Skip to main content

Colunas

Arquivos

Novos rumos.

Novos rumos.

| Desfavor | | 10 comentários em Novos rumos.

Sally e Somir gostam de suas profissões, mas como muitos, se enxergam trilhando outros caminhos também. Hoje discutem essas possibilidades, e os impopulares aproveitam para imaginar pode onde mais poderiam ter ido.

Tema de hoje: se você fosse obrigado a trocar de profissão, qual escolheria?

SOMIR

Eu provavelmente teria tentado a vida de escritor. Não produtor de conteúdo, que é uma área adjacente focada em publicidade e consumo mais imediato, mas escritor mesmo, dos que fazem livros, roteiros e materiais mais autorais.

Tantos anos de Desfavor demonstraram que eu tinha capacidade de ter focado nisso, o que eu aprendi escrevendo os textos aqui não se aplica exatamente para essa escrita de longo formato, mas demonstra que é um interesse natural que com certeza poderia ser treinado até o ponto de alta qualidade. Não necessariamente apelo mercadológico, mas pelo menos a chance de entregar material profissional.

Trabalhar em publicidade tem sua graça criativa, é o que me mantém engajado com a profissão até hoje, mas é uma criatividade controlada por necessidades externas. O designer publicitário não é artista no sentido autoral da coisa: cria com objetivos alheios dentro de linhas-guia que já existem.

Toda vez que eu penso em produzir arte gráfica, rapidamente percebo por que não seria um bom artista: adoro a ideia, não o processo de produção. Em publicidade, tudo bem gostar de ter a ideia e produzir por obrigação, porque você não está colocando sua alma na obra de verdade. Pode ser algo feito “para ficar pronto”. Boa parte dos artistas continua envolvido criativamente enquanto pinta, esculpe ou filma. Eu vario demais nessa parte.

Agora, na parte de textos eu sinto que é tudo ideia. A mecânica de escrever, concatenar frases e estruturar a história é criatividade ininterrupta para mim. Eu acho que cada ser humano tem sua visão única sobre o prazer da ideia e da execução em cada tipo de expressão artística, e minha visão das coisas é que os melhores artistas sempre são aqueles que continuam se sentindo realizados durante a produção. Eu funciono assim com escrita.

E sim, eu sei que é uma profissão supercomplicada para ganhar dinheiro, mas é sobre ser uma profissão que você quer fazer, não sobre fazer um bom planejamento financeiro. Se eu quisesse dinheiro sem pensar no resto eu seria traficante, oras. Me conhecendo, eu provavelmente iria para um dos piores campos possíveis para ganhar dinheiro também: ficção científica paradona.

Mas se desse para pagar as contas, seria recompensador: é algo que parece interessante de fazer, e permite que você crie sem ceder tanto ao outro. Pessoalmente, eu gosto de escrita de gente meio maluca, pode até ser meio difícil de entrar na história, mas costuma ir para lugares que não são esperados. Depois que você já viu a jornada do herói cem mil vezes, tem graça ler ou ver algo diferente. Não à toa quando eu escrevo histórias curtas, eu me divirto mesmo indo para caminhos diferentes do que já li de outros.

Estou basicamente dizendo que não pagaria nem aluguel nessa profissão? Talvez. Mas a vida é mais do que otimização de recursos. Nossos antepassados passaram muitos apertos para nos deixarem nesse mundo com profissões inventadas e mercados inteiros que não contribuem diretamente com necessidades fisiológicas. Tem que usar.

E eu sei que vão dizer nos comentários que é uma profissão morta por causa da IA. Não é. A parte criativa da inteligência artificial atende uma parte da demanda humana, mas tem uma série de limitações que você talvez não tenha percebido ainda, mas logo vai perceber se continuar sendo impactado por esse material. Tem um certo público que percebe a diferença entre macacos infinitos e conteúdo humano, e esse público bate muito bem com o que consumiria conteúdos do tipo que eu produziria.

O perigo seria muito mais eu ser ruim do que a IA tornar o trabalho inútil. Mas aí, é questão do treino e da dedicação. Como eu mantenho a ideia de que arte é gostar de pensar e agir artisticamente, acho muito difícil que eu não ficasse bom, ainda mais com editores profissionais trabalhando junto comigo. Escritor é uma profissão antiga, tem muita gente que sabe como fazer e você não precisa reinventar a roda na mecânica da coisa.

E tem a parte solitária da coisa. Eu também tinha pensado numa carreira de desenvolvedor de jogos, mas mesmo que programação tenha algo da criação contínua da escrita, eu teria que ser uma engrenagem numa máquina maior. Pode ser bacana para muita gente, mas eu acho um saco perder esse controle. Seria o mesmo trabalho de hoje com outra cara, o que me parece um desperdício de oportunidade.

Tem graça criar mundos e desenvolver suas histórias, até porque eu sou do método caótico de deixar a história se escrever sem grandes planos. Eu pergunto para a personagem o que ela quer fazer e só escrevo as consequências. Acho divertido porque eu leio a história ao mesmo tempo que escrevo. Talvez por isso seja mais divertido que arte gráfica, porque a segunda é menos surpreendente para o próprio cérebro.

Não é conselho financeiro, é quase que o oposto disso, mas é uma profissão que eu acharia bem interessante, e acho valioso dizer que a expectativa sobre a IA engolir essa profissão não faz tanto sentido quanto as pessoas pensam. Se você fizer de coração, tem mil outras coisas que vão dar errado antes de um modelo de linguagem tomar seu lugar.

Eu consegui transformar essa segunda ideia de profissão num hobby com o Desfavor, então não é como se eu estivesse me doendo por não ter ido para essa área. Mas se fosse escolher de novo, com o que eu sei hoje, eu arriscaria isso como profissão principal.

SALLY

Se você fosse proibido de trabalhar com o que trabalha e fosse obrigado a fazer outra faculdade para trabalhar em outra profissão, qual escolheria?

Obviamente o tema de hoje não tem uma resposta “certa”, cada um pode escolher a profissão que quiser, nosso debate é qual caminho mental você vai fazer para chegar nessa escolha agora, que não é mais adolescente e conhece melhor a realidade e a você mesmo.

A minha seria veterinária.

O primeiro requisito que penso é: não quero morrer de fome, sou infeliz sem conforto. Nunca fui aquela pessoa aventureira de botar uma mochila nas costas e ir para hostel em outro país. Não. Eu gosto de conforto. Não luxo, mas conforto. Eu gosto de dignidade, higiene. Água quente, internet, ar-condicionado em dias de muito calor. E quando você gosta de conforto, não é qualquer trabalho que funciona como opção.

Assim como o Somir, eu adoraria ser escritora: trabalhar de casa, fazer um trabalho intelectual, poder me comunicar com muitas pessoas sem precisar efetivamente conviver com elas, mas… Não dá dinheiro. Não me adianta ficar em casa sem conforto.

“Mas Sally, é possível ganhar dinheiro com qualquer coisa se você realmente se empenhar, você mesma já disse isso”. Sim. Mas nessa altura da vida eu não sei se tenho condições de fazer um caminho difícil dessa ralação, eu não sou mais jovem. Eu quero um caminho não tão tortuoso. Além do que escritor tem que promover seu trabalho, dar entrevistas, ter rede social, fazer networking… não. Obrigada.

Não é só o fator dinheiro, tem o fator aptidão/afinidade, pois não adianta ganhar dinheiro e sua vida ser uma tortura pois você não gosta do que faz ou por aquilo ser um esforço enorme para você. Eu gosto da área biomédica, eu tenho prazer em estudar isso. Se você observar, a maior parte das postagens relacionadas a saúde, corpo, biologia ou ciências do Desfavor são minhas.

E tem essa questão de não gostar de socializar. Isso limita profissionalmente. Advogados, por exemplo, precisam socializar. É parte do seu networking. Eu quero ficar na minha casa em paz no meu tempo livre. Eu não quero precisar fazer tour, alimentar rede social com conteúdo da minha vida, me promover. Então, profissão que dependa de socialização, eu tô fora.

E eu não gostaria de ter que sair da minha casa para trabalhar. Não que seja fácil conseguir isso em veterinária, mas é possível. Você pode ter uma casa na qual o primeiro andar é uma clínica e o segundo andar é uma residência, inclusive eu já trabalhei em veterinárias que eram assim (como estagiária). Em um primeiro momento, provavelmente eu não teria dinheiro para isso, mas poderia começar com consultas domiciliares, indo na casa dos pacientes. É uma forma de cobrar mais por uma consulta e de não passar o dia enfurnada em uma clínica tendo patrão. Plus: é bom para os bichos.

Eu vejo poucos veterinários que se dedicam exclusivamente a consultas domiciliares. Talvez porque os procedimentos que realmente dão dinheiro sejam realizados em clínicas. Para quem não sabe, procedimentos em pets podem ser até mais caros do que em pessoas. Já me aconteceu de pagar menos em uma radiografia para mim do que para meu pet.

Mas… se você for bom, você consegue. E para ser bom em consulta domiciliar você precisa estudar muito. E isso eu sei fazer. É focar no diagnóstico como seu ponto forte e começar a construir um nome. E, sinceramente, eu acho até melhor para os pets que todos os procedimentos simples que puderem ser realizados sem consultório sejam feitos em suas casas. Gatos principalmente.

Cada vez que vou ao veterinário e vejo gato apavorado no fundo de uma caixa de transporte esperando meia hora para tomar uma vacina eu fico puta. É perfeitamente possível vacinar um gato em domicílio. É um estresse desproporcional tirar um gato de casa para isso. Fico puta com o tutor que faz isso e com o veterinário, que nao oferece esse serviço na clínica. Claro que você não vai exigir isso em São Paulo, com grandes distâncias e trânsito caótico, mas poxa, nem em cidades pequenas e sem trânsito o povo faz. É win/win, bom para o pet, bom para o vet.

Outro requisito importante para mim seria que a profissão tenha uma opção acadêmica. Veterinário pode escrever livro, dar aula, ser pesquisador e atuar de muitas outras formas sem necessariamente clinicar. Para mim é fundamental que a profissão tenha essa opção de prático e teórico, para ter para onde correr se eu estiver infeliz em uma das duas pontas.

Mais um ponto positivo é: veterinária é universal, um cão com gastrite é igual em qualquer lugar do mundo, ao contrário de direito que, se você trocar de país, provavelmente rasga seu diploma e tem que reaprender tudo. Isso permite fazer atendimento remoto com pessoas de outros países, fazer cursos com pessoas de outros países e até mudar de país quantas vezes quiser.

Talvez muitos de vocês achem besteira, mas é importante para mim que não seja uma profissão/ambiente contaminada por política. Vai problematizar na puta que te pariu, medicina (inclusive veterinária) não é aberta a interpretação social. Os critérios para diagnóstico não são políticos.

E nessas horas sempre vem alguém me dizer que veterinário não ganha bem. Bem… estão me dando golpe há décadas então. E em dois países diferentes… eu sempre gasto muito dinheiro em veterinário. Sendo bem sincera, cada vez que eu largo um rim no veterinário eu penso em fazer faculdade de veterinária só para não pagar mais veterinário. Quem sabe um dia.

Comentários (10)

Deixe um comentário para Torpe Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.