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Colunas

Punição separada.

Casamentos, em tese, deveriam ser contratos para a vida toda. Sally e Somir acham essa coisa de “até a morte” é um exagero, mas discordam sobre como lidar com quem assina o contrato de forma irresponsável. Os impopulares assinam embaixo.

Tema de hoje: deveria existir penalidade para quem descumpre a promessa do casamento e quer se divorciar?

SOMIR

Não. Eu não nego que a instituição do casamento não é mais o que já foi, especialmente na questão da seriedade do compromisso assinado, mas o ser humano tem o sagrado direito de errar e conseguir corrigir depois. Eu parto do princípio de que o erro é inevitável, e o Estado tem que funcionar ao redor desse conceito.

Nenhuma expectativa de perfeição se mantém na vida real. Eu diria até que boa parte da nossa vida gira ao redor de cometer erros e lidar com as consequências. Arrisco até a dizer que o sentido da vida é errar até acertar, de tanto que isso faz parte da experiência humana na Terra. Por isso que dentro dessa lógica, o Estado, ou seja, a forma como resolvemos nos organizar, tem que levar isso em consideração.

É irritante ter que lidar com os erros alheios o tempo todo, mas a alternativa é uma utopia de bom senso inalcançável: mesmo em questões extremamente práticas como violência física, as pessoas conseguem ter posições diferentes. Alguns acham válido em certos casos, o brasileiro médio acha razoável torturar ladrão de celular. Você nunca vai encontrar esse mítico ponto de concordância absoluta entre as pessoas.

Por isso, o sistema é baseado na certeza do erro. Mesmo que não seja erro objetivo, ainda pode ser subjetivo. A ideia vencedora até aqui é aceitar que as pessoas erram e dar alternativas para elas corrigirem os erros com a menor fricção possível. É por isso que nas leis de países democráticos não se corta as mãos de quem roubou pão. Erros acontecem e temos que ter mecanismos para que as punições não tornem a correção desses erros impossíveis.

E o que diabos isso tem a ver com casamento?

Lógica se tem ou não. Não existe meio termo. Se você quer uma sociedade onde as pessoas podem corrigir seus erros, punições são a última coisa a se pensar. Se não tem absolutamente mais nada que seja eficiente para corrigir o erro antes, aí sim se aplica a punição. Essa é a base de uma sociedade decente, não inventaram outro jeito melhor ainda.

Qual a melhor forma de corrigir o erro de um casamento? Divórcio. Divórcio resolve o problema de duas pessoas que não querem mais estarem casadas? Sim. Precisa fazer mais alguma coisa? Não. Acabou. Quando temos uma ferramenta que literalmente desfaz o erro disponível, é bizarro querer colocar mais coisa em cima. É abandonar preceitos básicos de convivência.

Quer tratar o problema de pessoas casando sem ter capacidade de fazer isso direito? Torne mais difícil se casar. Prevenir o erro faz sentido com a nossa lógica social, punir o erro é só quando mais nada funciona. Você coloca barreiras antes do erro, não depois. Porque depois que a merda está feita, a última coisa que uma sociedade quer é uma pessoa sofrendo mais e tendo dificuldades de tocar sua vida.

A não ser que sua solução seja matar as pessoas que pedem divórcio, inevitavelmente elas vão causar mais problemas sociais se forem punidas por isso. É mais burocracia e gastos estatais para lidar com a punição. Uma multa de mil reais custa mais que mil reais para ser cobrada, e isso é meio que um padrão. O Estado é caro de manter, e não é papo libertário, mesmo que você queira que ele exista, tem que saber muito bem a hora de usar, porque ele precisa seguir regras e pagar pelo trabalho exigido.

A pessoa irresponsável na hora de casar vai se tornar um cidadão modelo só porque quer se divorciar? Claro que não. Gente complicada é complicada antes, durante e depois do casamento. Se for multa, vai custar caro manter a estrutura estatal, se for prisão então… não só vai colocar junto com o PCC quem descobriu que o marido não limpa a bunda por achar coisa de gay, como também vai gerar todos os custos de manter essa pessoa presa.

E a gente nem entrou no mérito de criar barreiras para quem está tentando sair de uma situação difícil. Sim, muitos divórcios são fúteis, até porque o casamento era fútil, mas tem gente que quer se divorciar porque apanhou, porque foi traída, por uma série de motivos que podem deixar a pessoa bem fragilizada. Vai criar mais problemas para ela? Quem está numa situação muito difícil pode acabar “aguentando mais um pouco” por causa de uma punição em caso de divórcio. É bater em quem já está caído.

Novamente: o mundo ideal é a pessoa não casar com alguém problemático, mas o mundo real tem muito disso, e punição não vai mudar comportamento impulsivo, tenha em vista todas as leis e punições criadas até hoje que simplesmente não eliminam o crime. Multa? Ainda tem crime. Prisão? Ainda tem crime. Morte? Ainda tem crime. A definição do erro é não enxergar as consequências.

Por isso que não tem, nunca teve e nunca vai ter atalho para “fazer as pessoas serem menos imbecis”. Punição é extremamente discutível como forma de aprendizado, porque ela sozinha não faz nada, a pessoa tem que ser capaz de entender o que está acontecendo. E uma pessoa que casou por impulso é literalmente a última pessoa que vai entender a punição.

Casamento é cheio de regras legais, mas é um comportamento instintivo. Não necessariamente a monogamia, mas a formação de pares e grupos próximos. O ser humano intuiu o casamento, não precisou criar o Estado primeiro. O único caminho para melhorar a mentalidade das pessoas sobre casamento é antes do ato ser realizado.

Depois? Aí é só seguir a lógica que mais funcionou até hoje: aceitar que o erro existe e tornar o mais fácil possível para as pessoas corrigirem o erro.

Para dizer que eu passo a mão na cabeça de burro (vinte mil anos batendo… funcionou?), para dizer que toda ação tem sua reação, ou mesmo para dizer que deveria ser proibido casar: comente.

SALLY

Deveria existir penalidade por assinar o contrato de casamento, cujos termos preveem união até o final da vida, e descumprir esse contrato pedindo divórcio?

Sim, mas não pelos motivos que vocês estão pensando.

As pessoas têm o sagrado direito de se arrepender, de mudar de ideia ou de simplesmente conduzir suas vidas para um caminho diferente daquele dos seus parceiros, fazendo com que relações que já foram um sucesso se tornem incompatíveis. Relacionamentos são ciclos que se fecham. Normal. Esperado.

Não é sobre essa baboseira de ter que ser feliz até que a morte os separe. É sobre não onerar terceiros, ensinar responsabilidade e boas escolhas.

Casamento é um contrato para a vida toda. Deveria existir um contrato para a vida toda? Não. É algo aberrante, doentio, bizarro e inaceitável. Porém, existe. Temos dois caminhos para seguir então: se muda a concepção de casamento e se torna ele um contrato com prazo de validade e renovável pela vontade das partes (se ninguém se manifestar, se renova automático) ou de fato se faz valer a premissa de um contrato para o resto da vida e se impõe uma compensação que quem o descumpre tem que pagar pelos transtornos que gera por isso.

Talvez você não saiba, mas todo mundo, mesmo quem não casa e quem não separa, paga caro por essa brincadeira de retardados emocionais fingirem que podem bancar um contrato para o resto da vida.

Cada ação de divórcio e todas as demais que podem advir de um casamento que termina (e geralmente são pelos menos duas ou três ações) custam tempo e dinheiro aos cofres públicos (ou seja, a você) e ao Judiciário, atrapalhando a vida de quem realmente precisa de prestação jurisdicional como única forma de resolver seu problema e impedindo que recursos públicos sejam gastos em causas mais nobres.

Então, no modelo jurídico que temos hoje, é um escárnio que centenas de pessoas assinem por dia um contrato para toda a vida que não serão capazes de cumprir e que o ônus disso seja pago com o seu dinheiro e com seu tempo. Pessoas estão tomando decisões que não podem bancar e o onerado é você. Não dá, né?

Um Judiciário abarrotado te custa tempo. Na hora em que você realmente precisar dele para algo realmente importante, como por exemplo obrigar um plano de saúde ou o Estado a custear um tratamento que vai salvar a vida do seu filho, você não vai querer que a decisão demore muito, sobretudo se for por causa de imbecilóides que assinaram o que não podem cumprir e nem ao menos têm a maturidade de desfazer o que fizeram sem a tutela do Papai Estado.

“Mas Sally, o pedido de remédios não é feito na Vara de Família”. *respirando fundo. Dica: quando você estiver limpando a orelha com o cotonete e sentir uma resistência, pare de empurrar o cotonete para dentro.

Meu argumento é prático: um Judiciário lotado e um Poder Público com muitos impostos e prestação ineficiente não podem se dar ao luxo de manter esse esquema ridículo de deixar retardado emocional assinar contrato para o resto da vida. Brasileiro não tem maturidade emocional para assinar um contrato para o resto da vida. Vão assinar de forma estúpida, leviana, iludida. E quem paga o preço para desfazer é o resto da sociedade.

Então, querem manter o conceito jurídico de casamento como um contrato para o resto da vida? Ótimo, persistam nessa imbecilidade. Mas, cientes dos custos de tempo e dinheiro para desfazer, vamos impor também uma penalidade para quem rompe o contrato e onera a sociedade como um todo.

“Mas Sally, isso obrigaria as pessoas a ficarem casadas”. Não. Existem muitas formas de pagar pela sua decisão imbecil, mesmo que você não tenha dinheiro. Vai prestar serviços. Vai limpar privada de cadeia. Vai alfabetizar criança. Vai fazer o caralho a quatro, não me importa, apenas aprenda que quando as suas péssimas decisões oneram a sociedade como um todo, elas terão consequências sérias.

Ninguém é obrigado a casar. Pode morar junto. Pode fazer uma cerimônia espiritual. Pode tatuar o nome do outro no orifício anal. Quis se casar? Saiba que desfazer isso vai custar tempo e dinheiro de todos nós, portanto, não acho justo que a pessoa a fazer estar merdinha não tenha um belo ônus também. Tudo que onera a coletividade tem alguma consequência no ordenamento jurídico. Menos a dissolução do casamento, pela aura sagrada que ele carrega. Logo onde, no Brasil, capital mundial da putaria, da baixaria e da traição. Me poupem.

“Mas Sally, casar é meu sonho”. Mais um motivo. Ajudar a educar pessoas que, como você, romantizam, se iludem e colocam suas metas em coisas externas a elas. Coloque sua meta em algo externo ou em terceiros e tenha 100% de certeza de que você vai se foder. Quer se foder? Se fode aí. Só não onera a sociedade, pois ninguém tem culpa da sua imbecilidade emocional. Se o seu sonho é assinar um papel, feche este texto agora e procure terapia.

Hoje existem mecanismos jurídicos suficientes para te assegurar todos os direitos possíveis sem casamento. Quem casa é por querer o status de ser casado. E quem aciona o Estado por uma besteira como status deveria ser muito bem penalizado caso, por um capricho infantilóide, fosse necessário gastar tempo e dinheiro limpando o bumbum de quem não soube escolher parceiro ou fazer a manutenção de um relacionamento para que ele dure o tempo estipulado pelo contrato.

Se você morar junto com alguém e não quiser mais morar junto com alguém, apenas você arca com as consequências disso. Inclusive os custos. Ninguém aqui vai ter que pagar pelo caminhão de mudança que vai tirar seus pertences do imóvel do(a) ex. Ser enxotado da casa de alguém não abarrota o Judiciário. Pegar seu banquinho e sair de fininho não afeta a minha vida. Tá tudo certo, cada um com as consequências das suas escolhas.

Mas, a partir do momento que seus atos oneram a todos, sejam com tempo, seja com dinheiro, aí tem que haver uma punição para estes atos quando eles forem praticados de forma leviana. Garanto que as pessoas pensariam melhor a antes de sair casando se fosse assim.

Não é sobre amor, sobre a instituição, sobre religião ou sobre escolhas pessoais. É sobre onerar estranhos com péssimas escolhas da sua vida, algo que a lei pune como regra.

Não entendo por qual motivo deveria ser diferente no casamento. Não quer assinar um contrato para o resto da vida? Não assine. Casa na igreja, casa fora do país, casa com um Xamã. Faz questão do contrato assinado? Então vai reembolsar a sociedade por todo o transtorno de tempo e dinheiro que desfazer esse contrato gera. Simples assim.

Para dizer que eu tenho uma vontade incontrolável de começar a semana levando pedrada, para dizer que nunca tinha pensado por esse ângulo ou ainda para dizer que quem casa já deveria ser multado: comente.

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casamento, divórcio, leis, sociedade

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