Influenciáveis…

A influenciadora digital Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, virou assunto nas redes sociais após divulgar seu planejamento para postar stories no Instagram. Entre a programação de postagens da ex-participante do “BBB 20”, um dos itens que mais chamou atenção foi o que diz: “Mostrar algo fofo do neném em no máximo três stories”. O script da influenciadora dividiu opiniões e ela foi parar nos assuntos mais comentados do Twitter. LINK


Sério que as pessoas achavam que não era planejado? Sério? Desfavor da Semana.

SALLY

Tem muita gente em choque ao descobrir que uma famosa influenciadora digital tem um “cronograma” de Stories, um script sobre o que falar quando coloca a cara em redes sociais. E, sinceramente, o desfavor da semana não é que influenciador tenha todas as postagens roteirizadas e coreografada, isso é óbvio, o desfavor da semana é a inocência/burrice do brasileiro de se chocar com isso.

Não precisa ter muita noção de realidade para perceber que a quantidade de conteúdo que um/uma influenciador digital bem-sucedido produz demanda, no mínimo, uma equipe de uma dúzia de pessoas. No caso da moça em questão, só a aparência dela demanda pelo menos uma hora de preparação. Iluminação, áudio, conteúdo, edição, roteiro, pauta e muito mais tem que ser cuidadosamente pensados para agradar ao seu público e aos seus patrocinadores.

Seria como você ter um galinheiro com três galinhas dentro e retirar de lá 200 ovos por dia. É óbvio que não são apenas essas três galinhas que estão colocando os ovos. Ou tem mais galinhas escondidas, ou tem gente colocando esses ovos ali. Não dá para se ofender ao “descobrir” que tudo que influenciador faz, fala e filma é pensado e roteirizado por uma equipe de produtores de conteúdo profissionais. Não dá para que uma cabeça pensante ache que uma única pessoa dá conta de tudo isso.

Mas, a julgar pela reação do povo, parece que o pessoal achava que era perfeitamente possível que uma influencer faça tudo isso sozinha e, pior, que uma influencer tenha uma casa sempre linda, sempre limpa, sempre perfeita, uma pele e cabelo sempre impecáveis e tempo para tudo. Não em admira que o Brasil seja um dos campeões mundiais de consumo de remédio de tarja preta, deve ser muito duro viver com essas expectativas irreais.

A pessoa deve se sentir um lixo ao pensar que tem mulher (com filho pequeno!) que faz tudo isso sozinha e ainda tem tempo para estar linda e maquiada. Não é real. E vou além: não apenas não é real, como a moça em questão nunca fez questão de sugerir que fosse real, que ela desse conta de tudo sozinha. Isso brotou do imaginário idealizador do brasileiro.

É típico: a pessoa se ilude sozinha, por ter uma cabeça ruim, e, quando a ilusão acaba ruindo, ela fica puta com terceiros. Influenciadores são um espelho da sociedade, se você não gosta do que vê, não adianta chutar o espelho. Influenciadores só existem e se sustentam se houver público que consuma seu conteúdo. Não gosta? Não consuma. Não gosta de viver em uma sociedade que prestigia isso? Tente mudar essa realidade. Ou então se mude: saia do Brasil (super recomendo).

Açoitar a moça por ela não corresponder às suas ilusões é um tremendo desfavor. Sejamos adultos e passemos a assumir responsabilidade pelas coisas? Ninguém TE ilude, você se ilude sozinho ou sozinha, escolhendo acreditar em eventuais inverdades. A responsabilidade é sua.

E aqui entramos em outro assunto desagradável: parece que a realidade não serve mais para as pessoas. Elas só querem consumir mentiras. Elas parecem fissuradas em viver a vida fantasiosa de outras pessoas. É como o homem que vê muita pornografia e depois acha sem graça fazer sexo com uma pessoa comum, só que na versão feminina: nada menos do que aquela vida “perfeita”, aquele corpo “perfeito”, aquele cabelo “perfeito” e aquela casa “perfeita” de influenciadora serve.

Isso é muito triste. Isso está gerando uma massa de pessoas, em sua maioria mulheres, infelizes, vazias, frustradas. A culpa é das influenciadoras? Claro que não. A culpa é de quem gasta seu tempo, sua energia e seu dinheiro na vida alheia em vez de usá-lo para melhorar a própria vida. A culpa é de um adultinho tão sedento por ilusões que dribla o bom-senso e acaba acreditando que elas são reais. E pior: querem o glamour da coisa, mas não a ralação!

Muita mulher sonha em ser influencer, mas te garanto que se chegasse lá, continuaria infeliz. É um trabalho extenuante. É um saco ter que fazer vários vídeos todo dia, sorrindo, alto astral, motivando, faça frio, faça calor, esteja com saúde, esteja doente, esteja triste, esteja feliz. É um trabalho do cão. Ganham dinheiro? Sim, as poucas bem-sucedidas ganham muito dinheiro. Mas pagam com a alma. Deus me dibre.

A maioria das pessoas não teria a disciplina e o senso de sacrifício para levar uma vida de influencer. Demanda tempo, planejamento, organização, disciplina e muita força de vontade. As pessoas querem só o que aquilo tem de bom: fama, patrocínio, admiradores. E acham que dá para ter isso, sem muito esforço e sacrifício. Não dá.

Eu me lembro quando nós começamos a escrever o desfavor, em 2008. Havia um boom de blogs e muita gente começou naquele ano. Pergunta quantos ainda escrevem. Pergunta quantos conseguiram sustentar postagens diárias por mais e um ano. E escrever um texto por dia é molezinha perto do que é a produção de conteúdo frenética de uma influencer! Poucas pessoas têm o que se precisa para isso. E quem não tem fica por aí dizendo que é fácil, que é “só” abrir a câmera e falar o que estiver pensando. Não, não é.

Eu fico me perguntando quantas pessoas não tentaram ser influencer fazendo isso: apenas abrindo a câmera e falando o que pensam, e, ao fracassar, se sentiram uma bosta. É como se eu te pedisse para fazer um bolo usando tijolo ralado e depois você comparasse meu bolo, feito com chocolate, com o seu. Não é que a pessoa seja uma merda, a pessoa está fazendo do jeito errado.

Então, de uma vez por todas: influencer é um trabalho, e, como qualquer trabalho, demanda planejamento, sacrifício e disciplina. Nada do que influencer fala é espontâneo. Nada do que você vê em vídeos corresponde à realidade. Não compare você, sua casa ou sua vida a uma mentira. E, por gentileza, influencer é o reflexo de uma sociedade: não gosta do reflexo? Tente mudar a sociedade em vez de chutar o espelho.

Mulheres, é hora de crescer, de amadurecer, de sair do mundo de ilusões. Vem pro mundo real, que é muito melhor do que ficar vendo vidinha perfeita da Instagram.

Para dizer que viveu para ver Desfavor defendendo uma influencer, para dizer que você se acha interessante o suficiente para abrir a câmera e falar o que te vem à cabeça ou ainda para dizer que é muito mais grave que tenham confirmado varíola de macaco no Brasil (terça falaremos sobre): sally@desfavor.com

SOMIR

Eu já tive minha fase de detestar influencers, e falar mal deles em todas as ocasiões possíveis. Achava um bando de desocupado que ganhava dinheiro com o vazio absoluto da intelectualidade do cidadão médio. Continuo achando que ganham dinheiro com o vazio absoluto da intelectualidade do cidadão médio, mas a parte de chamar de desocupados… é, não é bem assim.

Eu continuo não entendendo como alguém pode achar essa gente minimamente interessante, especialmente no caso de quem não tem nenhuma habilidade ou conhecimento específico. Gente que é famosa porque é famosa, ou só tem uma aparência bem cuidada… entendo que até faça sentido ver uma ou duas vezes, mas essa massa de seguidores e fãs apaixonados? Completamente alienígena pra mim.

Seja como for, eu posso achar uma porcaria e mesmo assim valorizar o esforço. Quanto mais a pessoa vai ficando famosa, maior a cobrança pela profissionalização. No começo da carreira dá pra ligar uma câmera e meter as caras, mas quando isso vira sua profissão, vemos uma separação clara entre quem tem o que é necessário e quem só queira bundear na rede social. Influencer é o novo jogador de futebol: muitos tentam, pouquíssimos ficam famosos e ricos de verdade.

Produzir conteúdo é puxado. Mesmo que seja futilidade pura, alguém tem que colocar tempo e esforço naquilo. O cidadão médio não é tão interessante assim. Se o Desfavor fosse sobre o que eu ou a Sally fazemos no dia a dia, vocês não estariam aqui. Nós temos que ir buscar temas no mundo para achar coisas que interessem a nós e a vocês ao mesmo tempo, a Sally literalmente compila as notícias mais escrotas do dia, todos os dias, há alguns anos! A gente tem que se esforçar para entregar conteúdo constante e ter de volta o prazer de sermos ouvidos e conversarmos com um grupo de pessoas mais interessante do que o cidadão médio.

Não tem atalho. De certa forma, o que a gente faz aqui é o mais próximo de um atalho que se pode fazer: usamos notícias e interesses generalizados para sempre ter do que falar sem ficarmos muito repetitivos. Nosso público acaba selecionado por interesses maiores do que o Somir ou a Sally. Agora, o influencer médio, tipo a moça da notícia? O público dela está nessa por admiração/aspiração por ela. Ela tem que ser interessante para gente que se embanana lendo um parágrafo. Para gente que não se interessa por muita coisa além da sua vida momentânea, por preguiça ou incapacidade intelectual mesmo.

A moça tem que apresentar um show diversas vezes por dia apelando para um dos menores denominadores comuns da cultura humana: macaco pelado gosta de ver outros macacos pelados fazendo coisas que o macaco pelado queria fazer. Boca Rosa tem que se enfeitar para encantar seu público o tempo todo, simulando uma vida que ninguém pode ter na realidade. E várias vezes por dia. É tipo uma atriz de novela cuja câmera nunca desliga de verdade.

A surpresa aqui é que muita gente nunca parou para pensar nisso: em como o conteúdo que acompanham é moldado por seus gostos. Se eu e a Sally começarmos a postar fotos pessoais banais sobre nossa vida cotidiana, frases de autoajuda bregas e comentários sobre reality shows aqui e nada mais, quase todos vocês vão embora e no lugar entra outro tipo de pessoa completamente diferente, que vai incentivar mais e mais disso. O conteúdo molda o público, mas o público molda o conteúdo.

A sensação que fica é que para o público dela queria a ilusão de uma vida fácil e perfeita, e acima de tudo, não queria ver a verdade por trás disso. Não precisa pensar muito para saber que sem esforço e planejamento não dá para fazer quase nada direito nessa vida. Boca Rosa era uma expectativa infundada que a vida poderia ser perfeita e sem esforço para seu público. Eu não duvido que muitos dos que reclamaram realmente não tinham noção racional de que era tudo uma grande novela da vida real, mas o inconsciente tem que saber. Se você está nesse mundo há mais de uma década, você tem que saber que as coisas dão trabalho e não acontecem por mágica.

Mas o cidadão médio afunda essa noção bem fundo, para não ter que lidar com o problema existencial de ter agência sobre a própria vida, de ter uma parcela de culpa em cada um dos seus problemas. A própria ideia de existir um método para ser uma influencer de sucesso é tóxica para quem quer se achar vítima do universo. Eles só queriam ver uma pessoa “simplória” que nem eles se dando bem, era algo para aspirar que não exigia nenhuma mudança profunda. Não é à toa que tantas dessas influencers trabalham com maquiagem…

Se tem um sinal inegável que o cidadão médio não entende o que é ser influencer, youtuber, tiktoker ou seja lá o que for, é o de que boa parte das crianças aspiram essa profissão. Criança não sabe fazer nada, não aprendeu porcaria nenhuma ainda, criança ainda nem entende o conceito que precisa conquistar o interesse e afeito alheios. É claro que a criança quer ser youtuber: é só fazer o que sempre faz e o amor que recebe dos pais e dos adultos ao seu redor vai vir de mais lugares. Só tem o que ganhar!

Mas criança é criança. A gente ri e acha bonitinho que ela fique brincando de ser youtuber, quando ela crescer, vai ver que a vida é mais complexa do que isso, que ninguém tem “personalidade” para se tornar popular, que depende de esforço, investimento e provavelmente, uma boa parcela da sua saúde mental. Gente famosa tende a ser descompensada, porque o preço existe.

Mas, vendo como tantos dos fãs da Boca Rosa reagiram ao planejamento de stories… será que eles cresceram mesmo? Será que eles entenderam essa lição?

Para dizer que é para correr para as colinas, para dizer que adoraria ver eu fazendo um tutorial de maquiagem, ou mesmo para dizer que influencer é o novo bobo da corte: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Se não há quem se deixe influenciar os influenciadores acabarão.
    Não perco o meu tempo com influenciadores, comigo nao ganham um puto de 1 centavo.
    Não vejo nada, não sigo nada, não preciso de nada deles, acho humilhante me deixar influenciar por quem não vive a minha vida.
    Enquanto houver otário, malandro se dá bem.

  • Fazer vídeos é difícil. Por um pequeno período trabalhei produzindo vídeos de gameplay para um canal minúsculo, e foi árduo: você não só precisava saber jogar como também pesquisar sobre, traduzir os textos, explicar contextos do game, ter conexão e PC com hardware e softwares para dar conta de tudo isso… E em uma plataforma como o YouTube, que trabalha CONTRA você.

    Sem falar que ainda tem que lidar com desocupado que vem falar merda nos comentários ou com quem acha que é super simples jogar, gravar, editar e subir os vídeos… Não é.

    É como serviço doméstico: quem não faz acha que você vive com o cu pro ar mas na verdade tá ralando e rapidinho deixa se ser divertido, sem falar que é extremamente difícil você chegar no patamar de um Velberan, Rato Borrachudo, Davy Jones, etc.

    • Quem trabalha com internet tem que ser bem resolvido a ponto de não se importar com o que desconhecidos pensam, se não, fica maluco

    • O público pensa que é fácil porque só vê o produto final e não as muitas horas que são gastas para se fazer tudo, e nem o tempo e o dinheiro investidos em preparação e equipamento.

  • Essa Bianca Rosa não é uma que lá no início da carreira combinou de maquiar uma noiva, recebeu parte do pagamento e no dia combinado foi passear no shopping deixando a noiva na mão? Impressionante como as pessoas tem memória curta.

    Desde que eu descobri que a Shakira tem cabelo liso, nada mais me choca nessa vida, entendi definitivamente que todos os famosos são fabricados.

    • Pior: ela vendia uma cinta modeladora e dizia que seu corpo estava mais bonito por causa dessa cinta e acabaram descobrindo que, na verdade, ela fez uma lipo. Ela negou, mas quando provas surgiram, ela admitiu que fez lipo e que por isso estava com o corpo mais magro, não pela cinta.

    • Shakira, cabelo liso? Tá mais para cabelo volumoso, ondulado, mas sem definição de cachos.

      Na época em que ela era famosa só na Colômbia e no RS (aleatoriedades da vida), ela pranchava o cabelo até ficar escorrido (exceto quando fazia shows em lugares de menor evidência como foi na minha cidade, aí o cabelo ficava natural e não era liso, não – mas também não era essa vibe mucho loca, latina e selvagem que ela adotou quando ganhou projeção internacional.

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