Causa ou data?
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Vamos começar a semana com energia positiva?
Tema de hoje: se você fosse obrigado a saber a data da sua morte ou a causa da sua morte, qual dos dois preferiria saber?
SOMIR
Eu prefiro saber a causa. Como não dá para simplesmente recusar a informação, você é obrigado a escolher, eu prefiro ficar com o que é mais natural para a mente humana. Sabemos que vamos morrer. E honestamente, não tem muito o que inventar na causa: velhice, doença, acidente ou violência.
De uma certa forma, já faz parte do pacote de estar vivo ter esse tipo de informação sobre a causa. No exemplo em questão tem o agravante de saber exatamente o que vai ser, mas não é como se fosse pegar alguém de surpresa. Só pode ser alguma coisa que faça seu cérebro parar de funcionar sem retorno. Não é normal saber os detalhes, mas é normal saber que vai acontecer dentro das categorias óbvias.
Pessoas pacíficas em países seguros morrem por violência, pessoas saudáveis que se exercitam todos os dias morrem de doença. Mesmo que funcione muito bem se prevenir das causas de morte, não é mágica. Vai acontecer de alguma dessas formas que aconteceram com bilhões antes de você. Entende o meu ponto? De um jeito, saber a causa da sua morte não muda a lógica de estar vivo: estaremos aqui até não estarmos mais, e esse momento está fora do nosso controle.
O que me deixaria realmente incomodado é saber quando eu morreria. Nem o suicida tem controle real sobre esse momento: repetindo o que disse no meu antigo texto sobre formas de suicídio, muitas vezes dá errado, o corpo não quer morrer e está pouco se importando se a mente quer. O comum da vida é saber como vai morrer, mas não quando.
Se você vai rolar essa roleta de informação privilegiada sobre o futuro, não é melhor escolher a informação que não mexe tanto assim com a forma como você funciona? Cada vez que você olha para os dois lados antes de atravessar a rua, está agindo de acordo com a informação que um carro em alta velocidade vai te matar. O instinto já trabalha com essa questão de causa de morte.
Sua vida provavelmente não muda muito se você souber a causa. Descobriu que vai ser um câncer? Bom, não muda o fato de se preocupar com a saúde e fazer exames, porque tem gente que tem câncer várias vezes antes de ser o realmente fatal. Tem gente que vence o primeiro, vive quarenta anos numa boa e tem mais um fatal. Pode continuar vivendo e fazendo planos, porque você nunca vai saber se vai ser naquela hora ou não.
Descobriu que vai ser um tiro? Crianças e idosos morrem de tiro. Moradores de favela e altos executivos em condomínios fechados caríssimos. Gente que faz muitos inimigos e gente que é querida pela comunidade. Você vai continuar seu projeto de não ficar na frente de uma arma de fogo carregada, não? E repito o argumento anterior: você não sabe se vai ser o primeiro ou o décimo tiro que vai te matar. Tem muito sobrevivente de tiro por aí.
E isso serve para todas as causas possíveis. Quase tudo o que mata já não matou alguém. Sem saber a data, a sua tendência é estatística: você provavelmente vai morrer na média de idade de pessoas parecidas com você. Algumas vão antes, outras vão depois, mas a média é poderosa porque é onde a maioria das pessoas vai se encaixar. Seja qual for a causa, nada impede que aconteça perto dos 80 anos de idade. E pensa comigo: que sua vida provavelmente não vai passar da média de idade da população parecida com você, você já sabia.
Saber a data da morte é o completo oposto, é sair totalmente dos padrões da vida que conhecemos e viver com um timer na cabeça. Isso deve ser angustiante, mesmo que receba uma data muito no futuro. Porque alguém pode pensar que isso libera a pessoa para viver como bem entender e não se preocupar com mais nada a não ser a data da morte, certo?
Pode usar todas as drogas, pegar mil doenças venéreas, fazer todos os esportes radicais ou mesmo tentar ser líder de uma facção criminosa se quiser. Liberdade total! Não. Você sabe quando vai morrer, não como. Existem várias formas de chegar vivo até aquela data sem estar vivendo. Você descobre que vai morrer daqui a 20 anos, mas quem disse que não vai passar 19 em coma? Ou 30 dos 40 restantes preso?
Ou sofrendo? A merda de saber a data é que não tem nem a ilusão de poder ir embora nos seus próprios termos. Não vai dar certo suicídio ou eutanásia a não ser que seja no dia definido. Você ainda pode ficar tetraplégico e viver décadas e décadas sem escolha. Pode acontecer com a pessoa que sabe a causa? Claro, tudo isso pode acontecer com quem sabe a causa, mas a pessoa pode pelo menos ter a esperança de morrer se estiver sofrendo.
Você pode achar que é um passe livre de vida, mas não é. Mil coisas podem dar errado e fazer a espera até a data ser horrível. E a ilusão de imortalidade até lá com certeza vai te influenciar a tomar decisões mais irresponsáveis, que aumentam suas chances de passar por esse tempo de vida com sofrimento. Não quer dizer que você vai ser feliz e independente até a data da sua morte, só quer dizer que você vai estar vivo até lá.
Eu prefiro viver com o que o meu cérebro já sabe como lidar: vou morrer de alguma forma que muitos morreram antes de mim, só não sei quando. A nossa visão das coisas é baseada na imprevisibilidade da vida. Não é à toa que evoluímos para derivar prazer de fazer boas previsões. Tem piada que é mais engraçada porque você já sabe onde ela vai terminar. O cérebro recompensa porque é algo valioso diante da realidade.
Saber quando tira uma parte da diversão da vida: não saber o futuro. Ter a data coloca determinismo numa mente que evoluiu para achar graça num mundo não-determinístico. Existe um risco sério de você começar a perder o interesse na vida porque acha que o próximo capítulo já está escrito. Como eu disse, na verdade continua tendo muita coisa errada que pode acontecer até lá, mas quem vai lidar com essa data é seu inconsciente. Suas escolhas e sua visão das coisas serão moldadas com essa finalidade impressa em todas as páginas.
O mais perto de continuar vivendo como vivemos é saber a causa. Isso eu sei que funciona, porque funciona há milênios.
SALLY
Se você fosse obrigado a saber a data da sua morte ou a causa da sua morte, qual dos dois preferiria saber?
Vamos entender a proposição: você é obrigado a receber uma das duas informações, não é uma escolha. E você não vai poder fazer absolutamente nada para mudar essa previsão, ela vai acontecer. Não importa o que você faça, os cuidados que tome, as restrições que se imponha, a data ou a causa da sua morte não vai mudar.
Dito isso, eu prefiro saber a data.
Se eu pudesse de alguma forma mudar meu destino, eu escolheria a causa, pois serviria como um alerta. Por exemplo, ao saber que vou morrer em um naufrágio, não subiria em um navio, para tentar mudar esse desfecho e não passar por uma morte tão horrível (a meta é morrer dormindo).
Mas, como eu não vou poder mudar nada, me parece uma enorme agonia saber a causa e passar uma enorme taquicardia cada vez que eu tiver que me expor a ela ao longo da minha vida.
“Mas Sally, eu procuraria evitar o evento, ao menos para adiá-lo”. Como já dissemos na premissa, o evento é inevitável, você vai morrer assim e ponto final. Só vai adiar a sua agonia.
E alguns eventos não podem ser evitados. Se você descobrir que vai morrer engasgado, vai parar de comer? Se descobrir que vai morrer escorregando no banho, vai parar de tomar banho? Não dá. A única coisa que você vai conseguir sabendo o evento é fazer qualquer uma dessas coisas com medo.
Suponhamos que a causa seja “você vai morrer atropelada”. Cada vez que eu sair na rua vou ficar me perguntando se hoje é o dia em que vou morrer atropelada. Uma paranoia constante, que vai estragar boa parte da minha vida. “Você vai morrer engasgado enquanto come”. Cada vez que comer, lá vem o medo. Vai estragar aquela atividade para a pessoa. Talvez eu viva mais 50 anos, mas, cada refeição que eu fizer, será com medo. Não. Obrigada.
Óbvio que o ideal é não saber nada, mas se essa fosse a pergunta, não haveria discordância entre Somir e eu e não haveria coluna. Nenhum dos dois quer saber absolutamente nada sobre sua morte. Mas, partimos da premissa de que seremos obrigados a saber. Então, nos poupe do comentário “eu preferia não saber nada”. Nós também. Isso não está em jogo hoje.
Se é para passar por essa situação desagradável de saber algo da própria morte, então que ao menos tenha um lado útil também. Que ao menos me permita organizar o cronograma da minha vida para viver da melhor forma possível o tempo que me resta e deixar a situação da melhor forma possível para quem fica quando eu morrer.
Prefiro saber o dia, inclusive para me programar também. Já pensou estar se matando de trabalhar e resolvendo um monte de problema seu e dos outros quando você vai morrer em três dias?
É triste, mas saber a data em que você vai morrer ajuda no planejamento. Ajuda a não deixar tão desamparado quem depende de você, ajudando as pessoas a terem mais autonomia ou procurando quem possa ajudá-las na sua ausência. Já que vou ter que saber algo sobre a minha morte, que ao menos sirva para reduzir o impacto em quem fica.
Passa todos os bens para quem você quiser, para evitar o desgaste emocional e os gastos com sucessão, faz um seguro funeral assim ninguém tem que gastar uma pequena fortuna te enterrando, deixa todas as senhas e informações importantes anotadas, enfim, bota a vida em ordem.
Dá até para tentar deixar quem fica com respaldo financeiro, fazendo um bom seguro de vida, com uma antecedência razoável que não desperte desconfiança de fraude. Eu morreria mais tranquila se soubesse que as pessoas que eu amo ganharam uma bolada em dinheiro.
E se você for ainda mais ousado, passa todos os bens para seus entes queridos e, pouco tempo antes de morrer, pegar empréstimo em tudo quanto é canto e deixa mais esse dinheiro com as pessoas que você ama. Se fizer do jeito certo, a dívida morre com você.
“Mas Sally, se eu souber o dia em que vou morrer eu vou ficar nervoso”. Normal, né? Mas ao menos você vai ficar nervoso com um único dia em toda a sua vida. Imagina saber o evento e ter medo de morrer cada vez que esse evento se apresentar na sua vida. Imagina comer, tomar banho ou andar na rua sempre nervoso.
De uma forma ou de outra, qualquer uma dessas informações pode desgraçar sua vida, então, o ponto é escolher a que mais benefícios pode te gerar. E o que mais me parece benéfico é tornar mais fácil a vida das pessoas que eu amo e vão ficar. Para isso, o ideal é saber a data da minha morte.
Inicialmente, do ponto de vista individual, concordaria em saber a data em que fosse morrer. Porém, em uma visão coletiva, preferiria que todos soubessem apenas do que fossem morrer.
Nesse sentido, se todos soubessem quando chegaria a hora de cada um, fico na dúvida se a sociedade daqui para a frente avançaria tanto quanto até agora, na presunção de que muito mais pessoas, se não todos, deixariam de ir tão além para conseguir algum avanço para a sociedade, desperdiçando horas extras e fins de semana de um tempo de que sabem o quanto está contado.
Além disso, pessoas que estariam mais próximas da morte poderiam dar vazão a seus desejos mais doentios até então não realizados ao longo de uma vida medíocre e cometer golpes e crimes (numa vibe Heisenberg), pouco se importando de que forma morreria. Ou mesmo pessoas de boa-fé poderiam ter dificuldades em realizar todas as possibilidades financeiras que a Sally descreveu, pois as práticas contratuais das instituições financeiras rapidamente se adaptariam a essa realidade de que todos sabem exatamente quando chegará sua hora. Por fim, temo que pessoas mais influenciáveis acabem revelando a data da sua morte para terceiros, para conseguir vantagem na hora de conseguir um emprego ou na concessão de um empréstimo.
Por outro lado, no caso de quem soubesse a causa de sua morte, por exemplo, de uma doença degenerativa, tendo a acreditar que evitaria ter filhos (biológicos) para propagar esse sofrimento e, coletivamente, erradicar no menor número de gerações possível esse problema genético do DNA da população.
sim, se toda a sociedade soubesse, viraria um caos
Concordo com a Sally. Saber a data do meu fim de antemão me encheria de angústia, claro, mas eu poderia já ir me “preparando”, embora nunca estejamos realmente prontos para lidar com a nossa finitude, e também, como ela disse, tratar de colocar certas coisas em ordem pra não deixar desamparados os meus entes queridos e quem depende de mim.
Ao menos morreríamos com mais tranquilidade no que diz respeito a quem fica
Faço minhas as suas palavras.
Pra mim seria deprimente descobrir que eu ainda tenho muitos anos de vida pra aturar, então prefiro saber a causa. Se for algo banal, tipo se engasgar com água, pelo menos me dá esperança de que eu posso morrer a qualquer momento. Odeio a vida.