
Desfavor do Ano: lado errado.
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2024 está acabando, é hora de olhar para trás e se arrepender do que faz. Dos diversos desfavores do ano, um nos chama mais atenção.
O suicídio da esquerda é o Desfavor do Ano.
SALLY
Nada ou ninguém fez tanto desfavor em 2024 quanto a esquerda. Falamos sobre o assunto o ano inteiro: as péssimas escolhas, a arrogância, a incapacidade de compreender e se comunicar com o eleitor, a recusa em se atualizar, a hipocrisia e a boa e velha corrupção de sempre. E isso afeta a todos nós negativamente, até mesmo quem antipatiza com a esquerda.
Quando um dos lados só faz cagada, ele se torna um concorrente fraco. Quando um dos lados se torna um concorrente fraco, a barra de qualidade baixa e qualquer bosta menos bosta consegue vencer. Aconteceu com o Bolsonaro, que foi tão bosta que permitiu a volta do Lula. E agora está acontecendo com o Lula que vai permitir que até um cágado manco de eleja em 2026.
Então, ver a esquerda performando tão desastrosamente não é algo a se comemorar, mesmo que você não goste dela. Se o lado que você não gosta bota o nível no chão, é provável que o lado que você gosta não se esforce tanto para vencer ou fazer algo pelo país, afinal, é Brasil, a regra é fazer apenas o suficiente.
Mas, aprofundando mais no tema, o principal desfavor não é apenas performar mal e empurrar merda do outro lado para o poder. O buraco é mais embaixo. Não é o tipo de coisa que se possa dizer em uma conversa de bar, pois ambos os “lados” vão te linchar, mas é algo que pode ser dito aqui e pensado: aderir a um lado é idiota, portanto, que um dos lados vá muito mal é ruim, pois te deixa sem opção.
É sempre bom ter escolha. Pessoas sensatas não são doutrinadas e não votam sempre só na “direita” ou só na “esquerda” religiosamente. Pessoas sensatas observam a realidade do país, seus problemas e concluem quem está mais apto a lidar com eles naquele momento.
Vamos pensar aqui no Desfavor. Se você tivesse que votar todo ano para que um de nós dois administre este pequeno mundinho, em quem você votaria? Se você tem uma resposta pronta, você está fazendo isso errado. A resposta certa é: depende. Depende de como estivesse nossa realidade.
Se estivéssemos passando por problemas de postagem atrasando, bagunça e excesso de temas nerds, provavelmente você votaria em mim, pois, entre os dois, eu sou a que tem melhores ferramentas para reverter isso. Porém, se as postagens fossem monotemáticas falando da Fazenda, se tivesse foto do Pilha de sunga todo dia e se as regras estivessem muito rigorosas, certamente vocês votariam no Somir, pois, entre os dois, seria ele a ter melhores ferramentas para reverter isso.
Percebem que para uma decisão racional e eficiente não importa de quem você gosta mais? Gosta mais do Somir? Seja amigo dele. Não é isso que conta na hora do voto. Se vota em quem tem melhores condições de resolver o problema. Afeto a gente guarda para parceiro, família e amigos. E é justamente por isso que eu quero ver uma esquerda forte e decente novamente, eu quero voltar a ter a opção de votar na esquerda se achar que ela é quem tem melhores ferramentas para resolver os problemas naquele momento.
Mas essa esquerda invotável não permite. Se comportando de forma burra, caricata e corrupta a esquerda não atrapalha somente a esquerda, ela atrapalha todo mundo, atrapalha dinâmica do jogo. Não é apenas sobre “tirar essa esquerda filha da puta”, é sobre nenhum lado se tornar invotável, para que as pessoas tenham opção e não sejam obrigadas a votar em qualquer outra merda que não o lado invotável.
Outro dia estava conversando com o Somir e chegamos à conclusão de que, se fosse permitido, seria possível Rafael Pilha se eleger de verdade para Presidente em 2026. Algo que é uma piada nossa desde 2008 hoje é uma possibilidade real. A coisa precisa desandar muito para que isso se torne uma possibilidade real.
É isso que baixar a barra de exigência faz. Tomara que não aconteça, mas eu vejo uma subcelebridade de elegendo, pois o povo está de saco cheio e quer tudo menos o Lula. Isso reduz o nível não apenas da esquerda, mas da política. Não é apenas “problema da esquerda” ela ser uma bosta, é problema de todo mundo.
Por isso, por mais que a gente brinque e ria das cagadas que a esquerda faz, na hora de falar sério sabemos que não é bom para ninguém. Gostamos de ver essas pessoas passando vergonha? Sim. Vamos rir delas? Óbvio, como rimos de tudo aqui. Mas não é motivo para comemorar ter esse tipo de anencéfalo no poder, inclusive por causa do rombo financeiro que estão deixando. Serão décadas para reverter isso.
Não se torce para o avião no qual você está cair só porque você não gosta do piloto. É burrice. Não se adere a partido ou ideologia como se fosse time de futebol. Não se engessa nem o voto nem a ideologia de um lado só, por não existir lado certo, o que existe é lado mais apto para lidar com aquela realidade. Se vota em quem, consideradas as circunstâncias, tem mais ferramentas para ajudar e resolver. Fidelidade você tem à sua esposa/marido, não a político. Mas parece que no Brasil é ao contrário.
O Brasil está partindo de uma premissa errada, e isso faz chegar a conclusões erradas: não existe lado certo e lado errado, lado bom ou lado mau. Existe o que é melhor para a atual realidade. E quando um lado vai vergonhosamente mal, ele faz cair o nível de todo o cenário político do país e te empurra para o outro lado, seja ele o melhor ou não para lidar com o cenário.
Então, sendo contra ou a favor do PT, você tem a obrigação de achar inadmissível o que está acontecendo e não apoiar esse descaso, essa irresponsabilidade, essa baixaria que estão acontecendo no Brasil, pois impacta negativamente a todos.
“Mas se eu ficar contra o PT o Bolsonaro volta”. Não, não volta. Está inelegível. E mesmo que voltasse, ficar refém de político merda para um político mais merda não volte é uma escolha de vida muito medíocre. Ninguém volta se o povo não votar. Tenham vergonha nessa cara.
Assinaram um cheque em branco elegendo um ególatra que nem plano de governo apresentou antes das eleições por medo de um medíocre como o Bolsonaro. Será que o problema é mesmo a esquerda ou a direita? Não será que é o povo? O Desfavor do Ano é a esquerda, por baixar o nível até um patamar tão subterrâneo que até um MC de Funk pode se eleger em 2026, mas o desfavor da vida continua sendo o brasileiro mesmo.
Hora de começar a desfazer esse engano e espalhar a palavra como der, quando der, como der: aderir a lados é burrice, é coisa de povo infantil que não sabe executar democracia. Se vota em quem tem mais condições de lidar com os problemas atuais. Se a esquerda está fazendo vergonha, não tem que continuar votando nela “pois sou de esquerda”. Cresçam.
Para dizer que eu sou de extrema-direita (haja saco), para dizer que a esquerda foi muito bem no ano de 2024 (perderam para um maluco laranja) ou ainda para dizer que se não aderir a um lado não tem sensação de pertinência: comente.
SOMIR
O conceito de esquerda política com o qual nos acostumamos nada mais é que do dar um nome ao desejo revolucionário. A vida em sociedade acaba se dividindo naturalmente em grupos que desejam conservar as coisas como estão e grupos que querem gerar mudanças. Entrou no vocabulário mundial chamar essa vontade de mudar de esquerda.
Agora, se você aceitar essa definição mais básica das coisas, vai começar a perceber que esquerda e direita não dependem de uma ideologia ou outra. Num exemplo do século passado: as pessoas que queriam derrubar a ditadura comunista na União Soviética eram de esquerda? O Partido Comunista que controlava o povo com mão de ferro e não permitia mudanças era de esquerda? Quem era o quê?
E os nazistas? É incomodamente sólido o argumento que Hitler e cia. não tinham as características clássicas da direita, é desonestidade intelectual dizer que eram definitivamente de esquerda, mas ideologias fascistas costumam ser definidas como “terceira posição” por um motivo. Tem características de ambos os lados, querem revolução popular para implementar uma autocracia sufocante. Mas, peraí… os regimes comunistas que chegaram ao poder não fizeram basicamente isso?
Até por isso muita gente acaba definindo esquerda e direita por políticas sociais e econômicas, porque essa história de toda de revolucionário e conservador fica confusa de acordo com quem está no poder. Quando a gente fala sobre a autossabotagem da esquerda moderna, falamos sobre quem está defendendo políticas de combate à desigualdade e maior acesso aos direitos humanos fundamentais.
A esquerda que nos entristece ver morrendo é a esquerda “chata dos direitos humanos”. O lado político que se preocupa com regular os ricos e poderosos para dar mais poder ao cidadão comum. Quem prega evolução social com base em mais tolerância e capacidade de convivência entre grupos sociais distintos.
Porque a “esquerda revolucionária” está forte e saudável. É a direita moderna. Na confusão entre lados a ideia de destruir o sistema e construir outro no lugar foi cooptada por gente que defende valores econômicos e sociais mais conectados à direita. Elon Musk é mais ativista de liberdade de expressão que a maioria do povo que se define como esquerda hoje em dia. E Elon Musk quer que o pobre se exploda e seu foguete cresça.
Não é à toa que a esquerda moderna está perdendo votos de pessoas pobres. O lado social da esquerda, o que bebe da fonte da luta do proletariado contra a burguesia (que era a luta do camponês contra a realeza antes disso) ficou tão perdido por trás de ideologia identitária que o pobre olha para a esquerda e não se vê nela! Trump ganhou uma eleição na base do populismo de esquerda, dizendo que ia baixar o preço da comida e gerar mais empregos. Até mesmo o discurso anti-imigração bebia dessa fonte, o americano médio acreditou que eram os mexicanos que estavam criando dívidas e roubando seus empregos. O desejo por trás do voto em Trump tinha mais cara de esquerda do que de direita, eram pessoas achando que as elites estavam sacaneando-as e procurando um herói do proletariado para equilibrar o jogo.
Vivemos um caos ideológico. No Brasil, a esquerda tomou um esfrega da direita nas eleições municipais porque o povão está enxergando neles a elite. O brasileiro médio esposa valores conservadores cristãos por causa do discurso revolucionário econômico da direita, não o contrário. Quando Lula surfou na onda das commodities nos seus primeiros governos, o brasileiro estava cagando e andando para opinião política de pastor evangélico, foi só quando o cenário mundial ficou complicado para nossa economia que a direita conseguiu enfiar o pé na porta e prometer uma revolução.
Um exemplo claro foi Boulos em São Paulo, ou melhor, Boules. Eu sei que é uma mesquinharia pegar no pé do candidato porque alguém cantou hino nacional com pronome neutro num evento dele; mas era o exemplo perfeito de desconexão entre a esquerda e os desejos do povão. Eu acredito de coração que o cristianismo brasileiro não vale nada, que é só a economia estar boa que esse povo topa tudo, mas na conjuntura atual de uma economia incomodando o mais pobre com preços de alimentos explodindo, nada pior do que ser o candidato dos “problemas de primeiro mundo”.
E aqui uma opinião que vai fazer a turma de esquerda pular: a esquerda dos direitos humanos VENCEU a guerra ideológica no século passado e não soube o que fazer com isso. Estudar história é perceber como a vida em sociedade era brutal até pouquíssimo tempo atrás. Cada um por si, direitos inexistentes. As revoluções comunistas e as guerras mundiais assustaram até mesmos as elites, fazendo com que em pouco menos de um século o mundo saísse da Lei da Selva para a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi a esquerda vencendo.
Nunca vai ser uma vitória absoluta, mas foi gigantesco. A minha teoria é que a esquerda não percebeu o que tinha conquistado e ficou presa na luta de classes do começo do século passado. O mundo foi mudando e a mentalidade revolucionária esquerdista ficou travada no tempo. Não enxergaram que tinham ganhado a batalha de narrativas e a maioria dos países desenvolvidos do mundo tinham aceitado os valores humanitários. Não cumpriam direito, mas tinham aceitado. Precisava de mentalidade conservadora, e a esquerda não tinha isso. O conservador precisa manter as pessoas na linha e focar em ganhos incrementais.
O que eu vejo é que a esquerda foi babando para a nova revolução baseada em ideais identitários e deixou o capitalismo tomar conta de manter os ganhos humanitários do século anterior. Foi nesse buraco que a direita moderna entrou. O povo começou a acreditar de coração que o lado que pensa no cidadão é a direita, e a esquerda foi sendo tomada por ideias cada vez mais exageradas, como se a base de direitos humanos conquistada a duras penas anteriormente fosse garantida. Ganharam o território e deixaram ele vazio.
E repetindo: não estou necessariamente chateado porque a esquerda “todes” está enfraquecida, porque acho que é uma caricatura mesmo. Estou preocupado com a parte valiosa da esquerda direitos humanos que criou a base do mundo moderno. Ela perdeu a capacidade de convencer o povão que tem seus interesses em vista, o povo que está passando por herói do proletariado hoje em dia é o tipo de gente que não tem amor pelo proletariado. É fingimento, e um que só é exposto quando esse povo da “direita revolucionária” conquistar o poder.
Pensa nisso: a parte boa da esquerda venceu e deu base para o melhor da sociedade moderna, mas ou não percebeu ou não quis o trabalho de ser conservadora em cima disso. Correram para a próxima revolução e deixaram os inimigos antigos se fingirem de defensores do povão. Eu não brigo com a esquerda porque ela está ganhando, eu brigo porque ela está perdendo. É totalmente possível defender direitos humanos de grupos marginalizados sem transformar política num show de Drag Queens.
Não é complicado parar de cavar a própria cova. É isso que eu não entendo… por que deixar o povão para trás? Qual é o ganho? Estão sendo pagos para fracassar? Difícil não concordar com os malucos da direita com os exemplos recentes.
Para dizer que mesmo assim eu sou fascista, para dizer que achou que eu era de direita (sou radical de centro), ou mesmo para dizer que isso é ódio de transexuais (esquerda monotemática): comente.
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E lá vamos nós de Pablo Marçal. Se o Gilmar Mendes deixar, ele se elege.
Será?
>> “Tomara que não aconteça, mas eu vejo uma subcelebridade se elegendo, pois o povo está de saco cheio e quer tudo menos o Lula.”
Também, então! Aliás, realmente havia me esquecido de quando maioria dos nomes ainda piores que cogitávamos precisariam “fingir menos e/ou eventualmente de outsiders”…
>> “Estou preocupado com a parte valiosa da esquerda direitos humanos que criou a base do mundo moderno.”
Sim!!!!!
Nova sequência de ganhos já estava em falta…
Adorei a análise histórica do Somir sobre a bagunça que envolve os conceitos de “direita” e “esquerda” hoje em dia e concordo com a Sally sobre não deixar a coisa se nivelar por baixo e escolher o que realmente for melhor para cada momento em vez de se atrelar perpetuamente a somente um lado por medo ou fanatismo ideológico.