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Morte lenta.

Morte lenta.

| Desfavor | | 22 comentários em Morte lenta.

Finalmente uma discussão relevante para sua vida.

Tema de hoje: 10 milhões de dólares agora na sua mão, mas em troca um caramujo irá te perseguir pelo resto de sua vida, e se ele te tocar, você morre agonizando horrivelmente. O caramujo é imortal e indestrutível, ele sempre sabe onde você está e seu único propósito é te tocar. Aceita?

SOMIR

Não. Ansiedade custa muito mais caro que 10 milhões de dólares. Uma definição de sofrimento que eu acho bem interessante é a de que é o sentimento de quem não vive no presente. Ansiedade é um sentimento de quem vive no futuro, culpa é um sentimento de quem vive no passado. Por mais que você possa se planejar para mitigar o risco do caramujo, ele seria uma fonte interminável de dissociação do presente.

Toda vez que você pensar num plano, lembre-se que ele sempre está se movendo na sua direção e nem um buraco negro consegue parar ele. É a única forma disso ser uma escolha para começo de conversa.

Eu só mudo de ideia se esse caramujo teórico puder ser preso de alguma forma, mas não é essa a ideia: ele vai estar sempre se movendo, porque senão uma caixa de sapato resolveria toda a questão em poucos segundos e toda a discussão seria inútil.

Eu fico incomodado com a ideia de ter que mandar um e-mail amanhã, imagina só uma preocupação constante com uma morte lenta e dolorosa… evitável? Porque evitável é uma palavra-chave essencial nessa discussão. Eventualmente nossas vidas vão nos colocar numa situação sem escolha, a morte vem para todo mundo, os inconsequentes e os precavidos da mesma forma.

Não é a ideia da morte me perseguindo que incomoda, porque é parte integrante de estar vivo; é a ideia de que é algo totalmente evitável se você estiver sempre se planejando para o futuro. Existe um conforto mental importante no inevitável, porque permite que seu cérebro coloque essas coisas em segundo plano e te permita uma vida mais baseada no presente.

Já percebeu que muitas vezes na vida a gente passa um tempão sofrendo por algo de ruim que pode acontecer, e quando acontece… não é tão complicado assim? Pode ser dolorido, pode ser custoso, mas já aconteceu. E expectativa dói por muito mais tempo que a realidade. E às vezes, dói muito mais.

O caramujo assassino do tema é expectativa interminável. A Sally com certeza vai pensar em mil planos, eu também pensaria. Mas, qual o resultado disso na sua saúde mental no longo prazo? Qual o resultado de ter um processo secundário no fundo da mente o tempo todo? De pensar se você calculou direito, de considerar se tem alguma falha no seu plano?

Porque a falha acontece justamente quando você relaxa ou fica confiante demais. Como é saber que se algo der errado, é resultado direto de você ter se acalmado e vivido o presente? O presente nunca mais vai ser puro. Como pessoa que muitas vezes foge da ansiedade se anestesiando com distrações e vícios, eu garanto que é uma troca bem discutível: seu prazer sempre vem com um pouco de culpa.

Minha felicidade aumenta consideravelmente quando não estou tentando apagar alguma coisa da cabeça, até por isso me esforço para não ceder mais a essa anestesia contra ansiedade. Colocar responsabilidades em dia e não procrastinar é remédio santo contra esse nervosismo pelo futuro. E com o caramujo, não existe mais colocar as coisas em dia e “zerar” a mente para viver o presente.

É incompatível por causa do subconsciente. Seu cérebro nunca mais vai te deixar viver “puro”. Todo momento de descanso e/ou prazer vai ter o caramujo no fundo. Nunca mais vai ser verdadeiro. E essa é só a parte personalíssima da coisa, porque fica pior quando lembramos que não existe isso de viver sozinho.

As pessoas ao seu redor vão ter que lidar com isso. Para quem você contar, vai acontecer um processo de estresse considerável: eu tenho certeza de que a maioria de vocês também é desse jeito, quando o perigo é com você é tolerável, mas quando é com uma pessoa querida… multiplica por dez. Se o caramujo for revelado para uma dessas pessoas que se importa com você, elas vão passar a viver nervosas também. Talvez alguns sejam mais resistentes que outros, mas boa sorte se alguém do seu círculo próximo for muito ansioso ou protetivo: a pessoa vai sofrer e vai pegar em você.

E se você escolher não contar para evitar ansiedade alheia, como explicar seu novo padrão de vida sem gerar ainda mais incômodo nessas pessoas? Mesmo que você tenha um apreço especial por pessoas bem burrinhas, é impossível não perceber que você está fugindo de algo. Vai ver elas se incomodando ou assuntando e ainda vai ter que manter uma mentira além do estresse da morte te perseguindo.

Tem mais: nem sempre você está no controle. Pode ser que tenha que depender de outros para se proteger por algum tempo. Seja por incompetência ou malícia, terceiros podem estragar seus planos. E quanto mais gente na sua vida, maiores os caminhos possíveis para esses problemas. Ruim se você contar, pior se não contar. Não fique doente, não baixe a guarda, não se distraia.

E aqui, um dos erros primordiais da pergunta-meme: dez milhões de dólares não é o suficiente para levar uma vida confortável fugindo de alguma coisa, mesmo que seja uma coisa lenta. Vai ser difícil fazer esse dinheiro render com seu novo padrão de vida, e se você não for excelente com dinheiro, vai ter que usar boa parte dos recursos montando uma nova vida baseada nisso. Você não ganhou um salário, você ganhou dinheiro de uma só vez.

Se eu ganhasse dez milhões de dólares, eu ia ser muito mais feliz dividindo com minhas pessoas mais queridas, mas com o caramujo? A não ser que seu plano seja morrer logo, vai ter que segurar a maior parte dele para garantir que possa pegar um avião de último segundo em qualquer ponto da sua vida. Você vai ter que ser muito mais egoísta. E isso costuma ir estragando sua qualidade de vida, mesmo que não pareça no momento. Ansiedade, dificuldade de se relacionar, dificuldade de criar raízes, egoísmo… não, não vale 10 milhões de dólares.

SALLY

Hoje estamos engraçadinhos, pois de séria já basta a vida: vamos usar um Meme de internet como tema.

10 milhões de dólares agora na sua mão, mas em troca um caramujo irá te perseguir pelo resto de sua vida, e se ele te tocar, você morre agonizando horrivelmente. O caramujo é imortal e indestrutível, ele sempre sabe onde você está e seu único propósito é te tocar. Aceita?

Mas olha… até dois caramujos. Ele pode até trazer a família toda para me perseguir, fica à vontade. Claro que aceito. Se eu não for capaz de fugir de um caramujo, eu não sou capaz de nada nessa vida!

“Mas Sally, imagina viver com a pressão de ter sempre que fugir de um caramujo”. Mas Leitor, imagina ter que viver com a pressão de ter sempre que acordar cedo, trabalhar, ralar e pagar boletos todo mês! PREFIRO O CARAMUJO.

Vamos lá, apesar de suas propriedades mágicas, não é tão difícil assim fugir de um caramujo. O bicho é lento, o bicho não se locomove bem em temperaturas abaixo de zero, o bicho não deve cruzar um oceano com muita rapidez.

Estratégia, gente. Com esse dinheiro você se muda a cada seis meses para lugares distantes, isolados, com montanhas ou oceanos que te separem do caramujo. Monta casas lacradas, vedadas, fortificadas, onde nem mesmo o animal mais ágil do mundo entraria, muito menos um caramujo.

A velocidade média de um caramujo é de 0,045km/h. Isso significa que, se ele andar sem parar, sem descansar e sem comer, em uma hora ele se desloca 45 metros. Calcula aí a distância entre Brasil e Europa para você ver quantas décadas ele demoraria em cruzar o oceano, isso presumindo que ele saiba nadar (não sabe, apenas flutua e será levado pela maré). São décadas.

Manda fazer uma roupa especial de um material ultra resistente que, mesmo que o caramujo te alcance, não consiga te tocar. Contrata guardas, seguranças ou aparelhos para detectar e rastrear onde o caramujo está. Se você, com dez milhões de dólares na mão, não consegue fugir de um bicho que se arrasta, desculpa, mas você deveria comer com colher para não correr o risco de furar seu próprio olho com um garfo.

“Mas Sally, e o estresse?”. Sua vida deve ser muito boa para que você ache que um caramujo atrás de você é mais estressante do que todo o resto. Como eu disse, ainda que fosse uma família de caramujos, seria menos estressante do que minha vida atualmente.

Vai morar numa mansão montada em uma palafita e eletrocuta a base, assim, se o caramujo tentar subir, o choque imobiliza ele. Ele é imortal, mas ele sofre os efeitos da eletricidade, não? Passa vaselina na palafita para que ele escorregue e não consiga subir. Vai viver em um iate, no meio do mar, e se desloca alguns quilômetros todo dia. Faz um círculo de sal em volta da sua casa. São infinitas possibilidades.

Meus queridos, com dinheiro, qualquer problema fica mais fácil de resolver. Contrata 30 ex-Navy Seals ou mercenários do Putin para pegar o caramujo e trancar em algum lugar, assim ele vai ficar te perseguindo dentro do perímetro de um cofre ou algo do tipo. Ele é imortal mas o problema não fala nada sobre ter super força. Monta um sarcófago como o de Chernobyl e deixa ele lá. Ou tranca em um cofre e joga no meio do oceano. Bota ele em um foguete e dá um dinheiro para Elon Musk mandar ele para o espaço e soltar ele lá. Você acha mesmo que um caramujo consegue voltar do espaço?

“Mas Sally, eu não saberia criar uma estratégia”. Contrata uma pessoa que seja boa nisso e paga para ela desenhar um plano para ela te manter longe do caramujo. Você tem dinheiro de sobra. Pode contratar estrategista, segurança, até cientista para mandar construir um iron dome de caramujo!

Não dá para zerar o risco, pois ele sempre vai existir, mas certamente é muito menor do que o risco de ser assaltado, agredido, estuprado ou barbarizado em alguma cidade brasileira. Vocês convivem com medos piores… e de graça! Eu não vou acreditar se um brasileiro, que já não tem paz nem segurança, deixar de resolver sua vida financeira por ficar com medo de um caramujo!

“Mas Sally, o risco é muito alto, não quero uma morte lenta e dolorosa”. Meus queridos, tantas pessoas morrem de forma lenta e dolorosa e não ganham dez milhões para isso… Faz as contas aí de quantas pessoas tem AVC, Câncer e outras doenças que não são nada agradáveis sem receber um centavo. E, cá entre nós, se um caramujo te pegar, você merece.

Não faz sentido recusar essa fortuna por uma ameaça que pode ser facilmente contida ou neutralizada. Parem de ser medrosos ou preguiçosos, quando aparece uma oportunidade como essa tem que abraçar.

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