Volta por cima.

A vida é cheia de reviravoltas e não faltam histórias de pessoas que saíram de péssimas situações para ganharem muito valor, seja ele em popularidade, recursos, poder… Sally e Somir conhecem várias delas, mas não chegam no mesmo lugar ao escolher a mais chamativa. Os impopulares contam as suas.

Tema de hoje: qual foi a volta por cima mais espetacular que uma pessoa pública já protagonizou?

SOMIR

Eu vou votar no Donald Trump. Não para presidente, porque não sou americano nem tenho titica na cabeça, mas para história de reviravolta? A gente talvez seja uma das últimas gerações que vai ter alguma imagem de Trump como um palhaço laranja.

Para a história, ele vai ser ou um lutador incansável pelos valores americanos tradicionais, ou vai ser um fascista que ameaçou a democracia mais poderosa da história. De qualquer jeito, Trump vai terminar sua vida com um tamanho completamente incompatível com o que se esperava dele pouco mais de 8 anos atrás.

Muita gente aqui no Brasil pode ter a impressão de que Trump era uma pessoa importante nos EUA antes da fatídica corrida eleitoral de 2016, mas isso tem muito a ver com quão pouca informação tínhamos sobre ele de verdade. Curiosamente, por não ser grandes coisas no seu país natal, a imagem que chegou aqui foi glorificada. Era conhecido mais por ser uma pessoa rica, que vendia uma imagem de sucesso nos negócios.

Só que lá a coisa era um pouco menos… glamourosa. Talvez pelo brasileiro médio ser bem brega, não chamava a atenção toda a fascinação com coisas douradas, com ostentação… essa imagem de rico sem classe era a cara de Trump desde sua meia-idade. Até tinha um pouco mais de prestígio nos anos 90, mas era bem na linha de Chiquinho Scarpa, pessoa cuja fama era ter dinheiro e ser caricatura burguesa.

Trump estava quase sumindo da mídia quando acertou um hit na TV, o programa O Aprendiz. O programa foi muito popular, mas não era como se Trump estivesse lá por ser sinônimo de capacidade nos negócios, Trump era maluco, imprevisível e engraçado, excelente para ser a cara do programa. Não havia uma imagem de homem de negócios sério, ou mesmo de sucesso. Faz tempo que falam sobre como o seu império não é tão grande assim.

Mas isso não seria suficiente para este texto. A questão é que essa figura peculiar já estava apagando de novo após o sucesso do programa de TV quando chamou atenção por outro motivo: a briga com Obama. Quer dizer, briga é uma palavra forte… Obama nem precisou bater de volta. Trump foi a cara do movimento que discutia a legitimidade do presidente eleito por ter supostamente nascido no Quênia.

Trump, o cara meio estranho cor de laranja com o cabelo bizarro e obsessão por colocar seu nome em letras de ouro em tudo quanto é lugar, entrou para a discussão política nacional defendendo uma teoria da conspiração bizarra, que até mesmo os republicanos tinham cautela de repetir. Queira você ou não acreditar nessa história, o importante é que Obama tinha provas de que não fazia sentido dizer que ele era queniano e que na prática a maioria das pessoas sabia que era sem noção.

Se você não acompanhou a mídia americana nesse meio tempo, pode não ter percebido o tamanho da piada que era Trump. Num evento tradicional deles, um encontro entre presidente e mídia que tem até um humorista convidado para tirar sarro do “homem mais poderoso do mundo”, ninguém se aguentou de sacanear Trump também, que estava entre os convidados.

O humorista convidado sacaneou Trump e todo mundo riu na cara dele. Trump ficou com cara de bosta. Depois, Obama fez um discurso, que pela tradição também é humorístico, e é claro que resolveu dar uma pisada na cabeça de Trump, todo mundo riu de novo, e a imagem que ficou para o país foi de um idoso maluco sendo humilhado por todo mundo num grande evento.

Trump era a mosca do cocô do cavalo do bandido quando resolveu se candidatar a candidato do partido republicano. Todo mundo tirou sarro da ideia de Trump querer disputar a presidência. Tem vários vídeos de humoristas e comentaristas políticos fazendo a festa em cima da candidatura mais ridícula daquele ciclo.

E era a candidatura mais ridícula mesmo. Trump ia sumir como um babaca rico que se iludiu em ser presidente. Mas começaram os debates entre os candidatos republicanos e o mix de humor e agressividade de Trump começaram a ganhar o povão. Ele não era sério, mas era muito divertido. As pessoas começaram a levar fé nele, e a mídia continuava dando horas de atenção para ele por ser tão heterodoxo no seu método político.

Da noite para o dia, o partido republicano viu seu candidato mais aleatório virar o preferido do povão. A internet pegou gosto por ele, os jovens também. Durante a campanha, todo mundo dizia que os democratas iam ganhar fácil, depois dos candidatos dos dois partidos definidos, era o palhaço contra Hillary, uma mulher poderosa, famosa e experiente.

O palhaço ganhou, e para metade do país, nunca mais seria um palhaço. Trump deixou de ser uma brincadeira e começou a fazer parte da história do país. Seu mandato foi maluco, porque óbvio que seria, mas o país não pegou fogo (muito…), perdeu a eleição seguinte como tantos presidentes que não aguentaram a pancadaria da pandemia na economia, mas depois dos eventos de 6 de janeiro de 2020, a imagem dele passa de presidente maluco para grande fascista.

Falem mal, mas falem de mim. Foi assim que Trump começou a virar um fantasma, perdendo a imagem de palhaço para a outra metade do país. Fizeram tanto drama em cima dele que boa parte dos americanos começou a levar o trumpismo a sério, com medo do que aconteceria.

É nesse ambiente que vamos para as eleições de novembro. Se Trump ganhar, vai ser duas vezes presidente e se tornar incontestável como figura histórica (amada e odiada), se perder, talvez definhe pela idade, mas o passar das décadas vai contar a história de como a democracia americana venceu um monstro chamado Trump.

Um monstro que vai ser lembrado com carinho pelos republicanos, ainda mais depois da tentativa de assassinato que confirma todo o drama feito ao seu redor, um escolhido dos céus que foi salvo por intervenção divina. E vai ser lembrado com medo por democratas, como alguém que criou um movimento político antagonista que “quase matou a democracia”.

Trump tinha tudo para virar um rabisco brega e superficial nos livros de história, esquecido por todos em poucos anos. Agora? Ele é parte integrante do que alunos de boa parte do mundo vão aprender nas escolas, por sabe-se lá quanto séculos. Para alguém como Trump, isso é a vitória absoluta.

Trump virou uma pessoa histórica depois de ser a maior piada política da história do seu país.

Para dizer que eu sou trumpista, para dizer que ele continua sendo um palhaço, ou mesmo para dizer que ainda está confuso(a) que isso aconteceu de verdade: comente.

SALLY

Qual foi a volta por cima mais espetacular que uma pessoa pública já protagonizou?

Muitas pessoas públicas já deram voltas por cima espetaculares, mas, na minha opinião, a maior de todas as voltas por cima veio da Princesa Diana.

Depois que se casou com Charles ela passou a ser tratada pior do que cachorro. Era um adereço para o marido, não tinha voz, não podia nem escolher as próprias roupas. O marido perpetrava sucessivos atos de desprezo, interessado apenas em sua amante, e nada do que ela fizesse gerava um único gesto de carinho e interesse.

Mesmo quando ela tentou se matar, grávida, ele pegou suas coisas e foi se encontrar com a amante, deixando ela sem socorro (os relatos dizem que ela foi socorrida pela própria Rainha Elizabeth II). Charles sempre foi um idiota mimado em um feudo patriarcal no qual mulheres simplesmente não importavam.

Uma vez que você entra na família real, eles têm controle de tudo sobre você. Não é teoria da conspiração, eles mesmos admitem que funciona assim “para a sua segurança”. Desde seu passaporte, seu direito de ir na esquina comprar pão até falar com seus familiares, com o público e emitir suas opiniões.

Era uma mulher que levava uma vida calma como professora de crianças sendo jogada, muito jovem, nesse covil de cobras. Uma instituição milenar com regras rígidas que vigoravam há séculos e que usava toda sua força contra ela, para silenciá-la, para impedir que tenha autonomia, para mantê-la nas sobras de modo a que um herdeiro nada carismático possa se sobressair.

“Mas Sally, você estava lá para saber?”. Não, mas muita gente estava e contou. Sabemos que biografias e jornalistas podem ser tendenciosos, mas hoje temos os próprios filhos dela para contar algumas coisas. Amigos, parentes, pessoas próximas. E o que não falta são relatos nesse sentido. Fora os vídeos que vazam do Charles tratando como lixo seus funcionários… a vontade que sobre de dar uma tijolada na boca desses escrotinho é automática.

Diana, sendo uma mulher e tendo nascido fora da família real, conseguiu a proeza de comprar briga com eles e vencer toda essa estrutura sádica, esmagadora e cruel. A campanha de difamação que fizeram contra ela depois que se separou de Charles (separação que ela cavou por anos, até a rainha cansar, entender que seria pior para o nome da família manter essa bomba-relógio no Palácio e conceder) foi uma das coisas mais massivas que eu já vi na vida.

Eles tinham dinheiro, poder e influência. No Reino Unido a família real era quase uma divindade à época: idolatrada pelo povo pelo simples fato de existir. Ainda assim, ela sobreviveu à campanha de difamação e conseguiu sair por cima. Quando lhe tiraram o título de Princesa, imediatamente a opinião pública passou a chamá-la “A Princesa do Povo”.

Quanto mais a família real tentava trucidar Diana, mais popular ela ficava. E ela nunca atacava de volta a instituição da realeza, uma jogada muito inteligente que seu filho não sobe repetir. Por mais escrotos que sejam, o povo gosta da realeza e reage mal quando alguém os ataca.
Por mais que Trump seja uma piada (ele continua sendo, né?), ele sempre foi um homem branco, rico e poderoso. É muito mais fácil um homem branco, rico e poderoso lutar contra alguns apelidos e ridicularizações (principalmente quando pode comprar o que a mídia publica) do que uma professora de criança em cárcere privado derrubar um sistema milenar de poder que tentava destrui-la.

Sim, Trump tem seus méritos, sabe se vender, sabe falar com segurança, sabe criar um factóide. Mas é um homem rico, com uma vida de treino no mundo empresarial (cobra comendo cobra) e quando deu sua volta por cima, já tinha uma certa idade. Diana era muito mais jovem, estava em cárcere privado e tinha zero experiência em qualquer jogo de poder. E foi muito mais bem sucedida que Trump, pois é amada por todos os britânicos, enquanto Trump ainda é piada na metade dos EUA.

Talvez você não estivesse vivo na data da morte de Diana ou fosse muito novo para se lembrar, mas ela já tinha aquele tamanho, mesmo antes da sua morte. A morte corou sua situação, que talvez fosse transitória, como permanente, mas ela já era gigante, amada pelo povo e extremamente influente.

A mulher, sozinha, cuidando de dois filhos, enfrentou o mundo, brigou com a família mais rica e poderosa do país, que tentou destrui-la a todo custo. E venceu. Não é para qualquer um. Ela não apenas saiu sem ter seu nome manchado, como saiu mais amada do que entrou. Cada porrada que tentavam dar nela, mesmo dispondo dos melhores marketeiros, mesmo tendo a mídia nas mãos, deixava Diana ainda mais amada pelo povo.

Uma menina frágil, sem autoestima, que veio de uma infância complicada com uma estrutura emocional comprometida, considerada feia, rejeitada, peitou todo mundo, saiu por cima e ainda morreu como ícone de beleza e bom gosto. Isso sim é um conto de fadas moderno, não aquele casamento cafona que a família real armou para ela.

Trump virou Presidente tendo nascido em berço de ouro, tendo amigos influentes e sendo rico. Não parece tão difícil. Trump virou Presidente mas continua sendo uma piada. Mudou o cargo, mas seu status de palhaço continua. Quem ama Trump? Maluco desajustado. Quem amava Diana? Todo o povo.

As condições de Diana eram muito mais difíceis e, ainda assim, os resultados de Diana foram muito melhores. Para mim, foi a grande volta por cima de pessoas públicas das últimas décadas. A coisa foi tão forte que gerou rachaduras permanentes na família real, obrigando-a a se adaptar e rever uma série de regras e posturas. Não acredito que vejamos isso acontecer novamente, não é qualquer um que consegue isso, vide o fiasco do casal Harry e Meghan. Diana só tem uma.

Para dizer que a maior volta por cima é a do Rafael Pilha, para dizer que já bastaria ter sobrevivido a um casamento com um barango escroto ou ainda para dizer que estamos meio TMZ hoje: comente.

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Comments (16)

  • Eu acho que foi do Lule! Um alcoolista semi-analfabeto, malandro e sem-vergonha se elege Presidente da República, cria a maior rede de corrupção do mundo, é preso de maneira questionável, é solto de maneira mais questionável ainda, volta a ser presidente sem ganhar a eleição, fica mais alcoolista, continua semi-analfabeto, malandro e sem-vergonha e volta a criar a maior rede de corrupção do mundo!

  • Sally, seu texto de hoje contradiz o que você escreveu sobre a lady Di (dei) na coluna “processa eu”. O que mudou?

    • Para começo de conversa… eu rs. Mais de dez anos se passaram.

      Mas, respondendo à sua pergunta, nada do que está naquele texto é mentira: ela nasceu em berço de ouro, ela sabia que Charles tinha uma amante antes de se casar com ele, ela não era santa e ela mesma teve longos casos extraconjugais e frequentemente ela usava vitimização como forma da manipular e tentar sair de um casamento ao qual estava presa. Um exemplo contundente é tentar se matar se jogando de uma escadaria estando grávida. Que mãe coloca a vida do filho em risco para chamar a atenção do marido e tentar impedi-lo de ir se encontrar com sua amante? Há muito o que criticar.

      Ainda assim, mesmo com todos os defeitos, problemas de saúde mental e distorções, ela deu uma volta por cima espetacular. É esse o tema do texto, não se ela era uma boa pessoa ou se eu gostava dela. Está longe de ser a santa na versão idealizada das pessoas, mas foi extremamente hábil para reverter uma situação muito desfavorável.

    • Mag, lembrei da mesma coluna e na diferença de tom que a Sally usa.

      Sally, imaginei que comparar os dois textos seria como comparar maçãs e laranjas, mas é fato que, se você escrevesse aquele texto hoje, o tom seria muito mais sutil. Percebe-se há muito tempo sua mudança de postura, menos “raiovosa” e mais sóbria nas críticas. Certamente reflete seu estado interno.

      Não sei como vai soar, mas é um elogio. <3

      • Gostava bastante do processa pelo propósito de desmistificar “heróis” e mais ainda pelo humor dos textos. Não gosto de páginas de fofocas, é superficial e mesquinho monetizar com a desgraça alheia, na maioria das vezes sem a devida apuração. Jamais irei esquecer da canalhice que fizeram com uma jovem atriz global por conta da entrega legal do filho. É sempre válido mudarmos de opinião. Somos mesmo uma metamorfose ambulante.

  • “Uma menina frágil, sem autoestima, que veio de uma infância complicada com uma estrutura emocional comprometida, considerada feia, rejeitada, peitou todo mundo, saiu por cima e ainda morreu como ícone de beleza e bom gosto. Isso sim é um conto de fadas moderno, não aquele casamento cafona que a família real armou para ela”.

    Não apenas beleza e bom gosto, mas também como defensora de causas humanitárias. Pouco antes de morrer, visitou países assolados pelas minas terrestres, como Angola (com muitas crianças mutiladas por essas minas), o que fez com que o assunto ganhasse uma dimensão jamais obtida antes (ser ícone da beleza e do bom gosto ajudou muito, segundo os demais ativistas), que culminou com a assinatura do Tratado de Ottawa, que proíbe o uso, produção, armazenamento e transferência de minas antipessoais, apenas três meses após a morte dela.

    Além disso, era patrona de várias instituições de caridade e artísticas, promovendo eventos para arrecadar fundos para essas iniciativas, sem falar que visitava por conta própria (muitas vezes de surpresa) asilos, orfanatos e hospitais, especialmente para dar apoio a pacientes de AIDS, que assolou o mundo entre os anos 80 e 90, bem como pacientes de câncer. Foi uma das primeiras pessoas públicas (se não a primeira) a apertar a mão de doentes de AIDS nos anos 80, ajudando a diminuir o estigma da doença.

    O impacto da princesa nessas visitas era tão grande que lembro ter assistido uma entrevista em que foi relatado que alguns doentes visitados por Diana tiveram a vida prolongada em até seis meses. Dá para entender a comoção no mundo todo quando ela morreu (até no Japão, onde estava na época, via gente chorando na rua).

    (Já dos paparazzi, aí fica assunto pra outra ocasião. Ela acabou por criar um triângulo abusivo junto com a imprensa e o público, e isso lhe custou a vida)

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