Respeito merecido?

Uma sociedade se constrói através de cooperação e respeito, certo? Sally e Somir tem visões um pouco diferentes sobre o que uma dessas categorias deveria significar na prática. Os impopulares se posicionam com ou sem respeito.

Tema de hoje: respeito se conquista ou temos a obrigação de ter com todo mundo?

SOMIR

Em outros tempos eu até poderia concordar com a Sally, mas a vida acabou me ensinando que respeito se conquista sim. Foi-se a minha fase de acreditar no “nobre selvagem” e achar que o ser humano tem uma natureza inerentemente boa. Respeito recebido tem que ser diretamente proporcional a respeito oferecido. E é nessa categoria que eu estou cansado de ver gente fracassando.

Em mãos menos cuidadosas, este texto poderia rapidamente pegar um caminho arrogante de se achar mais merecedor de respeito que outras pessoas. Dizendo que as pessoas são ruins e que a solução é passar por cima delas. Não aqui. É importante estabelecer esse ponto logo aqui no começo da argumentação: respeito se merece não porque as pessoas têm que provar algo pra mim especificamente, respeito se merece porque somos basicamente a mesma porcaria e só podemos evoluir se agirmos no sentido de evoluir.

Nada vem de mão-beijada nessa vida, respeito não poderia ser a exceção. Não vamos confundir respeito com civilidade e cordialidade básicas, isso eu acredito que seja obrigação sim: por favor, com licença e obrigado. Respeitar o espaço alheio, a posse alheia, todas coisas importantes para mantermos um mundo funcional. Agora, não é o fato de estar na mesma espécie que eu estou que vai me gerar obrigação de demonstrar respeito.

Pessoas dizem e fazem coisas extremamente estúpidas, egoístas e até mesmo cruéis com imensa frequência. Eu aceito o pacto de não-agressão social, mas daí pra frente precisamos de mais do que regras generalizadas. Um ser humano tem direitos humanos, e isso não se negocia, mas um ser humano não tem direito de ser respeitado pelo que faz ou diz independentemente do que faz ou diz.

Eu não respeito um religioso que acha que mulheres são inferiores aos homens. Eu não respeito um cidadão que acredita em ditadura como solução de problemas sociais. Eu não respeito ativista maluco que acha que discordar de alguém é sinônimo de sexismo ou racismo. Existem limites para o que se respeita no outro. Seu direito acaba quando começa o do outro, e respeito segue uma lógica parecida.

Eu não posso faltar com o respeito comigo para acomodar o respeito com o outro. Se eu estiver escutando alguém me falar sobre Astrologia, eu tenho o direito total de tratar a pessoa como uma retardada. É alguém que acredita em algo imensamente imbecil e quer gastar meu pouco tempo nesse mundo falando sobre isso. O que o time do “respeito inerente” esquece é que a pessoa estúpida normalmente quer espalhar sua estupidez mundo afora.

Novamente, eu defendo ser educado e cordial mesmo com quem você acha irremediavelmente limitado, mas sem transformar isso em respeito. Venha me falar sobre seu deus ou sobre homeopatia e eu vou tratar sua escolha de empurrar burrice pra cima de mim como uma quebra de contrato social: eu não escolhi poluir meus caminhos neurais com superstição e ignorância científica, e ninguém pode me obrigar a isso. Quer dizer, não numa sociedade livre. Não é à toa que as pessoas com as visões mais cretinas sobre a realidade adoram a ideia de totalitarismo: é o único jeito de forçar todo mundo a respeitar seus excrementos neurológicos.

Respeito se merece, por educação, por cordialidade e também por um mínimo de respeito pela inteligência alheia. Se você quebra a base do acordo social, não merece respeito nenhum. Merece direitos humanos, porque esses não se pode tirar de ninguém, mas eu posso respeitar seus direitos humanos e te achar um babaca que não merece nem ser ouvido.

Você não é obrigado a aceitar os outros, você é obrigado a tolerar quem não infringe nenhuma lei, e mesmo os que infringem tem direitos básicos que não podem ser quebrados. Respeito é um nível muito acima disso. Respeito é dar ao outro a abertura de entrar no seu espaço físico e mental. E ninguém nasce com essa liberdade. Respeitar todo mundo é papo furado de “ativista anti-gordofobia” que quer casar com ator de Hollywood mesmo pesando 200 quilos.

Isso não se cria na vida real. Na vida real, tem um custo para ser aceito por outros seres humanos. Repito: tolerar é necessário, aceitar é um nível acima. Eu não aceito gente que considero estúpida e orgulhosa de sua estupidez, é um desperdício imenso de tempo e energia. Gente que sabe menos que eu, mas tem educação básica e cabeça aberta para discutir? Eu respeito fácil fácil. Gente que sabe menos que eu e ainda quer forçar sua visão de mundo goela abaixo dos outros? Não merece respeito.

E você só sabe a diferença quando lida com a pessoa. Respeito é uma escolha que se faz numa relação depois que ela é iniciada. Ser civilizado é obrigação e se faz sempre, mas jamais misture isso com respeito. Eu não tenho e você não tem que ficar dando trela para coisas que não te acrescentam em nada. E por mais que eu entenda claramente que todo mundo sabe alguma coisa que eu não sei, vamos concordar que não vale a pena ir buscar essa coisa em todas as pessoas? Não quero nadar no esgoto para pegar uma moeda de um real…

Deve-se respeitar quem já mostrou que pode ser respeitado. Senão, qual a função de conhecer as pessoas? Se respeito for generalizado, não faz a menor diferença selecionar quem convive com você. Gera uma falsa sensação de igualdade onde ela não existe. Cada pessoa é diferente, e você escolhe quem vai respeitar de acordo com o que essa pessoa demonstrar. E outra: não é eterno. Eu posso errar no meu julgamento e mudar de ideia depois, meu julgamento pode estar certo e a pessoa resolver mudar depois. Respeito, salvo raras exceções, está sempre disponível, basta fazer algo para merecer.

Eu peço licença até para quem eu não gosto, isso não quer dizer que eu respeito a pessoa, só quer dizer que eu não quero perder o que me faz acreditar ter valor para ser respeitado. Respeito tem de custar muito mais caro do que custa hoje, e só podemos melhorar esse mundo se começarmos a cobrar.

Para dizer que respeita minha opinião, para dizer que respeita menos depois de ler, ou mesmo para defender alguma de suas opiniões estúpidas: somir@desfavor.com

SALLY

Respeito se conquista ou temos a obrigação de ter com todo mundo?

Respeitar os outros é obrigação, isso fala sobre você, não sobre o outro. Uma pessoa que opta por faltar ao respeito com alguém está passando uma imagem muito clara sobre ela mesma.

E, que fique bem claro, respeitar não é obedecer, respeitar não é acatar o que alguém fala nem concordar com isso. Respeitar é aceitar que o outro pense diferente de você ou que faça escolhas diferentes das suas sem intervir para impor as suas escolhas à pessoa. Respeitar é cumprir o pacto social combinado (as leis, as normas, os combinados), é entender que o seu bem-estar não pode ser obtido às custas do sofrimento alheio.

Não deveria ser necessário fazer essa ressalva, mas, lá vai: respeito pressupõe que a escolha ou o pensamento do outro não te prejudique. Seria no mínimo grotesco “respeitar o direito de um assassino de te matar”. Quando o outro te prejudica se sai da esfera do respeito e se entra no campo da autodefesa e autopreservação.

Como eu disse, respeitar não é acatar calado o que quer que te digam. Respeitar é conviver com as diferenças, se for caso, expondo educadamente sua discordância. Você nunca vai ver Somir ou eu indo em outros blogs criticar o que pessoas que pensam diferente da gente escrevem. Nós dizemos o que pensamos aqui e que cada um diga o que pensa em seus blogs.

O que se conquista é credibilidade. Se você quer me dizer que tal coisa é verdade, eu vou te respeitar. Posso discordar de você, posso não acreditar, mas eu vou te respeitar, não vou ficar indo na sua casa para te convencer do meu ponto de vista. Se você quiser vir na minha casa (Desfavor) ver o meu ponto de vista, sem problemas, mas eu não vou na sua.

Porém, para que você diga algo e eu decida acreditar, você precisa ter credibilidade. Esta sim se constrói e é mérito: você analisa as falas anteriores da pessoa, a forma como ela se porta e outros fatores, aí decide se é uma pessoa confiável ou não.

Confiança temos em poucos, respeito temos que ter por todos, se não a sociedade vira uma barbárie. Respeitar significa não discriminar, ofender ou impedir que uma pessoa realize suas próprias escolhas. Você pode achar que a pessoa que dá 10% do seu salário para o pastor é uma idiota, mas você vai até a casa dela, liga para ela ou vai em suas redes sociais para chamá-la de idiota?

Respeito é o pilar para uma sociedade democrática. No dia em que alguém se sentir no direito de impor seu ponto de vista ou suas crenças para o resto saímos da democracia e passamos ao autoritarismo.

E, percebam que estou falando de “opinião”. Impor o cumprimento da lei não é faltar com o respeito, é fazer valer um pacto social do qual todos participamos e concordamos, que envolve restringir alguns direitos e condutas em nome da sobrevivência coletiva. Não gosta? Não concorda? É bem simples: saia da sociedade. Vai morar em uma montanha, funda sua própria sociedade, com as suas regras.

Então, podem guardar os argumentos de “prega respeito, mas que impor o uso de máscara de vacina”. Sim, contagiar o outro com uma doença é proibido em lei, inclusive até criminal. Não é questão de opinião, de escolha pessoal ou de foro íntimo. Afeta a todos. Falta ao brasileiro a compreensão de conceitos básicos.

Respeito, meus queridos, é tudo que falta no Brasil, por isso muitos vão discordar que ele é devido a todos.

Para dizer que não respeita ninguém, para dizer que quer ser respeitado por todos mas não quer respeitar ninguém ou ainda para dizer que acha que respeito é que todos sejam obrigados a ouvir o sua opinião: sally@desfavor.com

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  • “Nada vem de mão-beijada nessa vida, respeito não poderia ser a exceção. Não vamos confundir respeito com civilidade e cordialidade básicas, isso eu acredito que seja obrigação sim: por favor, com licença e obrigado. Respeitar o espaço alheio, a posse alheia, todas coisas importantes para mantermos um mundo funcional. Agora, não é o fato de estar na mesma espécie que eu estou que vai me gerar obrigação de demonstrar respeito”.

    Concordo totalmente, Somir.

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