é uma mentira. O correto seria dizer que, para ter uma real noção do que está acontecendo, a recomendação da OMS é fazer um número X e testes e o país só fez um número Y, portanto, não dá para afirmar nada. Mas é muito melhor que as pessoas acreditem que os casos continuam caindo, comprem muito no Natal e viajem muito ao Brasil nas férias.

E que tal divulgar dados sobre contágios no Brasil faltando informações de vários estados? É muito fácil ver queda de casos quando não se contam vários estados do país. Mas não importa, tudo que as pessoas vão lembrar é que “o número de casos está caindo”.

Dizer que a Ômicron é uma variante “mais leve” mesmo sem ter todos os dados sobre ela já virou pós-verdade: não tem quem tire isso da cabeça das pessoas.

É um raciocínio bastante simples que as pessoas não conseguem fazer por estarem cegamente apegadas a essa informação relativamente tranquilizadora: se você compra um carro, manda blindar e um dia alguém te assalta, dá tiro no carro e a bala não entra, você vai sair dizendo que “as balas estão ficando mais fracas”? Acredito que não, pois você faria o papel de um completo imbecil chegando a essa conclusão. As balas não estão mais fracas, seu carro é que está blindado. O vírus não está mais fraco, as pessoas é que tem alguma imunidade, pois foram vacinadas.

O desfavor da semana, do ano, da pandemia e da vida é esse: a maior parte das pessoas cria sua versão pessoal dos riscos e cuidados necessários com o coronavírus, montando um Frankenstein de informações colhidas aqui e ali, com as pecinhas que mais gostam. Só que a realidade não se importa com o que você escolheu acreditar. A realidade passa por cima de você faz quase um milhão de mortos (contando as subnotificações) por uma doença para a qual já existia vacina.

Não há evidências, por mais claras e cristalinas que elas sejam, que façam as pessoas repensarem suas verdades. Apesar de todas as mortes, ainda tem gente achando que o vírus não existe ou que Cloroquina funciona. Ainda tem gente achando que se você estiver com máscara em algum lugar do seu corpo, tudo bem (queixo, pescoço…). Ainda tem gente que acha que em espaço aberto não precisa usar máscara pois não tem risco, não importa quantas pessoas estejam lá ou a que distância.

As pessoas vão criando um Megazord de desinformação, juntando uma mentira aqui, uma interpretação errada ali e montando a versão que mais lhe agrada. Elas se fecham nisso e não admitem qualquer possibilidade de que essa versão seja fala. Elas atacam quem ousa apresentar provas de que sua tese não se sustenta. Dói, tanto, ficam com tanta raiva, que até perdem seu tempo deixando comentário em blog de pessoas que não admiram.

Isso vai cobrar seu preço. Já cobrou, afinal, quase um milhão de mortos e mais um tanto de sequelados não é pouco, mas vem mais por aí. Vem reunião de Natal, vem réveillon, vem férias, vem carnaval e vem volta às aulas, todos eles “com todos os protocolos de segurança”, outra imbecilidade que escolheram acreditar. Nem vacina, nem PCR nem temperatura corporal podem te garantir que não haverá contágio.

Eu vou dizer uma coisa muito triste: essas pessoas não são resgatáveis. Elas vão acreditar no que elas quiserem e, se você não quer participar disso, precisa deixá-las para trás. Era para todos olharmos antes para elas, era para que entendam como a ciência funciona desde cedo. O que você pode fazer agora é olhar para você e estar vigilante para que isso não aconteça com você: cair em tentação de acreditar naquilo que melhor se ajusta aos seus desejos, suas crenças, seu achismo.

E a melhor forma de fazer isso é escolhendo curadores de conteúdo confiáveis, gente que, desde março de 2020 (o começo da pandemia) está te colocando no caminho certo na pandemia.

Não vou falar do Atila Iamarino pois sei que se instaurou uma birra com ele, por causa de outra pós-verdade (ele deu uma previsão que não era dele, era do Imperial College, com um cenário onde poderíamos ver mais de um milhão de mortos e poucos dias depois desmentiu, quando os dados foram revistos pelo próprio Imperial College). Tem outras pessoas sérias e muito boas que falam de covid de uma forma que é possível entender: Natalia Pasternak, Miguel Nicolelis e até o Drauzio Varella.

Escolha um produtor de conteúdo que seja sério, que venha falando coisas pertinentes desde março de 2020. Já são quase dois anos, tem material de sobra no passado da pessoa para você ver e perceber se ela estava no caminho certo ou não. E desconfie de quem posta e apaga, provavelmente essa pessoa falou uma pá de bosta e não quer assumir.

Nós vamos fechar o ano com quase 50 FAQs (coluna onde falamos de covid) e vamos continuar em 2022, mas não fique apenas conosco. Compare o que a gente fala com o que a comunidade científica está falando e depois veja o que se confirmou. Aprenda a formar a sua opinião, aprenda a fazer o seu julgamento imparcial, aprenda a ter discernimento e você nunca mais vai ter que se preocupar com mentiras.

Para dizer que prefere ler o Ei Você, para dizer que entregou para o universo ou ainda para dizer que foi o Dia da Mentira mais deprimente da história do Desfavor: sally@desfavor.com

SOMIR

Talvez a maior mentira de todas seja a que o Brasil está agindo para combater uma doença que já matou mais de 600.000 pessoas. Não está. Claro, a vacinação em massa conseguiu resolver vários problemas, mas é importante lembrar que não só não era o objetivo do governo, como ainda não é. Acabou acontecendo por uma guerra política entre o presidente e um governador que quer se tornar presidente.

A gente não vai ser otário de achar que o Dória é uma pessoa de princípios, mas vai comemorar que sua ambição política bateu exatamente com a necessidade do país naquele momento. Ele quer que esqueçam o “Bolsodória”, mas não vamos. A mentira é parte da política nacional (e claro, internacional, mas temos um foco aqui), às vezes pode ser útil, embora na maioria dos casos não seja.

Um “bom” exemplo desse lado negativo é a forma como o Ministério da Saúde lida com a pandemia. Os ministros que pelo menos fingiram se importar não duraram muito no cargo. O importante era obedecer cegamente ao presidente (e por tabela, aos posts aleatórios de rede social que seu filhos liam). Pazuello fez esse papel, Queiroga vai pelo mesmo caminho.

A mentira fundamental é que existe algum interesse na saúde da população. Claramente não há. As políticas públicas adotadas em escala nacional visam apenas agradar uma pequena parcela muito fiel de eleitores bolsonaristas. A estratégia, seja ela boa ou não, é executada constantemente: o presidente e seus fantoches fazem de tudo para eximir de qualquer responsabilidade. O STF garantiu essa possibilidade ao liberar estados e municípios para tomar suas próprias decisões.

A parcela da população brasileira que não acredita na pandemia e se recusa a tomar vacinas não é tão grande assim, mas é essencial para manter uma base estável de eleitores para 2022. Eles são chatos, barulhentos, e principalmente, contagiosos. Não é só que acreditam em qualquer bobagem que leem, mas também repassam das formas mais cativantes possíveis para o povão desinformado.

A militância bolsonarista acaba se misturando com a militância anticientífica, e para não perder uma, o governo tenta manter a outra suficientemente bem atendida. Não, não sou imbecil de dizer que esse movimento em prol da ignorância e do atraso foi inventado pelos fãs do Bolsonaro, nem mesmo que dependam tanto assim do presidente para existir, mas como uma coisa costuma andar de mãos dadas com a outra, temos o tipo de atitude que estamos vendo do poder público.

E aí, fica essa mentira bizarra no ar: todo mundo sabe que o Ministério da Saúde está obedecendo um presidente que não quer ficar mal com o povo que acha que estão colocando chips na vacina. E o ministro tem que ficar inventando desculpas cada vez mais bizarras para manter os malucos confiantes no presidente.

Por isso, soa muito mal toda essa história do sistema do SUS sair do ar. Não é obrigação de ninguém entender sobre computador, então eu não ligo se imprensa e até mesmo políticos fiquem falando sobre hackers como se fossem seres mágicos que não obedecem às regras da realidade. Mas se o SUS tem um sistema, quer dizer que alguém programou ele. Quer dizer que tem equipe capacitada paga com dinheiro público (toda empresa que se preze cobra o dobro do governo pelo medo de tomar calote, que não só é comum, como foi legalmente permitido recentemente).

E aí não dá para engolir facilmente que hackers causaram tamanho caos no sistema. Quem entende do assunto vai te dizer que salvo um serviço de péssima qualidade, não é mais tão fácil invadir um sistema pela parte “técnica” da coisa. A programação evoluiu muito nessas últimas décadas, quase todos os programas são baseados em códigos semiprontos mantidos por gente bem capaz. Quase sempre uma falha é causada pela peça que fica atrás do monitor: o hacker do século XXI é melhor com palavras do que com código de computador.

E normalmente, as falhas causadas por pessoas idiotas passando senhas ou instalando vírus nos próprios computadores são resolvidas facilmente pelos gerentes do sistema. Não é que explodiram uma bomba na parede do sistema, apenas pegaram a chave de alguém para passar pela porta. Trocar a fechadura resolve a maior parte dos problemas (a não ser que você esteja lidando contra um adversário muito capaz, gente não faz nada sem cobrar uma montanha de dinheiro antes).

Então, bem estranho que esteja demorando tanto tempo para resolver os problemas do sistema do SUS. É pouco provável que tenham achado uma falha tão imensa assim, e menos provável ainda que não tenha sido alguém entregando uma senha para gente mal-intencionada. Algo que se resolve no dia seguinte se essas pessoas mal-intencionadas não tiverem mais nenhum poder sobre o sistema.

Adicione a isso um governo que já tinha forçado a imprensa a buscar as informações sozinhas porque resolveu mentir nos seus relatórios oficiais sobre a pandemia… dar problema bem na época em que uma variante começa a tomar conta e o país está fingindo que tudo voltou ao normal, planejando todo tipo de festa? Foi mal, mas o governo federal tinha pouca credibilidade por natureza, mas conhecendo o plano de agradar negacionista, fica quase impossível acreditar que não tenha sido uma falha proposital, ou talvez que a demora para resolver a falha seja proposital.

A meta de manter a bolha de validação de uma pequena parcela de malucos está nos custando muito caro em vidas. E pelo visto, não vai ter punição nenhuma. É tudo mentira, no final das contas.

Estamos torcendo para os minions virem nos encher o saco nos próximos meses dizendo que erramos na previsão de que as coisas piorariam na pandemia de novo.

Mas torcer não adianta muito quando a verdade não concorda.

Para dizer que o Lula mentia também (passamos muitos anos batendo sem parar nele e na Dilma), para dizer que hacker é desculpa pra qualquer merda feita na internet, ou mesmo para dizer que prefere a morte do que o combate à pandemia (tem sua lógica…): somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Hoje é Dia da Mentira aqui na República Impopular do Desfavor, tínhamos até plano B para fazer uma postagem temática caso não achássemos alguma mentira cabeluda para comentar durante a semana. Mas, o Brasil nunca decepciona.

    Não seria:
    Hoje é Dia da Mentira aqui na República Impopular do Desfavor. Tinhamos até plano B para fazer uma postagem temática caso não achássemos alguma mentira cabeluda para comentar durante a semana, mas o Brasil nunca decepciona.

    • O “Mas,” no começo de frases é uma liberdade gramatical que eu me permito para criar um ritmo mais agradável na leitura de algumas delas.

  • Sem contar o que não é divulgado na mídia…
    O “ataque hacker” além de sumir com o comprovante de vacinas (que pode ser conseguido via outros sistemas, como o PoupaTempo em SP), não permite mais notificação de casos de covid, não permite registro de recém nascidos (eles não conseguem ter o número do cartão nacional do SUS, então não conseguimos registrar vacinas/atendimentos/procedimentos nessas crianças).

    O apagão é muito maior que o que a mídia divulga

    • A mídia só está divulgando a quantidade baixa de casos, sem contar que muitos não são registrados e muitos mais não são nem detectados, pois o Brasil está testando muito pouco. Turismo acima de tudo…

  • Eu só sei que dia 22 de janeiro, mesmo o Bozo não querendo eu vou tomar minha 3 dose e estou me sentindo empoderade! Lulão vem aí ganhando de lavada no 1 turno! Tirar esses crentelhos da presidência não tem preço, pode roubar à vontade, meu molusco favorito! Depressão nada! Como diz Mateus Costa: Haja o que hajar, seje feliz! Hahaha Beijo nas suas bundas!

    • Já pensou qual a saia justa se seu querido Lulão tiver um infarto ou mesmo um AVC?
      A expectativa de vida média do brasileiro é na faixa dos 75 anos e o histórico que o Lula tem não indica que ele fique muito acima disso.

    • Você sabia que é possível detestar o Bolsonaro e não amar o Lula? O que você sente pelos dois não está atrelado.

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