Dificuldade animal.

Sally e Somir tem animais de estimação, mas os tratam de forma bem diferente, como era de se prever. Na hora de pensar no que mais dá trabalho com os bichos, os dois discordam mais ainda. Os impopulares pegam a discussão para criar.

Tema de hoje: qual a pior parte de ter animais de estimação?

SOMIR

Providenciar afeto e atenção. Não, não sou eu pagando de monstro insensível, na verdade, muito pelo contrário. Eu entendo que animais de estimação estão num nível mental muito próximo de uma criança de dois ou três anos de idade. Eles ficam velhos, claro, mas ainda são crianças mentalmente.

E crianças precisam de bastante afeto, especialmente quando estão vivendo em função de um adulto. O cachorro ou o gato de rua se adaptam a uma nova realidade, mas os que foram criados desde muito pequenos por seres humanos perdem boa parte da sua independência. Mesmo gatos. Eles entendem que vivem ao seu redor, que você é o ponto central da vida deles.

E aí que eu me sinto mal quando não posso corresponder esse afeto. Quer dizer, posso, mas não estou sempre com vontade disso. Vejam bem, podemos adorar bichos, mas são bichos. A comparação com uma criança humana só vale na hora de definir o intelecto, porque no resto não dá. Com uma criança você tem a responsabilidade e até mesmo instintos de atenção constante. O bicho tende a ficar em segundo plano.

Não dá para pegar um bicho pra criar e deixar ele sozinho a maior parte do dia. Não dá para deixar um cachorro largado no quintal. O mínimo que se espera de uma vida decente para qualquer animal de estimação é ter companhia e atenção na maior parte do tempo. As pessoas criam animais neuróticos porque não se dão conta que aquele ser não está bem abandonado ou ignorado por horas a fio.

Ou fingem que não percebem.

Eu não finjo, eu me sinto obrigado a fazer companhia e providenciar atenção e afeto para o bicho que eu resolvi colocar dentro da minha casa. O bicho não está lá como um objeto que você procura quando te interessa, ele é um ser vivo, e especialmente no caso do cachorro, um ser vivo social.

Então, fica essa pressão de saber que precisa fazer mais e ao mesmo tempo, a realização que é só um animal. Com raras exceções, o cachorro ou até mesmo o gato vão perdoar quase qualquer abuso ou abandono, é por isso que tanta gente gosta desses bichos, mas é por isso que me incomoda profundamente não ter saco para tratar eles tão bem quanto merecem.

É uma regra de vida que eu tento seguir: a pessoa que é mais propensa a te perdoar tem que ser justamente a que você mais se esforça para não fazer coisa errada. Por uma lógica transversa, é meio assim que eu enxergo bichos e crianças. Dá teu jeito, mas não decepciona, não deixa de dar atenção e carinho.

Sim, animais de estimação não tem toda essa complexidade mental que inventam por aí, mas não é sobre o ser mais simples, é sobre o ser mais complexo. Eu tenho capacidade de perceber uma escrotice realizada contra um ser indefeso, então eu tenho que assumir a responsabilidade por isso.

Adoraria que animais de estimação viessem com botão de desligar, que eu só deixasse viver enquanto eu pudesse dar o afeto necessário para eles, mas não é assim que a natureza funciona. O resto de dar comida, limpar merda, levar no veterinário, botar limite… isso é mecânico. Só fazer um esforço físico rápido e está resolvido.

A parte psicológica que dá trabalho mesmo. E eu realmente não sei se eu tenho o que é necessário para oferecer o tipo de atenção que julgo necessário para um bicho. Me sinto mais tranquilo com gatos atualmente, que realmente tem natureza mais solitária, mesmo assim eu me sinto obrigado a retribuir a atenção deles.

Isso eu acho bem mais cansativo. Não sei se eu vim com problemas de fábrica ou décadas de internet acabaram com minha capacidade de concentração por mais que alguns minutos, mas me esgota rapidamente. Começa a virar obrigação. Faço porque acho feio não fazer. E francamente, não é lá um bom motivo para fazer qualquer coisa relacionada com afeto, não?

Eu que não vou ser um lixo em forma de gente e abandonar o bicho que está comigo, mas às vezes eu queria que eles hibernassem uns seis meses por ano para eu poder relaxar mais. Claro, não estou em depressão por causa disso nem fico sofrendo todos os dias, mas se for para comparar a pior parte de ter um bicho entre as tarefas puramente mecânicas e a necessidade de atenção de uma criança que nunca cresce… é, eu acho a parte psicológica mais puxada.

Eu estou mais e mais calmo, meus bichos não ficam mais neuróticos, mas já ficaram… e eu me culpo até hoje pelo péssimo serviço prestado. Claro, eram cachorros, nem devem ter ligado, mas eu liguei. E decidi que a partir dali era pra fazer direito ou não fazer mais.

Menos na parte de prender gato em casa, que a Sally fica me xingando por não fazer. Isso mesmo se for errado eu continuo fazendo: gato que não sobe em telhado não está vivendo. Caguei se é menos seguro. Vai pro telhado sim.

Bichos: faz direito ou não faz. E fazer direito é 10% alimentação e saúde, 40% atenção e afeto e 50% subir no telhado (ou passear se for cachorro).

Para dizer que eu que sou neurótico, para dizer que não paga para sair texto essa hora, ou mesmo para dizer que tem peixe e não liga pra nada disso: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a pior parte de ter animais de estimação?

Tem muito texto aqui no Desfavor sobre as alegrias e benefícios de ter um animal de estimação, mas hoje, vamos para o lado oposto: a pior parte, para mim, qualquer que seja o animal, é ter que limpar merda.

Eu sei que tem outras demandas trabalhosas, coisas como brincar, levar para passear (todo cachorro precisa de passeio, mesmo que viva em uma fazenda), escovar o pelo, dar banho, tosar, vermifugar etc. Mas tem uma diferencia crucial: a merda, você tem que limpar, não dá para adiar. Todo o resto você pode esperar um dia, dois dias, uma semana, enfim, pode se dar um descanso. A merda não, a merda fede no minuto que sai do bicho.

Quem é leitor regular sabe que eu tenho problemas com merda. Um nojo profundo. Eu não gosto de merda, nem mesmo da minha, ok? É quase que uma violência ter que pegar um tolete quentinho de cachorro e limpar. Mesmo tendo jardim, tem que tirar o tolete do jardim, né? Acho um horror, um atentado estético e civilizatório.

Não sei os bichos de vocês, mas meu cachorro não tem hora para cagar. Caga quando bem lhe aprouver. No lugar certo, porém quando a natureza chama. E às vezes a natureza chama às três da manhã, quando a temperatura está abaixo de zero e se não limpar o tolete empesteia o ambiente. Sair da cama quentinha para limpar um charutinho morno fedido acaba com a minha noite, dificilmente eu consiga voltar para a cama e dormir de volta.

Para as outras coisas existem recursos. Não permanentes, mas existem recursos para minimizar o esforço. Tem máquina que joga a bolinha automaticamente pro cachorro, tem joguinho para gato em tablet… Óbvio que eventualmente você vai dar afeto para o animal, mas se um dia estiver cansado ou doente, tem algumas opções de apoio. Me diz se tem aplicativo que limpa merda de bicho. Tem? Não tem. É você. Com febre, com sono, com perna quebrada… é só você.

Você pode inclusive ter dois pets, para que um brinque com o outro e demandem menos de você, alivia o grau de atenção que você tem que dar de forma permanente, você não é mais todo o social que aquele animal tem, ele tem outro animal para brincar. Já a merda… a merda duplica. A merda é um problema sem solução.

E se o seu pet, assim como o meu, for muito peludo, ainda pode vir um brinde extra no processo de limpar a merda: limpar a bunda, se, por algum azar, no processo da cagada a merda enroscar em um pelo. Eu faço tosa higiênica nele e acontece mesmo assim. Veja bem, eu não levo para fazer, eu fiz um curso de tosa, eu mesma faço, o que significa que faço o mais bem feito que pode ser feito e… ainda assim, pode acontecer. Meu cachorro parece um babuíno de tão cu raspado que é, e mesmo assim, ocorrem acidentes.

Vamos combinar, quem não tem tempo pode ter animais que não demandam tanta atenção, como peixes, hamster ou coisa do tipo. Mas, ainda assim, eles cagam. A merda está sempre lá. A merda é um problema onipresente. Para todo o resto tem recurso, tem solução, tem opção. A merda, ela é obrigatória. É mandatório: tem pet, tem que limpar bosta.

E geralmente bosta de pet não cheira bem. Eu sei, nenhuma merda cheira bem, mas você já viu merda de quem tem dieta rica em proteína? É barra pesada. A menos que seu pet seja uma cabra, você sabe do que eu estou falando. É de fazer o olho lacrimejar, mesmo que o pet seja pequeno. Quem já passeou de carro com um cachorro peidorreiro sabe bem a que me refiro. Um pinscher pode fazer quatro adultos dentro de um carro gritarem de desespero.

Eu sei que pets podem ter comportamentos chatos, mas existe adestramento, existe enriquecimento ambiental, existem formas de corrigir comportamentos indesejados. Mas merda? Qual é a solução? Uma rolha? Não tem alternativa, não tem mitigação, não tem como contornar. No dia em que você leva um pet para casa você assina um contrato de limpar merda todo dia pelo próximos 10 a 20 anos. E é uma cláusula inegociável.

Eu já fico puta que eu tenha que cagar, pois acho indigno, imagina ter que manipular a merda alheia. “Ain mas é seu bichinho, você não ama ele?”. Gente, você certamente ama seu pai, sua mãe, seu marido, sua esposa… isso te blinda de achar a merda dessas pessoas nojentas? Suponho que não.

Questões circunstanciais como estar cansado, estar sem paciência, estar sem tempo são… circunstanciais. A repulsa a merda é uma constante. Inclusive é uma constante com explicação: nosso corpo é feito para achar merda nojenta, para não chegar perto dela, pois pode conter doenças e pode causar problemas. Então, é meio que um mecanismo inevitável do corpo humano que você vai desafiar diariamente por muitos anos.

Preguiça de fazer algo não se compara com uma barreira biológica e comportamental que grita para que você não manipule excrementos. Desculpa, mas não tem comparação. Cá entre nós, eu duvido muito que o Somir limpe a merda dos 457 gatos que ele tem, alguém deve fazer isso para ele, se não ele não estava aqui defendendo essa postura.

“Ain mas eu não vejo nenhum problema em merda”. Ok, mas aqui eu estava falando com as pessoas NORMAIS, com senso de higiene. Seja muito feliz fazendo pulseiras de miçanga e batendo palmas para o por do sol e permita-nos continuar a nossa conversa sobre o mundo civilizado.

Eu pensei em usar mais um argumento, mas vou poupá-los. Ia entrar em detalhes de uma das derivações do tema, que é quando o pet tem diarreia, mas não vou. A semana passada foi uma semana muito escrota e pesada, acho que todos precisamos de um pouco mais de alegria e leveza nas nossas vidas. Mas tenham o argumento em conta: se tem coisa pior do que limpar diarreia, eu desconheço.

Para dizer que eu esqueci de citar quando a merda sai com vermes, para dizer que o pior é a conta do veterinário ou ainda para dizer que eu reclamo de merda de pet por nunca ter visto merda de bebê: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Pra mim, os gastos com saúde. Manter um animal sadio custa muito dinheiro. Tudo é caro, e o pior, periga nem dar certo pelo fato de serem animais. Aqui em casa tenho 5 gatos e 1 cachorro. Quando estão doentes, já bate a tristeza por vê-los doentes e pela bagatela que irá custar o tratamento.

  • O aplicativo que eu uso pra limpar merda se chama minha mãe ou então a diarista. Eu não limpo merdas. Merda é uma merda mesmo!

  • Limpar vômito é outra desgraça.

    A pior parte para mim são os gastos. Criar um animal e mantê-lo saudável requer condições financeiras para tal. Não é simplesmente jogar no quintal e achar que ele se vira.

  • Aqui na minha cidade as pessoas resolvem o problema da merda de forma bem fácil: levam pra cagar em lugares públicos e não recolhem. Uma escrotidão. Eu tenho dois porquinhos da índia, o Costela e o Chuleta, e as caquinhas são bem fáceis de juntar

    • Realmente, Female Evil, esse negócio de levar o cachorro para cagar em lugares públicos e depois não recolher é mesmo uma escrotidão. Coisa de filhos da puta sem costumes. E tem gente porca assim, infelizmente, em tudo quanto é lugar pelo Brasil todo.

  • Assim como a Sally, eu não gosto de limpar merda, mas vou ficar com o Somir nessa. Eu também me sinto péssimo quando percebo que não estou dando atenção suficiente aos meus bichinhos. Eu também nunca posso esquecer do quanto eles dependem de mim. Tenho muita dó tanto daqueles cujos tutores são negligentes demais quanto dos que tem donos exageradamente “afetuosos” a ponto de querer humaniza-los, De um jeito ou de outro, os animais sofrem. E muito. Já se o cachorro ou o gato cagam a qualquer hora e em qualquer lugar, geralmente quem sofre sou só eu. Limpar a caca deles é desagradável, sem dúvida, mas ainda assim eu consigo lidar com isso.

  • Vocês já viram que máximo o toilete para gatos? É um adaptador que permite aos gatos usar a mesma privada que os humanos, eliminando caixa de areia e afins. Muito prático, só dar descarga. Pena não ter o mesmo para cães.

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