Vida de volta.

A situação é totalmente hipotética: você fica sabendo de um método de trazer de volta à vida uma pessoa, sem nenhuma consequência negativa, ela volta saudável e sem traumas, uma segunda chance “perfeita” para quem você quisesse. Sally e Somir lidariam com a situação de forma muito diferente. Os impopulares dão vida à discussão.

Tema de hoje: se você pudesse ressuscitar uma pessoa amada sem consequências negativas para ela, você o faria?

SOMIR

Sim. Vida é um estado da matéria, por assim dizer. Cada um de nós é uma combinação específica de átomos que é capaz de ter uma consciência. O ser humano complica desnecessariamente essa situação: não precisa ter nada mágico na vida ou na morte. Por isso, caso eu saiba que não existem consequências negativas como muita dor ou sofrimento inerentes ao processo de voltar à vida, eu não hesitaria um segundo em trazer alguém de volta.

E eu digo isso porque eu adoraria ser trazido de volta caso morresse. Não sei que tecnologia incrível seria essa que me faria voltar com as memórias da vida pregressa, mas se ela existe, fica meu pedido expresso de usarem em mim na primeira oportunidade.

E eu não preciso me achar muito especial para fazer esse pedido. Pra mim é como se estivessem oferecendo um chocolate: se não for com veneno, é claro que eu aceito. É só isso, só aceitar uma coisa que você quer. Claro, se precisassem sacrificar vinte crianças para me trazer de volta, eu não me sentiria confortável com a ideia, mas se for só começar um processo de restauração do meu corpo e mente, manda ver.

Porque no final das contas, só me deram uma escolha. Basta estar vivo para poder escolher estar vivo. Como não temos consequências negativas nessa hipótese, não é como se voltar à vida significasse ser incapaz de fazer qualquer coisa. Você ainda poderia escolher voltar a estar morto se quisesse. Pensem: a mesma sociedade que tem tecnologia para trazer alguém de volta com suas memórias com certeza não tem problemas éticos com eutanásia ou suicídio legalizado. E mesmo que tivesse, quem quer morrer consegue.

Se eu daria essa escolha pra uma pessoa amada? Claro que daria. Eu faço com os outros o que espero que façam comigo. No caso da Sally, que avisou expressamente não querer voltar, a decisão já foi tomada; mas para quem nunca disse com todas as letras que não queria voltar, a decisão ainda pode ser tomada. Se ela quiser continuar viva, bacana, se ela quiser voltar para a morte, bacana também. Ajudo se necessário.

Eu não sou um desesperado para viver para sempre, mas sou da opinião que tempo é o maior recurso do universo. Você pode viver 10, 100 ou 10.000.000 de anos sem sequer arranhar a duração esperada do universo. O meu maior medo é perder o poder de escolha nesse meio tempo, mas como nesse caso a escolha ainda está na mão da pessoa, você não causou nenhum problema cósmico com a decisão. Se ela estiver a fim de viver mais um pouco, que viva.

E outra: ninguém disse que tem que continuar a mesma vida de antes. O mundo vai ter mudado, as pessoas vão ter mudado. Vai ter uma nova realidade para se adaptar, o que pode ser bem estimulante. Eu não seria egoísta de trazer de volta uma pessoa para viver em minha função, eu só ficaria feliz de ela ter a escolha novamente. Se o caminho desejado por ela dessa vez for à minha distância, não muda a felicidade de ter dado mais uma vida para quem eu gosto.

E pra mim, achar que o mundo vai piorar com o tempo é a mesma coisa que achar que o Sol não vai nascer amanhã: temos milhares de anos de história humana documentada dizendo que tudo melhorou sem falta até aqui, de repente vai piorar? Não faz sentido nenhum. Cada um dos problemas do presente vem junto com mil soluções do passado. Somos a geração mais mimada da história, e só vamos perder para as próximas.

Se puderem me trazer de volta daqui a mil anos então? Eu traria todo mundo de volta que pudesse em meio segundo, porque na pior das hipóteses vamos estar numa humanidade interestelar, com tecnologias incríveis e seres humanos médios mais inteligentes que a pessoa mais inteligente do mundo hoje. Podem me trazer de volta até para ver a morte do universo, vai ser fascinante.

O tempo é muito grande, você não precisa ter pressa de nada, nem mesmo de morrer. Que diferença faz se você passou uma ou duas vezes na fila da vida? Ou mil? Ainda não vai ter visto nem 1% do tempo disponível. Nós somos pequenos assim. Grãos de areia no deserto do espaço/tempo. É uma decisão inconsequente, se você parar pra pensar. A pessoa só vai ter mais uma chance. Se quiser experimentar a vida de novo, experimenta, se já estiver de saco cheio, provavelmente é só apertar um botão e voltar para o descanso eterno.

Voltar da morte não é uma escolha para nós que vivemos hoje, mas e se for para quem viver no futuro? Eu sou nerd e já pensei nisso várias vezes, mas o cidadão médio dificilmente lidou com a ideia. Só na prática mesmo para saberem se querem tentar mais uma vez ou não. Eu iria mais além: se desse pra voltar à vida por uma hora, mas no futuro distante, eu adoraria essa hora extra. Não é apego à vida, é curiosidade.

Se a minha curiosidade morrer, aí sim eu vou me considerar morto. Eu não sei um bilionésimo do que se pode saber hoje em dia, imagine só numa civilização que pode trazer pessoas de volta à vida? Pode me chamar de volta sem dó, porque vai ter muita coisa para ver e aprender, nunca vai ser chato. E se alguma pessoa amada que eu trouxesse de volta não achasse graça em nada disso, talvez achasse em prazeres mais banais. Talvez aproveitasse a chance para fazer algumas coisas que deixou de fazer antes.

Hoje em dia a escolha de voltar não existe, quando ela existir, eu acho super justo que retroaja. Você que nunca teve a escolha pode escolher agora. Pode ser que retorno à vida aconteça numa sociedade que não tenha alcançado pós-escassez ainda, embora eu não ache provável, mas mesmo se acontecer, pode me chamar de volta. Se for uma merda estar vivo de novo, eu escolho morrer então.

Mas pelo menos eu tive a escolha. Eu não a tiraria de alguém que eu amo.

Para dizer que eu vou voltar para ser escravo de robô, para dizer que adoraria desperdiçar outra vida, ou mesmo para dizer que eu sou otimista demais: somir@desfavor.com

SALLY

Se você tivesse o poder de ressuscitar uma pessoa amada que faleceu, sem nenhuma consequência negativa que venha daí, você o faria?

Não. Acho egoísmo: para que eu não sinta a ausência da pessoa vou trazê-la de volta sem seu consentimento? Não mesmo. E se um dia alguém me trouxer de volta já vou avisando que vou ficar muito puta! Deixo aqui consignado: não quero voltar. Me deixem descansar!

Eu não sou da turma romântica que acha que o mundo é um bom lugar para morar. Eu acho um esforço viver na atual sociedade, neste planeta, nas atuais condições. Tudo bem, já estamos aqui mesmo, vamos dar o nosso melhor, vamos trabalhar para que quem vem encontre algo mais legal, vamos fazer a nossa parte. Mas voltar? Aí não. Volta quem quer, se quer. Voltar trazido pela orelha por terceiros? Acho até falta de respeito.

Eu não pego nem uma roupa de outra pessoa sem pedir, imagina se vou tomar uma decisão dessas, de forma unilateral! Trazer a pessoa de volta não vem em um combo mágico aonde ela volta saudável, rica, com saúde mental e totalmente adaptada ao mundo. A pessoa vai ter que continuar trabalhando para se sustentar, passando por todos os estresses, perrengues e lidando com todas as questões que a afligiam.

Será que a pessoa quer passar por tudo isso novamente? Essa é questão, e não se você quer a pessoa por perto novamente. Ninguém segura o rojão de ser quem é, a não ser a própria pessoa, só ela vai saber dizer se vale a pena voltar. Acho muito complicado alguém responder por ela sobre voltar a este mundo. Deixamos de tomar decisões menos importantes pelos outros, por questão de respeito, seria estranho tomar essa.

E não é só sobre a vida da pessoa. Trazê-la de volta implica em continuar uma jornada e ter que cruzar a reta final pela segunda vez. Deixa eu te contar um segredo que você talvez só descubra quando for mais velho: dificilmente alguém morre sereno, sem dor, sem doença e sem sofrimento. Acontece, mas é raro. A regra é morrer em situações muito sofridas, assustadoras e desconfortáveis. Mas nem fodendo que eu faço com que uma pessoa que eu gosto passe por isso pela segunda vez!

Olhe à sua volta. Você acha este planeta, este continente, este país, um bom lugar para estar? Olhe à sua volta e analise friamente. Tem certeza de que vai ser bom para a pessoa voltar para cá? Eu não tenho essa certeza, portanto, não vou mexer com aquilo que não entendo completamente.

Você sabe em que condições a pessoa está agora? Eu não sei. Se você acredita em algum desses pacotes fechados tipo céu, paraíso e Nosso Lar, eu não acredito. Não tenho a menor ideia do que se passa no pós-morte, nem sequer se existe algo. Como posso tomar uma decisão sem ter o mínimo de informação para ponderar sobre o que estou fazendo? Para avaliar se é o melhor para a pessoa? Seria uma decisão totalmente no escuro. Eu não tomo decisões no escuro com pessoas que eu gosto.

Com base em que eu puxaria uma pessoa de volta para cá? Para ela ter a alegria, o privilégio, o deslumbramento de conviver comigo novamente? Faça-me o favor, eu não sou assim tão importante. Deixa as coisas seguirem o curso natural, diante da falta de informações, eu tendo a pensar que as coisas acontecem na hora certa e da melhor forma possível. Não pretendo tentar controlar o que não entendo, pois dá merda.

Acho até arrogante tomar uma decisão sem ter a menor ideia do contexto. Se eu te perguntasse se você acharia bom que uma pessoa amada seja demitida do seu emprego para ela trabalhar na sua empresa, o que você responderia? Pessoa decentes respondem “depende”. Se a pessoa tem um emprego ruim, talvez seja bom, mas se ela está em um cargo bom, bem remunerado e está realizadas, seria uma puta sacanagem tirá-las dali. E, convenhamos, na proposta de hoje a “empresa” para a qual elas vão é uma bela porcaria.

Mesmo religiões alegres e otimistas, como espiritismo, dizem que a Terra é um planeta de “expiação”, ou seja, um cantinho do castigo onde você vai pensar com calma nas merdas que fez (ainda que não se lembre delas… que bizarro) para tentar se tornar uma pessoa melhor. Eu lá vou trazer de volta alguém para o cantinho do castigo?

E não é como se o planeta Terra estivesse melhorando com o tempo. Desastre climático, pandemia, desigualdade, tem um monte de danação em andamento e algumas por vir. É como trazer uma pessoa para um prédio que está pegando fogo. Vai bem à merda quem fizer uma coisa dessas. Deixem os mortos em paz.

Se eu tenho vontade de trazer de volta pessoas amadas que se foram? Óbvio! Me fazem muita falta, sinto muita saudade, minha vida seria muito melhor e mais feliz com elas por perto. Do meu ponto de vista egoísta, a resposta seria sim, eu as traria de volta. Felizmente eu consigo pensar um pouco além e priorizar o bem-estar delas. Amar é isso: é, acima de tudo, querer ver o outro bem, querer o melhor para o outro – ainda que isso não signifique, aparentemente, o melhor para você.

Além disso, como eu disse, quem vem, vai pela segunda vez. Não estou com muita vontade de ver pessoas amadas morrendo novamente nos meus braços, vai desculpar, mas é sofrido demais para mim. Não quero bis.

Se a pessoa fosse me pedisse ajuda para voltar, eu até faria o esforço, em nome de atender a seu pedido e fazer aquilo que a deixa feliz. Mas eu tomar essa decisão sozinha que, além de me parecer falta de respeito, me coloca na posição de sofrer outra perda (ou da pessoa ter que passar por esse sofrimento se eu me for) eu não topo.

Estou mais inclinada para o outro lado desse tema: eu acho que mais pessoas têm que ir, em vez de achar que pessoas tenham que voltar. O planeta está abarrotado, está complicado e a vida não está fácil. Deixa que os mortos descansem, se realmente existe algo após a morte, prefiro eu me encontrar com ele ao morrer do que trazê-los de volta para essa canseira que é a vida. Na real, sortudo é quem saiu deste mundo, não quem está ou volta para ele.

Para dizer que eu lido muito mal com a morte (é verdade), para dizer que traria a pessoa para te ajudar a pagar as contas ou ainda para dizer que o último que ressuscitou não deve ter gostado muito, pois nunca mais voltou: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • “Na real, sortudo é quem saiu deste mundo, não quem está ou volta para ele.”

    Nossa, q pessimismo é este …???…

    Tbm sou um tanto pessimista… mas msmo asdim n consigo perder a esperança!

  • Olá, cheguei aqui por acaso… ja tinha encontrada a desciclopeedia mas n sei como demorei tanto tempo pra encontrar o site aqui visto q tem uns 9 anos no minimo (pena q n o encontrei antes).

    Em relação ao tema entendo as duas perspectivas e fico em duvida qnto a elas mas eu procuraria saber da pessoa o seu desejo antes… mas apesar do q a Srta Sally disse há a questão de qnto as pessoas n querem morrer, claro q com a idade proxima do limite do corpo ja n tenha mto o q ser feito msmo, mas se as pessoas n querem morrer acho improvavel dpois de mortas n ficarem satisfeitas ao serem ressucitadas… e em nenhum momento ser ressucitado está vinculado a ficar com a msma pessoa ou seguir a vida anterior, as pessoas são livres pra escolher (enqnto tiverem esta capacidade), entao pode partir de um egoismo mas n ser um propriamente!

  • Pessoas de volta para cá? Nem morta…mais poluição e desperdício de recursos naturais.

    Só valeria a pena se o falecido pedindo para voltar tivesse conhecimentos e habilidades para agregar algo ao planeta ou salvá-lo de mais degradação, ou poderia ajudar a solucionar um(a série de) crime(s).

    Como foram o indigenista Bruno Pereira ou Nikola Tesla, por exemplo.

    • Olhe, na vdd nenhum destes fez mto realmente em prol da maioria, o cara fez tanto q morreu… olhe vc ter intenção mas n ter ideia de como usar é igual a qm n tem afinal vc só chegará a poucos… o Bruno morreu e aí… algm vai continuar o legado dele …???… ou seja, o q ele fez adiantou mto mais pra ele do q praqueles q ele queria ajudar!!!

  • Não. Eu já sou insatisfeito com a vida, então não traria alguém que eu amo pra sofrer nesse mundo, nunca iriam me perdoar. É o mesmo que procriar, não se deve procriar em mundo cada vez pior. Nós somos a geração final dos tempos, o planeta já foi todo sugado e agora restou só o bagaço.

    • Na vdd é indiferente o q ocorre, tdo faz parte da natureza e do universo, logo a vida vai cessar na Terra novamente… na vdd o q temos é a oportunidade de estarmos vivos e aproveitar toda condição q chegamos, mas em nenhum momento deixamos de ser parte da historia e afetados por todos os elementos, por isto viver é algo q devemos aproveitar a cada segundo e tentar ao maximo estar em harmonia, desfrutando de tdo q favorece o maximo de tempo possivel pois o desarmonico tbm é uma realidade… sinceramente a vida é algo pessoal, uma jornada individual um tanto solitária e egoista q de um jeito ou de outro acabamos colocando nos msmos a frente de tdo (ate nos nossos momentos mais altruistas)… e como ela é assim (e é dificil ser de outro jeito) so espero estar tranqlo na minha consciencia antes de morrer, estar em paz comigo msmo pq é tdo o q cada um tem realmente!!!

  • Mas , Sally, e quanto às pessoas que amamos que se vão de forma inesperada, estúpida e injustificada como em muitos dos assassinatos por motivos torpes e latrocínios que acontecem a rodo no Brasil? Você não gostaria de poder ter de volta uma pessoa que teve a vida e o futuro interrompidos nessas circunstâncias?

  • Não. As duas pessoas em questão na minha vida deixaram BEM CLARO em conversas do gênero que não gostariam de voltar, se um dia isso fosse possível. Então, por respeito ao “pedido”, não.

    Mas admito que talvez reviveria meu gato…

  • Não, porque nenhuma das minhas pessoas queridas que já faleceram são especiais. Se uma delas fosse um gênio que poderia trazer algum benefício pra ciência, talvez sim.

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